POR HELENA OLIVEIRA
A famosa rede profissional LinkedIn promove, anualmente, um estudo sobre as “tendências de talento”, ou seja, o que realmente move aqueles que procuram activamente emprego, seja porque não o têm, seja porque pretendem um novo ou um melhor desafio. O inquérito relativamente a 2016, conduzido entre Janeiro e Março últimos, inquiriu 26 mil profissionais no que respeita às suas pesquisas de trabalho, com o objectivo de apurar o que privilegiam quando o fazem. Adicionalmente, este universo de respondentes incluiu igualmente sete mil pessoas que mudaram recentemente de emprego, e que responderam especificamente à questão “porquê?”. O resultado? Mais de dois terços (66%) dos respondentes declararam que, antes de tudo o mais (função, horário, salário, benefícios, etc.), o que procuram conhecer em primeiríssimo lugar diz respeito à cultura e aos valores da(s) empresa(s) para as quais estão a considerar candidatarem-se.
Serve esta nota introdutória para contrariar a ideia de que as questões da ética e da responsabilidade social corporativa servem apenas para as empresas “fazerem as pazes” com a sociedade ou com o ambiente, ou para figurarem em rankings promovidos por entidades mais ou menos reconhecidas, pese embora algumas o sejam realmente, ou ainda para aumentarem a sua reputação. Sim, é verdade que, em muitos casos, e dada a fartura de informação existente sobre as “empresas boazinhas”, as questões éticas são desacreditadas ou pouco “seriamente” consideradas, principalmente quando, mais vezes do que seria desejável, são exactamente as organizações que mais alto pregam sobre a sua ética aquelas que acabam por ser apanhadas em “flagrante delito”.
[pull_quote_left]Integridade, coragem, respeito e transparência constituem a “linguagem universal” do Grupo L’Oréal, servindo como “orientação quando temos de tomar decisões discricionárias e porque respeitar a lei nem sempre é suficiente”[/pull_quote_left]
Adicionalmente, e tal como o mundo está em constante mutação, o mesmo acontece com o ambiente de negócios, sendo que não basta a publicação de um palavroso código de ética ou de uma missão, com a enumeração de pomposos valores, mas sem utilidade ou implementação prática. Pelo contrário, tal como as empresas não podem deixar de inovar no que respeita às suas estratégias, o mesmo acontece com os seus programas e/ou políticas directamente relacionados com a promoção da ética e a implementação dos valores que a integram.
E talvez seja por isso, mas não só, que a multinacional francesa L’Oréal foi, mais uma vez, reconhecida como uma das empresas mais éticas do mundo e, desta feita, por uma entidade com um historial sério no que à avaliação dos padrões de ética das práticas negociais diz respeito. Estamos a falar do Ethisphere Institute, o qual comemora, em 2016, o seu 10º aniversário e que considerou, pela 7ª vez, este gigante da cosmética como um exemplo a nível mundial no que respeita à ética, mas não só. Na verdade, o seu exclusivo “Quociente de Ética” proprietário, composto por 180 questões, as quais fazem parte de um extenso processo que avalia as empresas em diversas categorias, de que são exemplo os programas de compliance e de ética, e a cultura aos mesmos subjacente, a cidadania e responsabilidade corporativas, mas também as áreas relacionadas com a governança, liderança, inovação e reputação, fazem deste ranking um dos mais completos no que respeita a empresas que realmente pretendem diferenciar-se no ambiente de negócios da actualidade. E, obviamente que não basta responder a todas estas questões, mas fornecer dados robustos que possam comprovar a performance das empresas “concorrentes”.
O facto de ter sido mais uma vez distinguida com este galardão conferiu à líder global da cosmética uma mais-valia adicional para promover uma conferência sobre a importância crescente da ética nos (e para os) negócios, e foi isso que, em parceria com a Nova Information Management School, da Universidade Nova de Lisboa, a L’Oréal Portugal fez no passado dia 14 de Junho.
[pull_quote_left]A ética é, antes de mais, uma questão de envolvimento e compromisso e não de obediência[/pull_quote_left]Entre os vários temas discutidos – nomeadamente os novos desafios, também eles éticos, com origem na revolução digital e que passam por delicadas questões como a privacidade dos dados dos consumidores, a segurança cibernética, o big data e a emergência da inteligência artificial – a sessão de encerramento esteve ainda a cargo de Mário Parra da Silva, fundador e presidente da Associação Portuguesa de Ética Empresarial e representante do Global Compact Network no nosso país, na medida em que a L’Oréal Portugal irá, até ao final do ano, aderir também aos princípios de cidadania empresarial que caracterizam esta entidade das Nações Unidas.
Todavia, foi a Emmanuel Lulin, vice-presidente sénior e Chief Ethics Officer do Grupo L’Oréal que coube as honras de apresentar os principais motivos que levaram o Ethisphere Institute a colocar, mais uma vez, a multinacional francesa na lista das empresas mais éticas do mundo. E, apesar de a história da empresa centenária há muito ser considerada como um bom exemplo de boas práticas empresariais, o trabalho do seu Director de Ética tem vindo a reforçar a sua aposta nesta área e, sobretudo, em práticas inovadoras no interior da mesma. E foi sobre este trabalho contínuo que o VER conversou com aquele que, desde 2007, dirige os sinuosos e nem sempre fáceis caminhos da ética na multinacional francesa.
Fazer da ética uma linguagem universal
Corria o ano de 2000 quando a L’Oréal publicou o seu Código de Ética nos Negócios, algo que, na altura, consistia ainda um caso raro no panorama empresarial. O mesmo aconteceu com a sua adesão, logo em 2003, ao Global Compact das Nações Unidas, iniciativa fundada na passagem do milénio e que coincidiu com a “moda” ou “febre” da responsabilidade corporativa, a qual estava ainda a dar os primeiros passos. No caso concreto da L’Oréal e no ano seguinte, a multinacional francesa publicaria também o seu primeiro Relatório de Desenvolvimento Sustentável, iniciando, no mesmo ano, um programa de auditoria social à sua cadeia de fornecedores. Em 2005, a empresa implementaria também uma inovação, a qual se transformaria depois em tradição: um sistema de reporte anual e por país (a empresa está presente em cerca de 130 países) do seu “estado de ética”, o qual iria contribuir para que, em 2007, fosse considerada, pela primeira vez, como uma das empresas mais éticas do mundo pelo já referido Ethisphere Institute, o qual tinha iniciado também os seus sistema de avaliação apenas um ano antes.
[pull_quote_left]Demonstrar coragem significa assumir e/ou enfrentar decisões difíceis, escutar activamente pessoas que nos podem desafiar e construir uma cultura de abertura na qual todos os colaboradores sejam livres de colocar as suas próprias questões, ideias e preocupações[/pull_quote_left]Na história da empresa, o ano de 2007 ficaria igualmente marcado pela criação de um departamento exclusivamente dedicado às questões da ética e da responsabilidade corporativa, o qual viria a ser dirigido por Emmanuel Lulin, responsável desde 1999 e até então pelos Recursos Humanos de todo o Grupo e que daria corpo a uma renovada edição do Código de Ética Empresarial.
Como explicou ao VER, o vasto Programa de Ética do Grupo L’Oréal assenta em quatro princípios fundamentais – Integridade, Respeito, Coragem e Transparência – os quais são por ele definidos da seguinte forma: “integridade, porque agir de forma íntegra é vital para a construção e manutenção da confiança e dos bons relacionamentos; respeito, porque o que fazemos tem um impacto na vida de muita gente, sejam os nossos consumidores, os nossos colegas, os nossos parceiros de negócio e a comunidade no seu todo; coragem porque fazer aquilo que é certo nem sempre é fácil, apesar de ser o único caminho possível e transparência, porque temos de ser sempre confiáveis e capazes de justificar as nossas acções e decisões”.
Para o Chief Ethics Officer, estes quatro princípios constituem, também, “uma linguagem universal”, a qual serve como “orientação quando temos de tomar decisões discricionárias e porque respeitar a lei nem sempre é suficiente”, declara. Com quase 79 mil colaboradores espalhados pelos quatro cantos do planeta, esta linguagem universal, serve, de acordo com a visão de Lulin, “para ajudar os nossos empregados, espalhados por todo o mundo, a integrar estes quatro princípios nos seus processos de tomada de decisão”, sublinhando ainda que a ética é, antes de mais, “uma questão de envolvimento e compromisso e não de obediência”.
Na medida em que a “coragem” não faz parte, habitualmente, dos princípios que as empresas gostam de assumir como pertencentes às suas políticas de ética ou mesmo enquanto “valor” a seguir, o VER perguntou a Lulin se, nos tempos que correm, as empresas têm de ser corajosas para fazerem aquilo que está correcto. Afirmando que o cumprimento da lei e as políticas e procedimentos internos são importantes, mas, em muitos casos, podem não ser suficientes, o responsável sublinha também que “a ética vai bem mais além da lei” na medida em “que não é porque nos é permitido fazer alguma coisa que o fazemos, se isso não estiver em linha com os nossos princípios éticos”. No que à opção sobre o princípio da coragem como um dos quatro fundamentais diz respeito, Lulin afirma que o mesmo foi “eleito”, pois “temos consciência de que fazer o que é certo nem sempre é fácil, porque por vezes significa desafiar o status quo, as nossas próprias acções e lutarmos pelas nossas ideias, mesmo que não sejamos ouvidos à primeira”.
[pull_quote_left]A nossa política é simples: tolerância zero para a corrupção, para qualquer tipo de assédio ou bullying no local de trabalho[/pull_quote_left]O Chief Ethics Officer acrescenta ainda que, na prática, demonstrar coragem significa “assumir e/ou enfrentar decisões difíceis, escutar activamente pessoas que nos podem desafiar e construir uma cultura de abertura na qual todos os colaboradores sejam livres de colocar as suas próprias questões, ideias e preocupações”, motivo pelo qual o Grupo L’Oréal tem “uma política de ‘Conversa Aberta’, a qual serve para encorajar os empregados a trabalharem em conjunto mediante uma forma respeitosa e livre”. Para Lulin, aqui reside também “ a inovação como chave”, pois “a verdade é que as questões éticas raramente são fáceis, mas têm de ser abordadas”.
Inovador foi, em 2009, o lançamento do denominado “Dia da Ética”, ao longo do qual empregados de todas as partes do mundo puderam, através de um webchat “global”, falar com o CEO do Grupo, Jean-Paul Agon, sendo que no mesmo ano se assinalou também o desenvolvimento de uma, também ela inovadora, “rede de correspondentes de Ética”, composta por colaboradores que têm a função adicional de ajudar os country managers a implementar, da melhor forma possível, este código “universal” em todo o Grupo. Um ano antes, em 2008, o website interno da empresa tinha já implementado um “sistema de whistleblowing seguro”, cumprindo a ideia de “Conversa Aberta” referida por Lulin e conferindo a oportunidade, nem sempre fácil, de os empregados denunciarem, sem prejuízo próprio, situações que considerem “incumpridoras” dos princípios adoptados pela empresa.
Tanto o “Dia da Ética”, como o denominado “L’ORÉAL Ethics Open Talk” e a “rede de correspondentes” continuam, até hoje, de “vento em popa”. Por exemplo, em 2010, ano em que a empresa voltaria a ser distinguida pelo Ethisphere, a percentagem de empregados “cobertos” por um “contacto local de ética” ascendia aos 93% e o website dedicado à Open Talk ficaria disponível em mais cinco línguas, nomeadamente árabe, grego, hebraico, hindi e indonésio. No ano seguinte, a rede de correspondentes chegava já a 40 países e todos estes responsáveis receberiam uma formação específica, com a duração de dois dias, sobre o “essencial da missão” que tinham abraçado.
“Os princípios de ética da L’ORÉAL são os mesmos, independentemente do país em que operamos”
Em 2012, a L’ORÉAL receberia, pela 4ª vez, o título de uma das empresas mais éticas do mundo, repetindo consecutivamente a faceta até 2016. Para isso tem contribuindo a continuidade da sua aposta nas iniciativas já aqui enumeradas, mas também e todos os anos, não só a renovação dos compromissos éticos que tem vindo a assumir com os seus diferentes stakeholders, mas também a contínua aposta na inovação enquanto chave para o seu sucesso, como referiu o seu responsável.
[pull_quote_left]A empresa lançou, em 2014, a 3ª edição do seu Código de Ética, o qual, para além do inglês e do francês, se encontra agora disponível em 45 línguas e também em Braille. Para reforçar a homogeneização do seu programa, foi lançado, no mesmo ano, uma iniciativa de “e-learning de ética” em 22 línguas[/pull_quote_left]
A título de exemplo, todos os anos a empresa dedica-se à publicação de “guias práticos”, com temáticas e públicos distintos: desde “A importância da ética para os líderes de amanhã”, passando por “A forma como compramos” – dedicado à sua gigantesca cadeia de fornecedores e sem esquecer “A forma como prevenimos a corrupção”, é exactamente devido a este constante inovar que a multinacional francesa vai somando pontos e sendo reconhecida através de diversos prémios ou, como aconteceu em 2013, ter sido seleccionada para constar do Índice Bolsista 100 do Global Compact, o qual distingue as empresas que melhor “casam” a sua performance financeira com as questões ambientais, sociais e de governance (os denominados critérios ESG, na sigla em inglês).
Questionado sobre os desafios éticos mais profundos que se colocam a uma multinacional, no presente e no futuro próximo, Emmanuel Lulin assume que, numa organização global, a implementação de práticas de negócio éticas é, realmente, uma tarefa complexa, em especial “nos países e economias emergentes, e no que respeita a questões de direitos humanos, práticas de negócio e corrupção, na medida em que cada país tem os seus próprios desafios éticos, para além do facto de “a ética corporativa ainda não ser ‘familiar” para muitas empresas em algumas partes do mundo”, apesar dos vários esforços que têm vindo a ser feitos neste sentido e nas últimas décadas.
Todavia, o Chief Ethics Officer faz questão de sublinhar que “os princípios de ética da L’ORÉAL são os mesmos, independentemente do país em que operamos”. Também por isso, a empresa lançou, em 2014, a 3ª edição do seu Código de Ética, o qual, para além do inglês e do francês, se encontra agora disponível em 45 línguas e também em Braille. Para reforçar a homogeneização do seu programa, foi lançado, no mesmo ano, uma iniciativa de “e-learning de ética” em 22 línguas.
“Não existe contradição alguma entre ‘grandes negócios e ética’, pelo contrário”
Como acrescenta o responsável, também ele laureado, em 2015, com o Prémio Carol R. Marshall de Inovação no Campo da Ética, “a nossa política é simples: tolerância zero para a corrupção, para qualquer tipo de assédio ou bullying no local de trabalho”. Todavia, reconhece também que para além destes princípios “simples”, existem outros desafios actuais e de extrema importância para as organizações, para além “do desenvolvimento de uma cultura de diálogo e de se assegurar que a cadeia de fornecimento assegure os princípios éticos da empresa”, questões que não são propriamente novas, mas que, em muitos casos, continuam muito aquém dos resultados desejados.
[pull_quote_left]À medida que o big data se torna crescentemente influente na vida quotidiana, as empresas precisam também de considerar que forma é que o vão alinhar com os seus valores e comportamentos corporativos[/pull_quote_left]Constituindo um dos temas focados na conferência que trouxe o director de ética a Lisboa – a era digital e as oportunidades novas e fantásticas como o comércio electrónico, as relações mais estreitas entre as marcas e os consumidores, a personalização, entre outras – “também é verdade que a mesma trouxe novas e numerosas questões relacionadas com a ética, em particular, com a recolha e utilização do big data. Enumerando a privacidade, o consentimento livre e informado, a confidencialidade, a transparência, a integridade, entre outras, Lulin alerta para o facto de que “à medida que o big data se torna crescentemente influente na vida quotidiana, as empresas precisam também de considerar que forma é que o vão alinhar com os seus valores e comportamentos corporativos”.
A complexidade em avaliar o impacto de um programa ou de um conjunto de políticas éticas foi também tema da conversa entre Emmanuel Lulin e o VER, na medida em que os mesmos são transversais à própria “acção” da empresa. Mas o Chief Ethics Officer do Grupo L’ORÉAL acredita que “algumas organizações estão actualmente a tentar demonstrar que uma empresa com a cultura certa, especialmente se a mesma assentar na integridade, é substancialmente mais valiosa do que uma empresa com uma cultura de fraca integridade”.
[pull_quote_left]No século XXI, apenas as empresas que tiverem integrado a ética na sua cultura, na sua estratégia e nas suas práticas quotidianas, é que serão sustentáveis[/pull_quote_left]No que a esta temática diz respeito, afirma Lulin: “é interessante sublinhar que o Global Compact das Nações Unidas lançou o índice bolsista das 100 empresas mais comprometidas com os seus 10 princípios, o qual demonstrou um retorno do investimento total de 26.4 por cento ao longo do ano passado, ultrapassando o mercado accionista global geral”. E, acrescenta, “ o que significa que o business case de se agir eticamente é forte, mesmo que seja difícil de avaliar: um programa de ética robusto, em conjunto com uma cultura genuína de integridade, não só é uma garantia para os mercados, na medida em que protege a reputação e os activos da empresa, diminui os riscos e permite uma melhor governança e gestão do negócio, como, por outro lado, consiste igualmente num elemento de diferenciação ao conferir significado, gerar confiança, criar envolvimento por parte dos empregados e atrair e reter talentos. Ou seja, não existe contradição alguma entre ‘grandes negócios’ e ‘ética’, pelo contrário. E algumas empresas irão compreender este business case e colocarão em prática um programa voluntário e proactivo nesta matéria”, remata.
Especificamente no que diz respeito à missão estabelecida pela L’ORÉAL – a “de oferecer a todos as mulheres e homens, em todo o mundo, o melhor da inovação cosmética em termos de qualidade, eficácia e segurança, sendo nossa ambição ganharmos mais mil milhões de consumidores” –Emmanuel Lulin está igualmente convicto de que, no século XXI , “apenas as empresas que tiverem integrado a ética na sua cultura, na sua estratégia e nas suas práticas quotidianas, é que serão sustentáveis”. E, “ constituindo a nossa ambição virmos a ser uma das empresas mais exemplares do mundo, esse é o racional do nosso programa de ética”, finaliza.
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