Hoje tem início um novo período de confinamento obrigatório, fruto da luta contra um vírus, inicialmente inesperado e distante, mas que rapidamente se aproximou, fazendo-se presente em toda a nossa vida. Um vírus que se tornou no maior sinal da globalização, pois cruzou o planeta em tempo recorde, provocando reações díspares, mas convergentes. E que obrigará cada um de nós a assumir uma responsabilidade pessoal ainda mais forte face ao bem comum. Desta resposta dependerá, em muito, a construção de um futuro mais dignificante para todos
POR JOÃO PEDRO TAVARES

Este será — é já — um tempo de mudança. Uma visível mudança no curto prazo, mas uma percetível mudança no futuro. Na retoma da “normalidade”, voltaremos para viver realidades distintas.

Na esfera laboral – e também empresarial – nunca a adoção digital foi tão rápida e “forçada”, assumindo-se como o canal por excelência que possibilita a ligação ao mundo e entre (quase) todos, permitindo igualmente que múltiplas empresas continuem a trabalhar. Mas o mundo do trabalho mudará significativamente. Se a tecnologia permite amortecer o impacto causado por esta crise e até criar novas oportunidades, complementá-la com cadeias físicas de prestação de serviços e de criação de valor será a realidade dominante no futuro.

Também a muitos outros níveis se verifica uma enormíssima transformação. Desde logo, uma transformação interior nas pessoas. Ainda não visível, mas percetível e inegável. Valorizaremos o que era comum e aceite como dado adquirido – até como um direito – sejam pequenos gestos do quotidiano, as demonstrações de afeto, as relações – mas também, e sobretudo, a forma de viver a vida.

Por tudo isto, será um mundo em que estará “tudo diferente” mas, em simultâneo, “tudo igual”. Porque a vida continuará assente nas relações e nas estruturas existentes e em outras que venham a surgir. Porque as pessoas continuarão a estar no centro de tudo. E, mais importante ainda, porque os critérios de decisão terão de continuar a ser tomados, no final do dia, com princípios éticos, de criação de valor (mesmo que com novas variáveis na equação) e de justa distribuição. Mais ainda e no futuro, a dignidade das pessoas terá de ser reforçada num mundo que ficará globalmente mais pobre. A simetria do vírus – que pode atacar qualquer um, rico ou pobre – trará efeitos assimétricos, expondo de forma mais crua os desprotegidos, os pobres, os excluídos. Cabe ao Homem corrigir estas distorções.

Sabendo que muitas empresas, em particular em indústrias específicas, estarão mais expostas, importa deixar uma palavra de ânimo aos que mais sofrem dos enormes efeitos económicos e sociais, para lá dos efeitos sanitários. Nestes momentos é importante que se unam esforços e mecanismos de entreajuda e de maior interação entre todos. Vivemos numa casa-comum e nunca como agora houve tão grande noção dessa realidade.

Por outro lado, existe no mundo toda a capacidade necessária para superar mais este momento e, inclusive, para o tornar único e transformador. Mas serão a ética e o caráter que determinarão o sucesso desta nova jornada. Será a forma como cada um souber assumir a sua responsabilidade pessoal face ao bem comum que motivará a resposta a todos os desafios que temos pela frente.

Os líderes (empresariais, políticos, institucionais, sociais) têm uma responsabilidade e oportunidade única para deixar uma marca. É a oportunidade para a criação de um legado mais justo para as futuras gerações. É também uma oportunidade de redenção, de mudança, de renovação, de surgimento de novas formas de atuar, mais definitivas e marcantes.

Precisamos de um mundo mais interdependente do que independente, mais comunitário do que individualista, mais focado no propósito do que nos resultados financeiros, mais rico em solidariedade do que em resultados monetários. Mas, será mais rico ainda, mais pleno, se englobar todos estes aspetos em simultâneo.

Estes mesmos princípios não são novos; deveriam ter norteado a nossa vida no passado e, nesse contexto, não mudam, mas antes se reforçam mais ainda em termos de importância e alcance. Deixaram de ser apenas importantes para passarem a ser urgentes.

É preciso acreditar, é preciso renovar diariamente a Esperança no futuro, sabendo que nunca estamos sós, mas temos sempre o apoio d’Aquele que nos está a criar em cada momento.

Se assim for, valeu a pena o sacrifício e a dor. De outra forma, terá sido em vão. Que o façamos não só pelos que nos seguem, mas também pelos que nos precederam.

 

Presidente da ACEGE – Associação Cristã de Empresários e Gestores