POR NUNO GASPAR OLIVEIRA
“Ela estava cada vez mais confusa e hesitava em obedecer. Já tinha usado o seu novo iCoiso para pesquisar sobre controlo da respiração e do impulso consumista, mas ainda era uma situação nova, era muito verde em ser ‘verde’. Ainda por cima, ele insistia que agora ela tinha que pagar 10 cêntimos pelo saco plástico”.
Podia ser uma linda história de amor e crueldade mais-ou-menos consentida, no entanto tinha um travo amargo a oportunismo e desorientação de valores. Para ela, um dos principais valores a defender é a reciprocidade e causalidade directa, ou seja, ela até poderia estar disponível para pagar pelo saco de plástico se, em compensação, o valor despendido fosse utilizado de forma representativa na mitigação dos efeitos nefastos causados pelos mesmos.
Se o maior problema dos sacos plásticos é a poluição causada pelos mesmos, porque teriam os cêntimos de ser desviados para alegadamente compensar variações em impostos sobre rendimentos que pouco ou nada teriam em termos de impacto positivo sobre o problema causado pelos benditos sacos? E não seria perigoso? Taxar um produto implica que essa taxa só pode aumentar em valor total colectado se o uso desse mesmo produto aumentar, o que em última análise pode levar a uma confusão de sinais económicos em termos de planeamento orçamental. Mas ao que parecia, esta situação afinal não era virgem… de todo.
Ela lembrou-se de algumas conversas casuais que teve com a sua colega de trabalho formada em engenharia de ambiente que lhe confidenciou que um dos maiores problemas do sector da consultoria ambiental sucedia do facto de que o mesmo estava encavalitado nas compensações financeiras geradas pelas entidades que causavam impactos … ambientais – quer pela construção de estradas e barragens, como pela expansão de áreas urbanizadas, etc. – o que fez com que o sector entrasse em ruína com o fim das grandes obras nacionais. Isto contou-lhe a amiga, já no aeroporto, enquanto tomavam o café de despedida. A sua próxima paragem era Luanda, onde o leão africano do crescimento petroeconómico rugia com fulgor ao ver a cidade crescer, c r e s c e r , c r e s c e r …
Mas que outras sombras verdes haveria por ai, a criar ilusões de resolução de problemas mas que mais pareciam beneficiar da escalada dos mesmos. Se um elefante incomoda muita gente, um milhão de sacos plásticos a 10 cêntimos amortizam a taxa de IRS muito mais, pensava ela com os seus botões. Parecia que a chave para deslindar o problema era perceber as relações de acoplamento entre o uso de recursos e as taxas sobre os mesmos. De outra forma, além do reshuffling das consultoras, que agora apareciam com os novos tons clorofilinos da estação, que outros negócios e processos estariam a crescer à sombra desta nova proposta cromática? Descobriu então que havia outra ‘solução elefantina’: a taxa verde sobre combustíveis.
Mais uma vez, a mesma lógica estava criada, a de uma taxa que só poderia crescer se o uso de um recurso com graves impactos ambientais (e sociais… e económicos…) aumentasse. Onde estava o estímulo para a real mudança de paradigma? Ou era afinal um jogo de bate-e-foge, o que se estaria realmente a passar?
A resposta que descobriu passava por trocar de elefante, perdão, de carro. Troca-se o mamute carbónico por um modelo híbrido ou eléctrico maneirinho e problema resolvido. Pena que mais uma vez isso implique aumentar as importações de produtos e tecnologia, sendo que o mercado destes veículos funciona melhor sob o efeito escala, ou seja, os preços só vão baixar com o aumento escalável da produção destes novos veículos e da rede logística de suporte dos mesmos, porque a lógica mantem-se, um elefante é um elefante, leva poucas pessoas em cima.
Era bom era precisarmos radicalmente de menos elefantes, de motores de explosão interna ou baterias, e optássemos por criar economias locais de gama que permitissem outras formas de distribuição de bens e tarefas e diminuíssem radicalmente a nossa dependência de transporte próprio, ao mesmo tempo em que era reequacionada a procura, produção e distribuição de bens e serviços verdadeiramente ecoeficientes e sustentáveis (lembram-se, a tal cena dos direitos das gerações futuras e da geração de bem estar partilhado…? Por ai).
Foi ai que resolveu parar um pouco, desligou o iCoiso e sentou-se à verde sombra dos choupos do jardim. Contemplava a paisagem enquanto meditava nos tons traiçoeiros das suas escolhas de consumidora. Em boa verdade, a sombra do choupo era a única que lhe parecia legítima e plena de significado. Mas quanto valia a sombra? E o choupo? E todos os choupos do jardim? E todos os jardins, espaços verdes, bosques, prados, florestas, montes e vales, rios e ribeiras…. Quanto valia a natureza?
Se era assim tão importante para alguns controlar os outros nas escolhas que fazem enquanto cidadãos e consumidores, de certeza que também se preocupariam em reconhecer e atribuir o valor que todas as sombras verdes têm para a economia, ou melhor, para o cálculo do orçamento do estado e das autarquias, da reavaliação de taxas, impostos, despesas públicas e incentivos ao desenvolvimento económico (eles gostam mais da palavra crescimento, mas já sabemos, num sistema finito, não pode haver crescimento infinito, por causa das leis fundamentais do universo, termodinâmica e essas vidas, é ver na wikipédia…). Entenda-se, quais os tons de verde do Produto Interno Bruto?
Mais uma vez, as sombras espraiam-se sobre os factos, criando ilusões e camuflando frustrações. A necessidade do aumento da produção de bens transacionáveis continuava a dominar as contas, os incentivos económicos continuavam firmemente alapados à intensificação do uso de recursos naturais, aumentava o discurso da competitividade alicerçada na externalização dos custos ambientais e sociais, apelava-se a mais um empurrão à ‘grande aceleração’ que nos conduziu às alterações climáticas, degradação dos ecossistemas, escassez de recursos e perda de biodiversidade, quer ao nível das espécies silvestres, como ao nível da diversidade de plantas e de animais que estão na base da nossa alimentação.
Estas sombras verdes eram afinal soturnas e enganadoras, escondiam muito mais do que realmente revelavam… mais uma vez, as letrinhas miudinhas do contrato que lhe era apresentado iriam pesar muito mais do que as grandes afirmações redondas e aparentemente benfazejas.
Deixou-se ficar sentada, observando o vento a levantar no ar um saco de plástico de 10 cêntimos, fazendo-o bailar num momento de beleza americana e embalou este pensamento:
– O que é que vale mais, o saco, ou o arvoredo e a brisa que o agitam?…
Biólogo e CEO da NBI – Natural Business Intelligence