POR PEDRO KRUPENSKI*
Celebramos, em 2015, o Ano Europeu para o Desenvolvimento. A escolha deste tema para este ano, não foi fruto do acaso. Face à crise dos paradigmas de desenvolvimento, à redução muito substancial dos fundos alocados à Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD), à inclusão recente de novos actores no palco da cooperação (como o sector privado que, desde 2011, é considerado actor por direito próprio), ao termo da agenda de desenvolvimento (Objectivos de Desenvolvimento do Milénio – ODM) e à construção da Agenda Pós-2015 (Objectivos de Desenvolvimento Sustentável – ODS) faz todo o sentido uma reflexão profunda e alargada sobre o passado, o presente e o futuro da cooperação para o desenvolvimento, a identificação de boas práticas, a geração de pensamento crítico sobre o sector e sobre os benefícios mútuos (entre doadores e beneficiários) e a mobilização dos cidadãos e cidadãs para a acção na área da cooperação.
[pull_quote_left]Em Portugal a cooperação com os países menos desenvolvidos é considerada uma prioridade, mas para os outros[/pull_quote_left]
Se tudo isto faz sentido à escala europeia, mais faz quando olhamos para o nosso país. 92% dos portugueses responderam ao último Eurobarómetro (2013) considerando que a cooperação com os países menos desenvolvidos deve ser uma prioridade. Lamentavelmente, quando perguntado a este elevado número de pessoas se estão disponíveis para mudar comportamentos nesse sentido, consumindo, por exemplo, produtos do comércio justo, apenas 30% responde afirmativamente. Estamos, pois, perante algo que é considerado uma prioridade, mas para os outros. É, assim, vital, desenvolver actividades que levem os nossos concidadãos a pensar a inter-relação entre os seus problemas e os dos outros, mobilizando-os para a acção. Se somos, enquanto família humana, parte do problema, somos também parte da solução.
Também no nosso país, houve uma muito substancial redução dos fundos alocados à APD. Enquanto ONGD não reclamamos um regime de excepção. Houve cortes em quase todos os sectores. Não há razões para que este não os tenha sofrido. Ao sofrê-los, impor-se-ia, porém, uma aplicação mais eficiente e mais eficaz do que sobrou. Não foi isso, contudo, que aconteceu: a APD está ao serviço da promoção da língua portuguesa e da diplomacia económica. Precisamos, com efeito, de promover além-fronteiras a nossa língua e cultura.
[pull_quote_right]Apesar do cenário pouco animador, a Agenda Pós-2015 e os ODS trazem alguns sinais de esperança[/pull_quote_right]
Necessitamos, indiscutivelmente, de dinamizar a nossa economia promovendo a sua internacionalização e a captação de investimento estrangeiro, mas não à custa ou em vez da cooperação para o desenvolvimento. Reporta o CAD/OCDE que a APD portuguesa é 70% ajuda ligada. Significa isto que 70% dos fundos que deveriam ser aplicados na luta contra a pobreza são entregues aos países parceiros de Portugal com a condição de, com eles, adquirirem bens e serviços a Portugal.
É assim agora, mas nada nos garante que, com o próximo governo, continue sendo. A verdade é que nestes últimos trinta anos – malgrado todos os decisores políticos afirmarem que a cooperação para o desenvolvimento é uma política de Estado – as opções políticas deste sector têm mudado com cada governo e, pior, com cada titular da pasta dos negócios estrangeiros e da cooperação.
O desenvolvimento humano, sustentável, não é compatível com as vicissitudes dos ciclos eleitorais. A previsibilidade, condição para a eficácia do desenvolvimento, é constantemente posta em causa. A coerência da política da cooperação com outras políticas externas (para que não se tire com uma mão, aquilo que se deu com a outra) pressupõe constância, progresso, eficácia e responsabilização. Se fosse uma política de Estado, os decisores políticos de turno aceitariam investir hoje nas pessoas, mesmo sabendo que os frutos apenas viriam a eclodir quando estivessem outros de turno.
A Plataforma Portuguesa das ONGD, que celebra o seu 30º aniversário neste ano tão rico em acontecimentos para o sector da cooperação, organizou recentemente, no âmbito do programa da Semana de Desenvolvimento, o seminário “30 Anos de Desenvolvimento: Passado, Presente e Futuro”, que teve como finalidade aferir a evolução e os desafios da cooperação para o desenvolvimento em Portugal e o papel que a Plataforma e as ONGD suas associadas têm desempenhado nestas três décadas.
[pull_quote_left]Somos a primeira geração da história com os meios para erradicar a pobreza, mas a última a poder reter a destruição do nosso condomínio global[/pull_quote_left]
Depois de uma análise do passado (mais remoto e mais recente), e de uma avaliação da actualidade, todos foram unânimes nas perspectivas de futuro: apesar do cenário pouco animador, a Agenda Pós-2015 e os ODS trazem algumas componentes que são sinais de esperança.
Por um lado, estará no centro desta agenda o Desenvolvimento Sustentável, segundo o qual não haverá desenvolvimento humano que assim se possa chamar, sem equilíbrio e horizontalidade entre as dimensões económica, social e ambiental. Se o compromisso em torno desta horizontalidade for levado a sério evitaremos a hegemonia da dimensão económica sobre as demais. Tomaremos, finalmente, consciência de que é lucrativo investir nos Direitos Humanos e na poupança dos recursos naturais esgotáveis.
Por outro lado, e ao contrário dos ODM que, embora se apregoassem universais eram discriminatórios (pois propunham, por exemplo, a redução da mortalidade materna em ¾ deixando, portanto, de fora, e à partida, ¼ das mulheres; e eram iguais para todos os países, partindo quase todos de circunstâncias de desenvolvimento muito distintas), os ODS serão universais atendendo, contudo, às especificidades de cada local, de cada país, de cada região. Assim, todos teremos um papel a desempenhar na nossa escala para contribuir para a agenda global. A Agenda de Desenvolvimento vai ter que deixar de ser encarada com um elenco de soluções pensadas por outros, implementadas por outros para resolver problemas dos outros. Acompanhe Portugal as estruturas e as pessoas, neste salto civilizacional.
Somos, com efeito, a primeira geração da história com os meios para erradicar a pobreza, mas somos também a última geração da história a poder reter a destruição do nosso condomínio global.
Presidente da Direcção da Plataforma Portuguesa das ONGD e Director de Desenvolvimento da Oikos - Cooperação e Desenvolvimento