Quem o afirma é Carlos Santos Lima, Portugal Branch Manager no Credit Suisse e que, em entrevista, faz uma análise entre o optimismo e o pessimismo que caracterizarão o cenário económico neste novo ano. Para o gestor, o panorama de elevadas taxas de juro será um desafio para os diferentes agentes económicos e poderá trazer custos que hoje são difíceis de antecipar. De momento, o Credit Suisse mantém uma postura conservadora ao estimar, para 2023, um nível de crescimento económico abaixo da generalidade dos analistas
POR HELENA OLIVEIRA
Gostaria, em primeiro lugar, de obter da sua parte uma visão mais “global” do que se pode esperar em termos macroeconómicos para 2023.
A nível global, o que podemos esperar é uma inflação ainda elevada, embora com tendência de descida ao longo do ano. A primeira metade do ano será marcada por uma continuação da subida das taxas de juro nas principais economias. Em consequência desta política monetária restritiva, as previsões do Credit Suisse apontam para um crescimento económico global de apenas 1,5%.
Por fim, os riscos geopolíticos mantêm-se em aberto, uma vez que poderão amplificar-se as tensões dos mesmos, nomeadamente a Guerra da Ucrânia. Em torno desta temática, as principais áreas impactadas serão as da energia, segurança cibernética e bens alimentares.
Depois dos acontecimentos inesperados e que têm pautado os últimos anos – a pandemia e a guerra na Ucrânia – o que elege de mais “perigoso” para a economia mundial, europeia e portuguesa?
Eventos extraordinários como pandemias, guerras e outras tensões geopolíticas são impossíveis de prever. No campo económico, é possível assinalar a mudança de regime macroeconómico a que estamos a assistir em que se realçam as taxas de juro positivas, superiores a 3% e a inflação muito acima da meta dos 2%.
Da mesma maneira que há uns anos se testaram e generalizaram as políticas de taxa de juro zero (ou mesmo negativas), será interessante observar este regresso ao regime de taxas de juro reais positivas. Este tema é particularmente delicado, uma vez que várias economias apresentam elevados níveis de endividamento e ainda não conseguiram reequilibrar as contas, após o recente choque provocado pela pandemia.
Esta combinação de política monetária restritiva com menor capacidade de intervenção fiscal, tornam o actual ambiente macroeconómico particularmente incerto, abrindo-se a probabilidade de o cenário de crescimento económico se deteriorar ainda mais.
Existem já muitos elementos que indiciam um 2023 bastante lúgubre em termos económicos, sendo vários os economistas a preverem uma desaceleração da economia e uma inflação ainda elevada. Como comenta esta desaceleração e quais as principais consequências negativas que dela podem advir?
É provável que o foco se vá deslocando da inflação para o crescimento económico, uma vez que o pico da inflação já terá sido alcançado nas principais economias. Por exemplo, nos EUA foi em Junho e esta deverá continuar a desacelerar.
Ainda assim, segundo o Credit Suisse, este abrandamento não irá desencadear inversão de políticas monetárias e as taxas deverão estabilizar num patamar elevado. Os nossos economistas acreditam que não haverá espaço para a descida de taxas na segunda metade do ano.
O panorama de elevadas taxas de juro será um desafio para os diferentes agentes económicos e poderá trazer custos que hoje são difíceis de antecipar. De momento o Credit Suisse mantém uma postura conservadora ao estimar, para 2023, um nível de crescimento económico abaixo da generalidade dos analistas.
Fala-se igualmente da probabilidade de, em vez de assistirmos a apenas uma desaceleração, podermos vir a sofrer de mais uma recessão – impossível esquecer a de 2008 – num quadro de extrema imprevisibilidade. Qual a sua visão relativamente a esta possibilidade e ao pessimismo que a mesma acarreta?
A situação actual não é comparável. Em 2008 havia um problema do lado dos activos do sistema financeiro, o que, neste momento, não se verifica.
Hoje, há um problema de inflação elevada e de aperto monetário. Estamos perante um choque inflacionista forte, mas com origens localizadas e que dificilmente perdurarão. Será crucial perceber até onde os Bancos Centrais terão de intervir, ou seja, com que custos conseguirão conter a inflação.
A guerra na Ucrânia, ainda sem fim à vista, influenciará, com toda a certeza, a economia em 2023. Apesar de a guerra não ser um fenómeno económico, introduz ainda mais incerteza na actividade económica. O aumento dos preços da energia, dos bens essenciais, da limitação do fornecimento de gás natural, a par da enorme incerteza geopolítica que nos rodeia, fazem aumentar o receio de que, a existir recessão, esta se possa prolongar até 2024. Se tal acontecer, os mais pobres e a classe média serão os que mais irão sofrer. Que respostas considera mais importantes implementar para “suavizar” esta possibilidade?
Os efeitos de subida nos mercados das matérias-primas que surgiram com a guerra já se esbateram ou não existem, estando algumas em níveis inferiores ao início da mesma.
Actualmente a inflação verifica-se mais na área dos serviços e menos nos bens. Por isso, é natural que a inflação de serviços comece a abrandar com a redução do consumo.
É necessário estarmos cientes que, em 2022, os mercados financeiros sofreram um forte choque com as alterações inesperadas do custo de capital. É natural que, em 2023, o aumento do custo do dinheiro associado ao abrandamento da economia retire rendimento disponível a famílias e empresas. Será um ano muito mais desafiante para a “economia real”.
Enquanto profissional da banca, como comenta o facto de a inflação alta em combinação com uma economia debilitada poder colocar os bancos centrais numa posição complicada?
Os Bancos Centrais colocaram-se numa posição complicada porque, em 2021, ignoraram os sinais de aumento da inflação e em 2022 tiveram de encetar um processo tardio, e consequentemente agressivo, de subida de taxas.
A história diz-nos que os Bancos Centrais podem rapidamente ajustar o discurso. Resta saber que tipo de deterioração económica teremos e quais serão os custos em termos de desemprego, quebra do investimento, insolvências, etc.
Este aumento das taxas de juro, o primeiro há mais de uma década, obrigou a uma mudança quase radical na política da Zona Euro. O que se pode esperar desta mudança?
Os Bancos Centrais estão a cumprir o seu mandato. Resta saber se perante uma economia em abrandamento e com elevados níveis de dívida, esse mandato não terá de ser alterado. Até esse momento as famílias, as empresas e os Estados terão de se readaptar a viver num entorno de taxas de juro positivas e elevadas.
A propósito da persistência do surto inflacionário, Christine Lagarde já deixou um aviso claro aos mercados: “pode haver outra subida de 50 pontos-base nos juros na próxima reunião, e na seguinte, e eventualmente depois”. O que pode representar esta subida?
O Banco Central Europeu, na última reunião, ditou o discurso mais agressivo e, como consequência desse discurso, o Credit Suisse aumentou a sua expectativa de subida de taxas na zona euro para 3.5%. Anunciou, ainda, a redução do programa de compra de dívida em 15 mil milhões ao mês. É de assinalar que os principais bancos centrais mantêm o foco na condução do seu mandato de combate à inflação e na recuperação da sua credibilidade.
E o que dizer sobre o facto da responsável do BCE ter igualmente afirmado que: “Estamos aqui para um jogo prolongado. Temos ainda mais caminho a percorrer. Mais longo do que o da Reserva Federal Americana”?
Na realidade, a Reserva Federal Americana ao ter iniciado, uns meses antes, o ciclo de subidas, tem agora espaço para começar a suavizar o discurso. Se chegarem à taxa terminal de 5%, conforme é a expectativa dos analistas do Credit Suisse, terão um ciclo de subida de taxas de juro superior ao do Banco Central Europeu (assumindo que estes param nos 3,5%).
O Banco Central Europeu, ao ter iniciado mais tarde o ciclo e perante um pico de inflação, que apenas terá sido registado no último trimestre do ano de 2022, tem ainda mais caminho para percorrer.
Considera que controlo da exposição da banca ao risco de crédito continuará a ser uma prioridade para o BCE ou outras prioridades poderão surgir entretanto?
O Banco Central Europeu mantém o seu papel de supervisão do sector bancário. No entanto, a condução da política monetária é sobretudo influenciada pela inflação, estando o Banco Central Europeu a actuar com o propósito de controlo da mesma.
Como sabemos, a subida das taxas de juro aumentará os custos de financiamento, o que terá uma pressão indesejável nos sectores mais endividados, sejam empresas ou famílias, cujas mensalidades dos seus empréstimos tenderão a aumentar ainda mais. Podemos esperar mais uma crise financeira, com falências que estão a já a verificar-se em vários países?
Um aspecto positivo é que partimos de uma base em que a taxa de incumprimento é muito baixa. Contudo, taxas de juro mais elevadas e abrandamento económico são obviamente factores que poderão fazer abrandar o emprego, o investimento e, no limite, provocar movimentos de consolidação e/ ou aumento das insolvências.
Que perspectiva económica se pode esperar para Portugal?
O Credit Suisse tem uma perspectiva macroeconómica global, e em particular para a Europa, mais pessimista que o FMI, BCE, OCDE e Comissão Europeia.
Dentro da zona Euro, os países do sul da Europa, como Portugal, apresentam cenários menos negativos. Para Portugal, em 2023, temos uma expectativa de crescimento ligeiramente positiva (0,8%) com uma inflação média abaixo da Zona Euro, nos 4,5%. Por outro lado, Portugal têm a desvantagem de ter uma estrutura de financiamento assente essencialmente em taxa variável, o que vai continuar a pressionar as famílias e à medida que as taxas forem actualizadas.
Todavia, os analistas do Credit Suisse também sublinham que o bom desempenho das contas públicas portuguesas e tendo em conta o actual panorama, poderá resultar num superavit no próximo ano contribuindo para a continuação da redução do rácio de endividamento.
Editora Executiva