POR GABRIELA COSTA
“Sem excepção, todas as empresas de todos os sectores dependem e impactam directa e indirectamente a natureza” – WBCSD
Reconhecendo a preocupação crescente do meio empresarial com as questões ambientais – o qual vem assumindo que o seu desempenho depende frequentemente da qualidade do ambiente natural e, consequentemente, reforçando a sua responsabilidade em reduzir impactos a este nível -, o Protocolo do Capital Natural é uma iniciativa que disponibiliza às empresas um conjunto de instrumentos com vista a melhorar a sua sustentabilidade económica e ambiental.
Este Protocolo de âmbito internacional, que será lançado oficialmente em Londres a 13 de Julho, no âmbito da plataforma Natural Capital Coalition, tem por objectivo permitir-lhes iniciar um processo de contabilidade do capital natural, através de ferramentas “padrão mas flexíveis”.
De resto, as empresas mais inovadoras e visionárias apostam estrategicamente na restrição da utilização de capital natural nos seus processos produtivos, não só através da reutilização de materiais como da melhoria da eficiência dos processos produtivos, entre outras medidas que partem da constatação que “a sustentabilidade económica é indissociável da sustentabilidade ambiental”.
Tais medidas devem ser avaliadas através de um reporte do capital natural, ferramenta de gestão empresarial que contribui para aumentar o desempenho económico das empresas através do incremento do desempenho ambiental das suas atividades, ao permitir “uma redução de custos significativa e, muitas vezes, um aumento de receitas”, bem como elevar “o poder de antecipação face a eventuais riscos operacionais e legislativos”, e até “melhorar significativamente a imagem corporativa” das empresas, como defendem o BCSD Portugal – Conselho Empresarial para o Desenvolvimento Sustentável e a Fundação Calouste Gulbenkian, promotores de uma sessão de informação sobre o Protocolo do Capital Natural, realizada no passado dia 22 de Junho nas instalações desta última.
[pull_quote_left]Ainda poucas empresas avaliam os seus impactos e dependências face ao capital natural[/pull_quote_left]
Na sessão, que reuniu a secretária geral do BCSD Portugal, Sofia Santos, e a coordenadora de projectos do BCSD Portugal, Mafalda Evangelista, com a directora da Iniciativa Oceanos da Fundação Calouste Gulbenkian, Francisca Moura, e Filipa Saldanha, responsável de comunicação, formação e contabilidade do capital natural deste programa (que abordaram o projeto “Capital Natural Azul e uma gestão empresarial sustentável” – ver Caixa), estiveram em destaque as iniciativas em curso e os objetivos da Fundação Calouste Gulbenkian e do BCSD Portugal no âmbito do capital natural.
O evento incluiu ainda a apresentação de dois casos de estudo de sucesso – Avaliação económica dos serviços de ecossistema da bacia hidrográfica da Cascata da Serra da Estrela (a cargo de Sara Goulartt, da EDP – Energias de Portugal) e o projecto da The Navigator Company (a cargo da sua responsável de Certificação e Conservação, Paula Guimarães).
Na sessão deu-se também a conhecer o programa de formação dirigido ao sector empresarial sobre o Protocolo do Capital Natural, que será ministrado pelas duas entidades em Setembro e Outubro, com o objectivo de acelerar o processo de adopção da contabilidade do capital natural em Portugal.
Uma ferramenta standard aplicável internacionalmente
“Sem excepção, todas as empresas de todos os sectores dependem e impactam directa e indirectamente a natureza, mas na verdade não são ainda muitas as que medem os seus impactos e as suas dependências no capital natural”. Para apoiar as empresas neste exercício de medição do capital natural, foi criado em 2012 a Natural Capital Coalition, uma plataforma global que reúne as diferentes iniciativas e organizações dedicadas a esta matéria, e da qual o World Business Council for Sustainable Development (WBCSD) é membro fundador.
Com o desafio de harmonizar as diferentes formas de avaliação e medição destes impactos e dependências, o Natural Capital Protocol é a “face mais visível desta plataforma”. Como divulga o BCSD Portugal, “a intenção não é inventar novos métodos, mas aproveitar e melhorar os que já existem, para depois serem implementados projectos-piloto em diferentes sectores e geografias”. Equacionados estão já pilotos para a agricultura, vestuário, retalho e alimentação e bebidas, adianta.
Na sequência do lançamento do projecto, deverá ser criada já no próximo mês uma ferramenta standard, a qual irá integrar directrizes para a avaliação qualitativa, quantitativa e monetária do capital natural; diferentes níveis organizacionais da cadeia de valor (por exemplo, corporativo, produto ou produção); e ainda diferentes aplicações (como a comparação de opções, investimentos ou custos eficientes, a avaliação total, o impacto líquido, a geração de receitas ou o reporting), com utilização em todos os sectores e em todas as geografias.
Como explica ao VER Sofia Santos, este conjunto de medidas, disponibilizadas por esta “ferramenta aplicável internacionalmente” para melhorar a sustentabilidade económica e ambiental das organizações, traduz-se no fornecimento de “um método que possa ser utilizado por todas as empresas, de vários sectores e dimensões, e que lhes permita identificar e quantificar os impactos e dependências que têm relativamente ao capital natural”.
[pull_quote_left]Seguindo os passos do Protocolo do Capital Natural as empresas poderão construir uma contabilidade “Environmental profit & loss account”[/pull_quote_left]
O Protocolo do Capital Natural constitui, assim, “um guia para as empresas medirem de forma quantitativa (incluindo monetária) e qualitativa os impactos que geram no capital natural e as dependências que têm desse mesmo capital natural”. Com relevância acrescida na medida em que, apesar de muitas empresas terem por base, na sua actividade, os recursos naturais, não é de facto comum que “quantifiquem os impactos que têm na disponibilidade desses recursos no futuro”, de modo a “compreenderem bem a sua dependência de alguns recursos naturais estratégicos”, como defende Sofia Santos.
Adiantando que alguns sectores cuja matéria prima é a madeira, por exemplo, “estão mais alertados para estas necessidades”, a secretária geral do BCSD Portugal deixa, no entanto, o alerta: “se pensarmos que praticamente tudo o que consumimos tem por base a transformação de recursos naturais, então rapidamente compreendemos que os impactos e as dependências de muitas empresas são significativas ao nível do capital natural”.
Uma “estrutura normalizada para medir e valorizar os impactos e dependências, directos e indirectos das empresas sobre o capital natural”, como o Protocolo do Capital Natural, representa, pois, “um exemplo de uma ferramenta de gestão empresarial dedicada à área do capital natural”. Mas existem outras metodologias, esclarece a responsável: o Greenhouse Gas (GHG) Protocol, que “ajuda as empresas a quantificarem as suas emissões de CO2”; o protocolo do capital social, “que ajuda as empresas a mensurarem o seu impacto social ao nível das competências, conhecimento e segurança; ou o chamado Sustainable Balance Scorecard, “outra boa ferramenta de gestão que sistematiza os vários objectivos de sustentabilidade numa abordagem global de negócio”.
Adopção da contabilidade do capital natural será voluntária
Relativamente ao modo como este Protocolo irá permitir às empresas iniciarem um processo de contabilidade do capital natural, Sofia Santos explica que a iniciativa – que pode ser aplicada à cadeia de produção de um bem, como por exemplo um sapato – identifica dez passos para a medição dos referidos impactos e dependências. Seguindo estes passos, as empresas poderão conseguir construir de forma gradual uma contabilidade “Environmental profit & loss account”, onde os activos e passivos ambientais são contabilizados.
Atendendo a que a estratégia europeia para a biodiversidade afirma que até 2020 as empresas e autarquias deverão ter incluído na sua contabilidade a valoração económica dos serviços dos ecossistemas, “esta metodologia pode ajudar em muito quer as empresas quer outras organizações a tornarem estes temas tangíveis, através de passos concretos e sistemáticos”, conclui a secretária geral do BCSD Portugal. E esta é a grande mais-valia que o Protocolo do Capital Natural `proporciona à gestão empresarial: “conseguindo compreender os seus impactos e dependências do capital natural, uma empresa consegue tomar decisões estratégicas com mais informação, contribuindo assim para a minimização do risco futuro associado à cadeia de abastecimento, e para incorporar o real custo dos bens na formação do preço final”.
[pull_quote_left]Existe uma necessidade de todos trabalharmos a forma como actualmente medimos ‘o valor das coisas’[/pull_quote_left]
Com vista a acelerar a adopção do processo de contabilidade do capital natural em Portugal, a Fundação Gulbenkian vai promover, em parceria com o BCSD, um programa de formação dirigido ao sector empresarial sobre este projecto. Trata-se de dois dias de formação com a equipa da Natural Capital Coalition, a realizar nos dias 27 de Setembro e 26 de Outubro. Esta será “uma óptima oportunidade para as empresas compreenderem como aplicar o Protocolo”. No entanto, e como se trata de “um processo complexo que requer também alguma mudança da cultura das empresas”, a sua adopção “é, para já, voluntária”, adianta ao VER Sofia Santos.
No que diz respeito à relevância que o capital natural assume para o desenvolvimento sustentável das empresas, a abordagem do BCSD Portugal está alinhada com a do WBCSD: “acreditamos que existe uma necessidade de todos trabalharmos a forma como actualmente medimos ‘o valor das coisas’. Nesse sentido, precisamos de compreender o custo real dos bens, para que consigamos apresentar preços reais dos produtos e serviços”, insiste Sofia Santos.
Na sua perspectiva, “actualmente existem bens cujo preço de mercado não reflecte de facto os custos associados aos recursos naturais que são utilizados na sua produção”. Ora, se tivermos em conta “o crescimento brutal de população que o planeta vai ter até 2050”, rapidamente compreendemos “que os modelos de negócio e os mercados terão de se adaptar à existência efectiva de recursos naturais”. Por isso, e para o BCSD, “trabalhar o tema do capital natural constitui uma prioridade na nossa agenda”.
Até porque, como conclui, trabalhar o capital natural, “é trabalhar também os temas da bioeconomia e da economia verde”. Os quais constituem “factores endógenos competitivos que temos em abundância em Portugal e que necessitam de ser valorizados em prol de um desenvolvimento económico inovador e equilibrado”.
Por uma economia que valorize o capital natural azul
A Iniciativa Oceanos, programa da Fundação Calouste Gulbenkian que visa a protecção, conservação e boa gestão dos oceanos, apoiando a valoração económica dos serviços prestados pelos ecossistemas marinhos, iniciou em Janeiro de 2016 uma nova fase do projecto “Capital Natural Azul e uma gestão empresarial sustentável” que, desde Março de 2015, promove a adopção da contabilidade do capital natural azul pelas empresas da Economia do Mar em Portugal, acrescentando valor ao tecido empresarial e assegurando a sustentabilidade ambiental e económica das suas atividades.
Depois de terminada uma fase de consciencialização sobre a importância de reconhecer o valor económico do capital natural, a Iniciativa Oceanos está agora a trabalhar no projecto “Rumo à Contabilidade do Capital Natural Azul”, cujo objectivo é apoiar as empresas a avaliar quais são as oportunidades, riscos e o valor associados às interdependências entre os activos naturais e as suas atividades económicas, bem como a implementar iniciativas e políticas de gestão sustentável com vista a minimizar esses riscos e maximizar oportunidades de negócio. Com o intuito de acrescentar valor às empresas portuguesas da Economia do Mar, esta plataforma informativa facilita e acelera a adopção da contabilidade do capital natural azul por este sector.
Para tanto, a Gulbenkian tornou-se membro da Natural Capital Coalition, trabalhando sobre o capital natural lado a lado com diferentes organizações internacionais que se dedicam a esta temática, nomeadamente no que concerne o desenvolvimento do Natural Capital Protocol, ferramenta-padrão de gestão que apoia empresas de diferentes sectores a contabilizar e valorizar as interdependências entre a atividade empresarial e o capital natural ao longo de toda a sua cadeia de valor.
[su_youtube url=”https://www.youtube.com/watch?v=8J-GIjbNl4M&feature=youtu.be”]A Iniciativa Oceanos espera alavancar os resultados do seu projecto através da adopção deste Protocolo por diferentes empresas da Economia do Mar, como é o caso de empresas de quatro clusters: Alimentação (aquacultura e grandes retalhistas); Energias renováveis; Biotecnologia marinha; e Recreio e Desporto Náutico.
Com a missão de aumentar o conhecimento público e político dos serviços dos ecossistemas marinhos como activos estratégicos para o desenvolvimento económico sustentável e para o bem-estar humano, a Iniciativa Gulbenkian Oceanos, programa iniciado em 2013 e com a duração de cinco anos, promove actividades em três domínios – investigação científica, percepção pública e promoção de novas políticas. Na conclusão do projecto, em 2017, será publicado um relatório com os casos de estudo das empresas portuguesas que adoptaram, com sucesso, uma estratégia de gestão sustentável do capital natural azul.
Jornalista