Sob a filosofia de “aprender construindo”, vinte mulheres pobres de uma aldeia indígena no México estão a recuperar técnicas de construção tradicional para criar as suas próprias habitações e, desta forma, recuperarem o próprio destino das suas vidas. O projecto impulsionado pela associação portuguesa Adobe for Women tem o mérito acrescido de promover a arquitectura sustentável, a eficiência energética e a economia local, como explica ao VER a arquitecta Maria do Carmo Caldeira
A Adobe for Women é uma associação portuguesa sem fins lucrativos que executa trabalhos de arquitectura sustentável no combate à pobreza em países carenciados. A organização iniciou recentemente um projecto de arquitectura sustentável no México, que prevê a edificação de vinte casas sustentáveis, com uma missão: ajudar vinte mulheres pobres a construírem as suas próprias casas. Este primeiro projecto, que será implementado no povoado de San Juan Mixtepec, em Oaxaca, pretende recuperar uma iniciativa impulsionada pelo arquitecto mexicano Juan José Santibañez há vinte anos atrás, com o objectivo de contribuir para a melhoria de vida em zonas rurais do México. E não se tratam de umas casas quaisquer, mas sim de edifícios energeticamente eficientes construídos com materiais locais, a partir de técnicas de construção tradicional, como a construção em terra ou em adobe. A melhor notícia, para estas mulheres, é que as casas têm um custo total inferior a quatro mil Euros (3.830,84 Euros, ao certo). É justamente nesta aldeia indígena de San Juan Mixtepec, no Sul do Estado mexicano de Oaxaca, que está baseada parte da equipa da Adobe for Women. Em declarações ao VER, Maria do Carmo Caldeira, arquitecta fundadora da associação, sublinha a importância deste projecto português de responsabilidade social naquela zona do México, considerada uma das mais pobres do país, e necessitando, pois, de iniciativas como esta. Ao participar neste projecto, “estas mulheres estão, pouco a pouco, a conseguir mudar o destino das suas próprias vidas”, acredita. E explica como funciona o empreendimento destas casas de 63m2 e de planta rectangular, que são eficientes e tiram partido dos recursos disponíveis: “sob a filosofia de aprender construindo, equipas de cinco mulheres que trabalham alternadamente para não descurarem as suas actividades e sustento, aprendem técnicas de construção que podem vir a utilizar mais tarde para a manutenção das casas e como um meio de obter rendimentos, estimulando a economia local”. Todas as mulheres vivem em circunstâncias difíceis, mas participam com o seu trabalho no processo de construção para se irem apropriando da sua futura morada, o que as ajuda a “reencontrarem a auto-estima, a capacidade de trabalho e a esperança”, ao verem transformada a sua vida com novas casas que constituem espaços seguros e carinhosos para as suas famílias. Ajudar com criatividade Para além de Portugal, o Brasil, o México e o Gana são os principais destinos de intervenção dos projectos de arquitectura sustentável destes arquitectos, visando a melhoria das condições de habitação de populações carenciadas.
Como explica Maria do Carmo Caldeira, o mote ‘Não lhe dês o peixe, ensina-o a pescar’ “traduz exactamente o que estamos a tentar fazer junto das mulheres a quem se destina a associação. Elas participam no processo de construção, ganhando auto-estima e novas competências, e apropriando-se pouco a pouco da sua futura morada”. Com o trabalho e a ajuda da Adobe for Women, continuarão a fazê-lo, mas nas suas próprias casas: “acreditamos que quando uma pessoa constrói a sua própria casa, esta adquire uma importância e um sentido de identidade ainda maiores, pelo que será mantida e preservada com um cuidado especial”. Admitindo que a equipa arrancou com o projecto “mesmo sabendo que seria difícil angariar dinheiro, tendo em conta a conjuntura actual”, a arquitecta explicita que, quando “as pessoas nos perguntam por que devem contribuir para uma pequena aldeia mexicana, nós perguntamos: porque não? Afinal de contas vivemos num mundo cada vez mais global”, conclui. Chegar à CPLP A associação “é um meio concreto de ajudar pessoas concretas”, sublinha e, ao trabalhar com materiais e técnicas de construção locais como o adobe e o bambu, pretende mostrar “como se pode construir uma casa digna, mas de baixo custo”. Neste contexto, são incorporadas soluções low-tech nas casas, como o uso de painéis solares e colectores de água da chuva, “que se adaptam bem ao clima local”, adianta esta especialista. Outras soluções de energia eficiente visam também reduzir os custos de vida diária e incluem um banho seco, um ponto de compostagem, um sistema de tratamento de água natural composto de cascalho, plantas e carvão e uma estufa lorena para cozinhar ao ar livre, explica ao VER. Com a intenção de aumentar a visibilidade e divulgação do projecto, bem como criar mais-valias para as entidades doadoras, a Adobe for Women está já a planear a realização de um documentário sobre o mesmo, com registo em imagens (filme e fotografia) da evolução da construção das casas em San Juan Mixtepec, entrevistas e “diário de bordo” da equipa projectista. Este trabalho deverá depois dar lugar a uma exposição que consistirá numa mostra do projecto, quer na sua vertente arquitectónica, quer na sua vertente social, através de diversos suportes de apresentação: fotografias em grande formato, projecção de filme, amostras de matérias, maquetas e desenhos. Segundo Maria do Carmo Caldeira, o futuro da associação passa ainda pela multiplicação dos parceiros e contactos e da capacidade para “criar mais e melhores respostas às necessidades sociais com que nos comprometemos”. Na sua opinião, “este é só um pequeno passo no longo caminho a percorrer. É o nosso contributo para uma utilização mais humana e sustentável do espaço e dos recursos do planeta, porque o futuro depende daquilo que fazemos hoje”. E se este é só “o primeiro de muitos projectos que poderão vir a melhorar as condições de vida de pessoas pelo mundo inteiro”, Maria do Carmo Caldeira acredita que “como associação portuguesa, um dia poderemos vir a implementar este projecto ou outro semelhante em países de língua portuguesa, em muitos dos quais existem necessidades idênticas”.
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Jornalista