Foi o ano em que a humanidade chegou aos oito milhões de seres, um número comemorado simbolicamente em Novembro. Nasce muita gente e morre muita gente: contaremos, de 1 de Janeiro a 31 de Dezembro de 2022, 127 milhões de nascimentos e 64 milhões de falecimentos. Celebram-se os vivos, mas celebram-se ainda mais alguns dos mortos que conhecemos. Não sabemos se um dos bebés do ano será o John Lennon ou a Marie Curie. Já os mortos conhecemos bem e são chorados pelos próximos
POR PEDRO COTRIM

Os que ficam para a eternidade são lamentado por países inteiros, e 2022 levou-nos a Rainha de Inglaterra. Foi um dos eventos do ano e as cerimónias tudo convocaram. É impossível presenciar um evento assim sem sentir que é o fim de uma era. Isabel II e o século XX foram quase sinónimos, tendo o reinado começado no dia 6 de Fevereiro de 1952. O primeiro-ministro era Winston Churchill.

Século XXI bem lançado. Ainda há poucos tempo víamos o ano dois mil no futuro. Os anos correm e quando chegamos a Dezembro clamamos sempre «já é Natal». É verdade, são apenas 12 meses, são 52 semanas que vemos a passar cada vez mais depressa.

Neste 2022 assistimos ao desaparecimento de Mikhail Gorbachev, a quem devemos muito. O acordo de desmantelamento nuclear que assinou com Ronald Reagan em Dezembro de 1987 foi uma achega tremenda para o final da Guerra Fria.

Morreu muita gente famosa, como todos os anos. As redes sociais inundam-se de epitáfios e a sociedade da informação é rápida a pôr-nos à frente as notícias menos boas. «Pas de nouvelles, bonnes nouvelles». Sabemo-lo há muito, e se as redes estão em silêncio, bem vai o mundo.

2022 marcou também o início da ofensiva russa à Ucrânia. O mundo voltou a ver de perto o belíssimo alfabeto cirílico e a guerra tornou à Europa. Há uma história de um ET que visita a Terra e que fica abesbílico com a noção de país – como é que num planeta pode haver guerra de humano contra humano?

A peregrinação ancestral do homo sapiens fez-nos assim. Não podemos renegar a nossa história, pois implicaria que aqui não estivéssemos. Penso, existo, afirmou Descartes. Começou a sua elaboração pela única coisa de que não podia duvidar. Há a dúvida apodíctica e há a dúvida sagaz. No reino das legítimas, que o aparecimento das fake news nos faz suscitar, tivemos ainda estes eventos no Ano da Graça de 2022. Não estão ordenados cronologicamente, pois nem sempre há um antes e um depois. Os dias sucedem-se e a nossa conta pode conhecer muitos descaminhos.

Foi lançada a Artemis, uma missão espacial que pretende voltar a pôr pegadas humanas na Lua. Já vimos que o tempo corre, e o último astronauta que tocou na Lua já morreu entretanto – há um espantoso meio século que não vamos à Lua e percebemos assim o que foi o tremendo feito do Século XX. Precisamos do espaço e já o percebemos há muito. Filosoficamente, cientificamente, poeticamente. Somos pó de estrelas, como tão belamente expôs Carl Sagan, e mais apaziguados ficaremos se conhecermos melhor o universo. É que os anos que celebramos, estes 2022 e quejandos, à escala cósmica fazem apenas sentido neste planeta. Um ano aqui será diferente de um ano ali.

Em Agosto a Serra da Estrela ardeu durante uma semana. Um quadrado de quinze quilómetros por quinzes quilómetros. Se o desenharmos nas áreas metropolitanas de Lisboa ou do Porto ficamos com uma noção da tragédia. Não se perderam vidas, como nos infames fogos de 2017, mas dói ver o país a arder todos os anos. O Verão é seco pelas nossas bandas e as florestas passam a ser depósitos de combustível ao alcance de uma faúlha. É uma das guerras anuais, é uma que temos absolutamente de vencer.

As alterações climáticas continuam sempre na ordem dos dias. Neste Verão tivemos uma vaga de calor impensável na Europa. Houve vários dias seguidos de quarenta e muitos graus em algumas zonas do país, o que há uns anos pertencia aos domínios da ficção distópica, e Londres, a temperadíssima Londres, chegou aos quarenta graus no dia 19 de Julho.

Em 2022 realizou-se a COP 27. Esta conferência para as cedências climáticas que teremos de observar estritamente teve lugar em Sharm El- Sheikh, e há mais acções a caminho. Ou não. Somos a única espécie no mundo a ter noção da sua eventual extinção e a poder mudar de caminho para a evitar, mas não parece fazer muita diferença a quem tem capacidade de decisão.

Joga-se um mundial de futebol no Qatar. A decisão foi polémica e muito escrevemos no VER sobre os bastidores da FIFA e dos seus goodfellas. Um dia tudo se saberá, supomos. Para já a bola rola. Chorámos no sábado e celebrámos ontem os heróis. As crianças gostam de bola de uma forma mais terna que os adultos. Que os jogadores saibam sempre que há olhos jovens que os vêem como modelos. Para lá da política, a festa tem sido linda.

Estes jovens que riem e choram com a bola serão os cidadãos do futuro. Queremos que daqui a muitos anos façam os seus balanços anuais como nós os fizemos desde sempre. Para isso terá de haver anos para contar e o grande desígnio de 2023 só poderá ser um: combater, limitar e mitigar as alterações climáticas; queremos mais anos para olhar em retrospectiva.