POR GABRIELA COSTA
A Fundação Calouste Gulbenkian apresentou, esta terça-feira, o estudo “Uma Metrópole para o Atlântico”, o qual traça um diagnóstico do potencial de inovação, empreendedorismo e capacidade empresarial do Arco Metropolitano de Lisboa (que compreende as zonas da Grande Lisboa, núcleo central, e quatro eixos radiais de desenvolvimento: um a litoral, até Leiria; outro que acompanha o vale do Tejo; outro em direcção a Évora; e um eixo para Sul, unindo a península de Setúbal e o Alentejo litoral), para a internacionalização de Portugal.
O estudo, realizado em 2015 no âmbito da Iniciativa Gulbenkian Cidades – que promove o debate público sobre o papel das cidades na economia global, entendido num conceito alargado de “regiões urbanas funcionais” -, foi desenvolvido em colaboração com a Universidade de Lisboa, a Universidade Nova de Lisboa, a Universidade Católica Portuguesa, a Universidade de Évora, o ISCTE-IUL, os Institutos Politécnicos de Lisboa, Leiria, Santarém, Setúbal e Tomar, e com uma equipa da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, em parceria com a Direcção Municipal de Economia e Inovação da Câmara Municipal de Lisboa, que contribuiu com zooms sobre alguns sectores estratégicos no município.
O vasto trabalho de investigação, que culminou num documento de mais de 600 páginas agora lançado em livro, foi apresentado em primeira mão numa conferência que reuniu responsáveis de algumas das faculdades parceiras com o presidente da Gulbenkian, Artur Santos Silva, José Manuel Félix Ribeiro, da Iniciativa Cidades, Teresa Lima, da Informa D&B (responsável pelo levantamento e tratamento de informação estatística de caracterização dos sectores de especialização e das empresas desta macrorregião), e representantes de empresas tecnológicas, da Rockefeller Foundation e da Câmara Municipal de Lisboa, incluindo Fernando Medina, que esteve presente na abertura do evento.
Depois de um primeiro estudo que a Gulbenkian dedicou, em 2014, à macrorregião do Noroeste, abrangendo as regiões de Aveiro, Braga, Guimarães e Porto (“Noroeste Global), o novo trabalho lançado pela Fundação visa reconhecer a macrorregião urbana de Lisboa como uma “das que mais pode contribuir para a capacidade de afirmação e atractividade do país na era da globalização e da economia do conhecimento”.
[pull_quote_center]Lisboa tem uma projecção inquestionavelmente atlântica[/pull_quote_center]
Segundo os autores do estudo – que retrata Portugal a partir de “novos processos” de desenvolvimento que vão muito além da “imagem macroeconómica ou política” pré-estabelecida – apesar de não ter uma “existência formal” nem “limites precisos”, a ‘região funcional’ do Arco Metropolitano de Lisboa constitui “um sistema cada vez mais interactivo e interdependente relativamente a instituições, pessoas, empresas e lugares”, e corresponde a “um dos motores essenciais do crescimento, da modernização e da internacionalização do país”.
No contexto europeu, nomeadamente, “Lisboa, pela sua história, posição geográfica e potencial económico e científico, organiza uma metrópole que a transcende e que, tendo uma ambição global, tem uma projecção inquestionavelmente atlântica”, concluem os coordenadores do projecto – José Manuel Félix Ribeiro, Francisca Moura e Joana Chorincas, todos da Iniciativa Gulbenkian Cidades -, justificando assim o título deste extenso trabalho de investigação compilado em livro.
Dinâmicas demográficas têm implicações económicas e sociais
Evoluir progressivamente da geografia de stocks para a dos antagonismos, desta para a geografia dos ecossistemas de inovação e, finalmente, da geografia de assimetrias para a relacional. É com estes três propósitos que Teresa Sá Marques, Professora Associada e directora do Departamento de Geografia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto (FLUP) retrata, na apresentação que fez na conferência de apresentação do livro “Uma Metrópole para o Atlântico”, os resultados da equipa que coordenou, responsável pela redacção dos capítulos relativos ao território, demografia e emprego e análise de redes de inovação económica.
Sublinhando que as duas macrorregiões já analisadas pela iniciativa da Gulbenkian – Noroeste e Arco Metropolitano de Lisboa – concentram cerca de 75% da população, “em apenas” um terço do território (respectivamente, 12,1% e 24% da superfície total), do qual saem quase 90% das exportações nacionais, a geógrafa defende que as mesmas representam “juntas, muito peso na economia do país”, assumindo “uma grande responsabilidade” face à “perspectiva de ancorar todo o projecto futuro que o país tem. Tratando-se de duas áreas metropolitanas “diversificadas, são sobretudo complementares”, enfatiza: “não estão em concorrência, e devem trabalhar por um país melhor”.
Territorialmente, e no que concerne a tradicional geografia de stocks, Teresa Sá Marques alerta que “temos de falar dos recursos que temos”, pois “nem sempre se diz a verdade”. E, em termos demográficos, a realidade é que “o país está a perder a sua população”, de forma especialmente expressiva “nos últimos sete anos”, incluindo, “simultaneamente”, nestas duas macrorregiões funcionais, onde, apesar disso, está “fortemente polarizado” o modelo territorial do país, como reconhece o recente livro editado pela Gulbenkian: em 2011, a macrorregião de Lisboa tinha cerca de 4,1 milhões de habitantes e o Noroeste reunia 3,7 milhões, isto é, nas duas macrorregiões residiam 7,8 milhões de habitantes, a que equivale 77,6% da população do continente – respectivamente, 41,1% e 36,5%. Ora, três décadas antes, em 1981, esta concentração da população do continente era de 39,7% na macrorregião de Lisboa, e de 34,4% na do Noroeste.
[pull_quote_center]Hoje há um ecossistema de inovação e tecnologia que se alarga ao país inteiro[/pull_quote_center]
Certo é que perante “um país envelhecido que tendencialmente vai perder população residente”, como conclui o estudo, “em termos estruturais, as dinâmicas demográficas têm implicações económicas e sociais transversais”.
Também no que concerne o emprego, “há uma dinâmica crescente de população desempregada, a um ritmo avassalador”, nomeadamente na macrorregião de Lisboa, que concentra 43,9% do total de desempregados em Portugal, em 2014 – comprovando-se que nos últimos anos “os processos de reestruturação e relocalização determinaram uma perda de emprego muito acentuada no centro das metrópoles”, agravados pelos “processos residenciais de desurbanização”. Lisboa registou um decréscimo de 8,7% no número de população activa e o Arco Metropolitano de Lisboa um decréscimo de 4,6%.
Mas a centralização do emprego público e privado nesta macrorregião (42,5% do total, em 2011, segundo dados do INE), e particularmente no centro de Lisboa, incluindo recursos humanos com uma escolaridade superior, evidencia “a forte concentração geográfica de oportunidades”, incluindo no que concerne cargos com hierarquias de topo. Contudo, e face a uma concorrência “muito forte”, também “é aqui que se encontram os grupos menos qualificados, com emprego precário ou desempregados”.
Sobre esta matéria, de sublinhar ainda que, apesar de a região de Lisboa ter, actualmente, “uma dinâmica de turismo inferior à do Porto”, segundo Teresa Sá Marques, o sector terciário é, de longe o que emprega mais pessoas neste Arco Metropolitano: 47%, versus 32,1% no secundário e 29,3% no primário, em 2011.
Finalmente, e ao nível de exportações, que, ao contrário do turismo, tradicionalmente apresentavam melhores resultados na região do Porto, têm vindo a “evoluir de forma muito positiva” nos últimos anos, sobretudo na macrorregião de Lisboa, onde se registou um aumento de 42%, entre 2007 e 2014 – ano em que as duas macrorregiões avaliadas pela Iniciativa Cidades representavam 89,9% do total de exportações do continente (cerca de 45% cada).
Para Teresa Sá Marques, todos estes resultados evidenciam que entre as duas macrorregiões Noroeste e Arco Metropolitano de Lisboa existem hoje “dinâmicas muito positivas” e, sobretudo “muito complementares”, pelo que, e a bem da sua internacionalização, o país tem de adoptar “um discurso de inteligência, ancorado na complementaridade, e não na concorrência”.
Sistema de inovação nacional colhe benefícios de ‘fertilização cruzada’
É neste contexto que é emergente evoluir da referida geografia dos antagonismos para a geografia dos ecossistemas de inovação, defende a docente da Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
Perante as “muitas assimetrias” que caracterizam Portugal – por exemplo, no que toca à inclusão social, com falhas evidentes “também nas áreas urbanas”, diz -, há que assumir uma linguagem “mais positiva” que enalteça as “muitas sinergias” que também se fazem sentir entre as diferentes regiões do país. E que são especialmente óbvias ao nível “do sistema de inovação nacional”, graças ao qual “a maior parte das empresas que fazem parte desta rede estão conectadas em todo o território”.
Hoje, o “ecossistema de inovação português” integra um “leque de parcerias” alargado, em parte graças “às políticas públicas do último quadro [de apoio] comunitário”, em que “muitas empresas de Lisboa não eram elegíveis”, o que “contribuiu para que este sistema não esteja só ao serviço” da capital, mas também a nível global, explica Teresa Sá Marques. Acresce que “o meio empresarial português reconhece a componente de inovação que está presente nesta região, portanto o sistema de inovação em Lisboa é um grande parceiro do sistema de inovação nacional”.
[pull_quote_center]Existe uma sombra de Lisboa sobre o país, mas a nível europeu faz-se sombra sobre a capital[/pull_quote_center]
Entre as actividades em que a Grande Lisboa está mais especializada e que geram mais emprego, em termos nacionais, destacam-se as indústrias criativas, os serviços às empresas intensivos em conhecimento, outros serviços às empresas, os serviços de saúde, os sectores infra-estruturais (construção, engenharia e obras públicas; energia – petróleo e gás natural, electricidade, redes energéticas, telecomunicações), o turismo, a indústria farmacêutica e as indústrias agro-alimentares.
Como referido, no estudo “Uma Metrópole para o Atlântico” foram introduzidos zooms elaborados pela Câmara Municipal de Lisboa, que ilustram a importância de três clusters na Grande Lisboa – Economia Digital e TIC (Tecnologias de Informação e Comunicação), Economia Criativa e Economia da Saúde. A relevância económica da Economia do Mar na região é também assinalada no documento.
Na conferência realizada na Fundação Gulbenkian, Teresa Sá Marques sublinhou as TIC, a nível nacional, “enquanto uma área tecnológica muito importante pelo seu peso, nível de especialização e papel de fertilizadora do conhecimento”, afirmando o seu dinamismo na “ligação das áreas tecnológicas a outros sectores de especialização” (das engenharias às indústrias), naquilo a que os especialistas chamam de ‘fertilização cruzada’.
Neste âmbito, existe hoje em Portugal um “processo transversal”, que “ancora e fertiliza conhecimento” entre os campos da inovação e da tecnologia, e que se alarga não só às regiões urbanas mas “ao país inteiro”. Mas, e como alerta o estudo académico agora lançado, “subjacente ao conceito de “ecossistema de inovação está a ideia de que não basta concentrar os esforços na geração de conhecimento, sendo imprescindível o envolvimento de todos os factores que geram valor para a sociedade”.
E é assim que chegamos ao terceiro e último propósito enunciado pela especialista do Centro de Estudos de Geografia e Ordenamento do Território da FLUP: trocar a geografia das assimetrias pela geografia relacional.
Defendendo que os processos de inovação também surgem dos recursos naturais e nos pequenos serviços ou indústrias locais”, Teresa Sá Marques recorda que os mesmos “não nascem de um dia para o outro” e que “somos um país demasiado pequeno para estar apenas ancorado nestas duas macrorregiões” (Noroeste e Arco Metropolitano de Lisboa).
Felizmente, a realidade parece mostrar que “temos uma capacidade de mobilização – social e geográfica – acrescida”, o que faz de nós “um país muito mais relacional, e não atrofiado, como no passado”. Exemplo disso mesmo é o sistema de inovação da região metropolitana de Lisboa, “que também incorpora a I&D” (investigação e desenvolvimento) do restante território, bem como “os pólos de inovação” localizados de Norte a Sul. Esta relação, insiste a geógrafa, demonstra como “o país está a comungar numa lógica de complementaridade de projectos”.
Resta, pois, utilizar os recursos de forma organizada, de modo a construirmos “ecossistemas inovadores capazes de criar valor”. Porque, conclui Teresa Sá Marques, “o desenvolvimento constrói-se” e falta ainda, em Portugal, “criar a capacidade técnica e organizacional para gerir esses recursos”, tendo em vista “uma economia baseada no conhecimento”, isto é, “nas pessoas, que estão em interacção numa rede que dá valor ao país”.
A paradoxal pequena grande sombra de Lisboa
No painel de apresentação do livro “Uma Metrópole para o Atlântico” os comentários finais ficaram a cargo de João Ferrão, coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que destacou quatro pontos essenciais no estudo que dá corpo à obra: mudar códigos cognitivos através de novos discursos e práticas, a partir de uma visão estratégica territorial; complementar a visão macroeconómica do país (assente nas exportações e no investimento) com uma visão sistémica sobre as denominadas regiões urbanas funcionais e a sua integração em redes internacionais; reforçar a conectividade destas regiões funcionais globalmente, tornando-as mais fortes e qualificadas; e construir plataformas de mediação de base territorial capazes de aportar um valor alargado de Portugal, “ligando o que está desligado”, a nível regional.
Para o consultor externo do estudo da Fundação Calouste Gulbenkian sobre o potencial de internacionalização da macrorregião de Lisboa, tudo parte de “um paradoxo”: parece existir “uma sombra urbana” de Lisboa sobre a macrorregião do Porto e sobre o resto do país, mas a nível europeu faz-se sombra sobre a capital, que é “demasiado grande a nível nacional, mas muito pequena a nível global” (incluindo até nos limites da Península Ibérica, onde a metrópole lisboeta se posiciona “mais perto de Valença do que de Barcelona”).
É necessário, pois, e “a nível nacional, estabelecer complementaridades para evitar esta sombra metropolitana”, explica o investigador, o que poderá ser feito trabalhando duas dinâmicas que completam a demográfica e a económica, e que João Ferrão apelida de “dimensões emprestadas”: organização sistémica das denominadas regiões urbanas funcionais, e conectividade internacional das mesmas através da sua integração em redes globais capazes de atrair investimento e talento.
Quanto mais estas duas dimensões se desenvolverem, maior será a importância de Portugal na Europa e no mundo, o que não dispensa um debate sobre “o futuro do país assente numa visão estratégica territorial”.
Jornalista