O ranking da Fast Company que elenca as 50 empresas mais inovadoras do mundo integra este ano um negócio com tecnologia 100% nacional e liderança 100% criativa: a boutique de moda virtual Farfetch, fundada em 2008 pelo empreendedor português José Neves, e que é hoje um ‘unicórnio’, ou seja, uma start-up avaliada em mil milhões de dólares. Liderada em 2016 pelo media online de conteúdos partilhados BuzzFeed, a lista da revista norte-americana dos negócios que mais se reinventam e adaptam velozmente à globalização distingue os modelos de gestão que influenciam novos comportamentos e tendências de mercado
POR
GABRIELA COSTA

A Fast Company divulgou recentemente mais uma edição do ranking das 50 empresas mais inovadoras do mundo e na lista consta, pela primeira vez, a boutique virtual Farfetch, do português José Neves.

No topo do ranking de 2016 não está, como seria de esperar, o Google, nem sequer o Facebook – cujo Instagram foi o grande vencedor da edição do ano passado – mas outra plataforma tecnológica: o BuzzFeed, media online com sede em Nova Iorque criado em 2006, conhecido pelas suas muito partilhadas notícias globais e conteúdos ‘cor-de-rosa’ e de lifestyle, testes e questionários e pelos seus emblemáticos “listicles”. O crescimento do negócio alcança hoje onze versões linguísticas, “da Austrália ao México”, como sublinham os editores da líder mundial de media de negócios especializada em inovação tecnológica, economia ética, liderança e design, e gerou um capital de cerca de 300 milhões de dólares só desde Janeiro deste ano.

Conhecida como a “inveja do mundo dos media”, e reconhecida por uma cultura “que abraça a constante mudança mas permanece focada em métricas orientadas para dados”, a empresa foi distinguida pela Fast Company pela sua capacidade de “agitar os media em todo o mundo”. E fá-lo não apenas com os seus gifs animados e curiosidades sobre famosos, mas, e cada vez mais, apostando em coberturas políticas alargadas, críticas sustentadas e notícias globais de grande impacto, as quais tem vindo a conseguir tornar tão virais quanto os seus conteúdos ‘light’.

Para a publicação que elabora o ranking anual “dos negócios que mais importam”, o BuzzFeed tem “uma capacidade quase profética para se reinventar” graças à forma como adapta os seus conteúdos e a linguagem que utiliza para os apresentar, o que lhe vem permitindo ganhar cada vez mais seguidores. Actualmente, a área de media social é responsável por 75% de seu tráfego, o que está a despoletar uma aposta crescente da empresa em ferramentas próprias, como o Snapchat Discover, e numa presença em vídeo mais assídua.

10032016_NegociosAgeisSegundo a Fast Company, os maiores desafios competitivos desta plataforma na Internet são a sua base massiva de leitores, o grande reconhecimento da marca e a abundância de investimento externo, incluindo uma injecção de capital por parte da NBC Universal na ordem dos 200 milhões de dólares, em 2015.

O maior desafio do BuzzFeed é, agora, continuar a envolver em escala, com a perspectiva de continuar a crescer, alargar activos e conseguir uma potencial Oferta Pública Inicial (IPO), naquele que se antevê como “um futuro promissor”. Futuro esse que fez deste negócio de comunicação o número um do ranking anual da Fast Company, que tem por objectivo revelar “o que de melhor se faz em negócios ágeis e com impacto de inovação”.

A publicação da Mansueto Ventures LLC (uma das principais empresas de media dos Estados Unidos) elabora a sua lista anual de inovação com base num trabalho de pesquisa que, este ano, se estendeu de meses a um ano inteiro de recolha e análise de dados sobre empresas de todo o mundo, por parte dos editores da revista. Para fazer face aos enormes e profundos desenvolvimentos nesta área, no actual e veloz mundo globalizado, a empresa líder de comunicação especializada em negócios recorreu, pela primeira vez, ao suporte da inteligência artificial, através de um software da Quid, uma start-up sedeada em São Francisco, para criar mapas topográficos de inovação em mais de 40 sectores da economia.

O resultado final é um “pacote que inclui listas top 10 em 27 sectores, e enfatiza a importância de empresas com modelos de negócios ágeis, culturas de criatividade e capacidade de adaptação no mundo acelerado de hoje”, como afirmou em comunicado o editor da Fast Company, Robert Safian.

No ranking “The Most Innovative Companies”, o grande objectivo é apurar os modelos de negócio mais inovadores e sustentáveis, enfatizando não apenas as receitas, margens de crescimento e lucro das empresas, mas, e principalmente, as empresas que inovam na maneira de lidar com a gestão e que influenciam novos comportamentos e tendências de mercado em todo mundo.

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Um movimento social no top 10 dos negócios mais inovadores

Incluindo empresas dos mais variados sectores de actividade, a lista da Fast Company reconhece os modelos de negócio que oferecem serviços e produtos que desafiam as normas de gestão e se distinguem pela sua criatividade e inovação.

No top 10 do ranking de 2016 da Fast Company posicionam-se, em segundo lugar, o Facebook; em terceiro, a CVS Health; em quarto, a Uber; e, na quinta posição, a Netflix. Seguem-se, respectivamente, a Amazon, a Apple (numa queda do segundo lugar, no ranking de 2015, para o actual sétimo); a Alphabet (Google); o movimento social Black Lives Matter e, na décima posição, a cadeia de fast food Taco Bell.

Como destacam os editores da revista norte-americana, seis empresas conseguiram manter-se na lista das mais inovadoras em 2015 e 2016: Warby Parker, Apple, Alphabet, Slack, Netflix e Facebook (Instagram).

Entre os distinguidos pela primeira vez em 2016 estão as marcas de consumo populares Taco Bell e Hasbro, grandes corporações como a CVS Health e a Bristol-Myers Squibb, as recém-chegadas ao mercado Shyp e Robinhood, as empresas de retalho criativo Everlane, Shopify e a portuguesa Farfetch, as empresas de saúde com presença mundial NovoCure e Noora Health, os líderes de entretenimento Sixteen String Jack Productions e Universal Studios e as organizações de missão social Sama Group, Black Lives Matter e Social Capital.

Empresas como a Airbnb, Spotify, GE, Fitbit, Uber, e Huawei foram já distinguidas em anteriores edições do ranking da Fast Company. De sublinhar ainda a presença de serviços digitais bem populares mundialmente, como a Spotify ou o Snapchat.

[pull_quote_left]A Fast Company criou mapas topográficos de inovação em mais de 40 sectores da economia para elaborar o ranking de 2016[/pull_quote_left]

Quanto aos critérios que serviram para eleger o top 10 do ranking, o Facebook, por exemplo, foi distinguido na segunda posição por “não deixar que a sua dimensão o impeça de agir como uma start-up”. Doze anos depois da sua criação, por Mark Zuckerberg e os seus colegas de Harvard, a rede social para criar perfis pessoais e partilhar conteúdos com amigos é hoje uma plataforma com um financiamento consolidado, nomeadamente através de publicidade, e através da qual é possível impulsionar assuntos muito sérios, liderando mesmo iniciativas de apoio a países emergentes. A maior e mais popular rede social do mundo (com mil milhões de novos utilizadores a cada dia, 800 milhões de pessoas que usam a aplicação Messenger e outras 400 milhões que aderiram ao Instagram desde sua compra, em 2012), aventura-se actualmente também em projectos de inteligência artificial e realidade virtual.

Na terceira posição, a  CVS Health distingue-se por “oferecer todas as opções de compra aos seus clientes”. Dependendo cada vez menos das tradicionais vendas de medicamentos da rede, a empresa projecta o seu crescimento futuro, que passa por novos serviços, para além de farmácia e retalho, nas suas 10 mil lojas, como clínicas de saúde e até um laboratório de inovação digital especializado em melhorar os cuidados de saúde de forma inteligente.

Já a polémica Uber, considerada um pesadelo para os taxistas graças à sua aplicação que permite aos utilizadores contratarem serviços de motoristas com uma grande variedade de preços, quase sempre mais baratos que os dos táxis, mereceu à Fast Company o mérito de agitar “o mundo corporativo” com o seu modelo de negócio flexível. Lançada em 2010, hoje é a start-up mais valiosa do mundo (depois de rentabilizar as suas rotas graças aos dados infindáveis que recolheu entre os seus milhões de clientes, e de ter criado, em 2015, serviços empresariais como o UberEvents, o que contribuiu para que fosse avaliada em 50 mil milhões de dólares), e agora a quarta empresa mais inovadora, de acordo com este ranking.

Finalmente, na quinta posição do ranking da Fast Company surge a Netflix, “por oferecer às audiências mais inesperadas exactamente aquilo que elas querem”. A empresa de entretenimento americana evoluiu em dois anos de um mero serviço de DVD pelo correio, em 1997, para o modelo actual de assinatura, via streaming, e reúne hoje mais de 75 milhões de assinantes em 190 países. Foi distinguida precisamente pelo seu orçamento actual e por esta expansão mundial, mas enfrenta ainda o desafio de conseguir licenciar novos conteúdos. Em 2015 prevê lançar o equivalente a um filme por semana, no que toca a conteúdos originais.

Por último, e respectivamente nas 6ª, 7ª, 8ª, 9ª e 10ª posições do ranking das empresas mais inovadoras do mundo, estão a Amazon, por ter evoluído dos serviços de vendas online e integrado para serviços de cloud; a Apple, que caiu a pique nesta lista, mas que mantém o seu poder inestimável de influenciar a tecnologia de consumo a nível mundial, com áreas de entretenimento em crescimento, como a Apple Música e a Apple TV, e novos investimentos, como os anunciados projectos de energia solar na China; a Alphabet, holding que agrupa empresas do Google, “por encontrar a melhor forma de apostar em grande”, incluindo nas ideias futuristas do grupo, como um serviço de carros sem motoristas; a Black Lives Matter, empresa social ligada a um movimento activista iniciado em 2013, após a absolvição do segurança George Zimmerman por matar um jovem de 17 anos desarmado e que não havia cometido qualquer crime, e que a Fast Company destaca “por ser capaz de converter o debate sobre racismo em resultados” (sendo de sublinhar que o grupo conseguiu impactar os presidenciáveis democratas americanos Hillary Clinton, Bernie Sanders e Martin O’Malley a abordarem a desigualdade racial, a violência policial e a reforma da justiça penal nas suas plataformas políticas); e a Taco Bell, do mesmo grupo que a KFC e a Pizza Hut, por ser capaz de juntar “de forma genial, milho, feijão, carne e queijo” (e, para além desta ementa de inspiração mexicana, por dinamizar um modelo de negócio que pauta pela habilidade em lidar com as exigências dos novos consumidores).

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A start-up portuguesa ‘unicórnio’ da moda

Por “ter sido capaz de comercializar os melhores designers de moda a nível global”, a Fast Company distinguiu, na 23ª posição do ranking das empresas mais inovadoras do mundo, a plataforma de e-commerce portuguesa Farfetch, que vende artigos de boutiques multimarca de todo o mundo.

Distinguida por três vantagens competitivas – “a confiança dos investidores, o crescimento contínuo e a sua plataforma simplificada com logística comprovada” – a empresa fundada em Leça do Balio em 2008, por José Neves, recentemente considerado um dos 50 melhores empreendedores europeus pelo Financial Times, tem como principal desafio para este ano a “manutenção do alcance global e do serviço ao cliente, através de vários países e das expectativas dos consumidores”.

As perspectivas futuras traçadas pela Fast Company para esta boutique virtual de origem portuguesa, e que reúne hoje parcerias com 400 lojas espalhadas pelos cinco continentes, são uma potencial cotação em bolsa, através de uma oferta pública inicial (IPO) e o crescimento das parcerias com designers na sua plataforma.

Constituindo o único “unicórnio” – isto é, uma start-up avaliada em, pelo menos, mil milhões de dólares (893 milhões de euros) – português no mundo da moda, e uma das sete empresas da Europa avaliadas como ‘milion dollar company’, segundo o ranking do The Wall Street Journal, que integra 78 empresas em todo o mundo, a Farfetch é hoje uma empresa com cunho nacional altamente internacionalizada: chegando a 180 países, representa mais de 1500 marcas de roupa, sapatos, acessórios ou joalharia de 300 lojas diferentes, que são compradas por cerca de 450 mil clientes. Em cada três peças vendidas, uma é enviada para os Estados Unidos, de acordo com declarações de José Neves à imprensa.

[pull_quote_left]O ranking com listas top 10 em 27 sectores enfatiza a importância de empresas criativas e com capacidade de adaptação[/pull_quote_left]

Com os olhos postos no futuro, a empresa soma e segue, tendo anunciado em Fevereiro último a expansão do negócio em dois novos nichos, Beleza (cosmética e produtos para cuidados de corpo, rosto e cabelo) e Crianças, para as quais irá representar colecções para a primavera/verão 2016 de marcas como Burberry Kids, Hucklebones ou Stella McCartney Kids.

Hoje a loja online de marcas de luxo tem uma estratégia de crescimento criativo que faz crescer marcas famosas como Yves Saint Laurent, Valentino, Dolce & Gabbana ou Givenchy, as mais vendidas pela empresa em mercados como os Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Brasil, Austrália, China, Japão e Coreia, a partir dos escritórios de Leça do Balio e de Guimarães, onde trabalham cerca de 275 dos mais de 700 colaboradores da empresa. Em Portugal, a equipa assegura toda a tecnologia (100% portuguesa), serviço ao cliente e áreas financeira e administrativa. Já em Londres, onde estão 150 colaboradores, incluindo a equipa sénior de gestão, funcionam os departamentos de marketing, relações públicas e comunicação. A empresa conta ainda com equipas nos Estados Unidos, Brasil, Tóquio e Xangai.

O modelo de negócio da Farfetch assenta, simplesmente, numa prestação de serviços: a start-up factura com a margem das marcas (que no caso das marcas de luxo ronda os 55%, segundo o seu CEO), da qual retira uma parte, em troca de um conjunto de serviços que os criadores de moda dificilmente conseguem oferecer individualmente, e com a mesma qualidade e projecção mundial, e de que beneficiam assim, sem quaisquer custos com lojas físicas para promover as suas marcas. Entre outras actividades, a Farfetch cria materiais de promoção, como produções fotográficas, e dinamiza a relação entre clientes e fornecedores.

Aproveitando a oportunidade da Internet enquanto tendência global do futuro que se adivinhava na altura em que lançou a Farfetch, e ciente de que as marcas de moda de pequena e média dimensão iriam ter muitas dificuldades em construir, sozinhas, plataformas online, o ex-programador informático idealizou, no fundo, “uma cooperativa digital”, juntando os melhores criadores de moda e as melhores boutiques num plataforma multimarca, com vantagens inegáveis também para o consumidor, que pode “comprar nas ruas de Paris, Londres ou Milão num só site, de forma conveniente e segura”.

Em 2014, a empresa facturou 320 milhões de dólares. Este ano, estima José Neves, as contas da Farfetch ultrapassarão os 500 milhões.


O top 10 das empresas mais inovadoras do mundo

1º: BuzzFeed
2º: Facebook
3º: CVS Health
4º: Uber
5º: Netflix
6º: Amazon
7º: Apple
8º: Alphabet
9º: Black Lives Matter
10º: Taco Bell


Consulte AQUI o ranking completo das 50 empresas mais inovadoras do mundo elaborado pela revista Fast Company

Jornalista