POR HELENA OLIVEIRA
Frederick Herzberg demonstrou, nos anos 60 do século passado, que os factores que conferem sentido e satisfação no trabalho que realizamos não são os mesmos que conduzem, quando ausentes, à nossa desmotivação. Este conceito – desenvolvido pelo psicólogo norte-americano e autor do livro “One More Time, How Do You Motivate Employees” e que conferiu um importante contributo para a gestão no que respeita à motivação e ao sentimento de realização que podemos alcançar enquanto trabalhamos – foi novamente “ressuscitado”, numa recente pesquisa elaborada por Catherine Bailey, da Universidade do Sussex, e por Adrian Madden, da Universidade de Greenwish e cujos principais resultados foram publicados na Sloan Management Review, do MIT. Intitulado “What Makes Work Meaningful – Or Meaningless”, o estudo incidiu particularmente sobre uma questão que todos nós gostaríamos de ver respondida: quais os principais factores que criam – ou destroem – o sentimento de propósito no local de trabalho.
Numa altura em que todos somos “obrigados” a voltar às rotinas profissionais, o que e por muito workaholic que se seja, não é fácil para ninguém, o VER apresenta os principais resultados desta pesquisa, a qual acaba por deitar por terra algumas das verdades que há muito damos por adquiridas. Com base em entrevistas feitas a 135 pessoas de 10 áreas profissionais diferentes, e apesar de a amostra não ser assim tão representativa, os autores mergulharam também a fundo na vasta literatura que envolve a temática do “trabalho com sentido”, em âmbitos distintos como a psicologia, a gestão, a sociologia e a ética, tendo sido surpreendidos pelos resultados a que chegaram, os quais se distanciam sobremaneira do que consideravam como expectável.
[pull_quote_left]Um mau líder é o principal destruidor de propósito sentido pelos trabalhadores, independentemente de quão forte este seja[/pull_quote_left]
A título de exemplo, Bailey e Madden esperavam que os seus entrevistados falassem de como são inspirados por trabalharem sob a supervisão de líderes visionários, sobre os quais se escrevem tantos livros e artigos, pois o seu carisma é tão irresistível que é impossível não os “seguir” alegremente, mas a verdade é que nenhum dos inquiridos mencionou esse “pequeno detalhe”, deitando por terra a ideia de que os denominados líderes “transformacionais” têm nos seus empregados fiéis seguidores e contribuem em muito para conferir sentido ao trabalho que estes fazem. Mas e em contrapartida, um mau líder é o principal destruidor de propósito sentido pelos trabalhadores, independentemente de quão forte este seja. Um outro dado, considerado igualmente surpreendente pelos autores deste paper, está relacionado com o facto de o propósito no trabalho não estar directamente associado à satisfação sentida pelos trabalhadores no que respeita ao seu ambiente laboral ou ao compromisso ou empenho que estes têm face às tarefas que desempenham. Ou seja, o sentimento de propósito que uma pessoa encontra no seu trabalho é algo profundamente pessoal e independente da função que realiza ou das regalias que a mesmo encerra (ou não).
Os autores confessaram também que esperavam que o sentimento de propósito fosse um estado relativamente duradouro para aqueles que afirmam adorar o que fazem. Todavia, e de acordo com os entrevistados, este “apenas” acontece – em doses elevadas – em momentos inesperados e não planeados.
Recordando que apesar de a procura do sentido na vida ser um tema clássico e mais do que explorado, os dois investigadores afirmam que, de forma surpreendente, existe pouca pesquisa sobre onde e como as pessoas o encontram no trabalho e qual o papel que os líderes podem ter ao longo deste processo de busca. E, apesar da pouca importância conferida aos mesmos por parte dos inquiridos, Catherine Bailey e Adrian Madden identificaram um conjunto de “qualidades”inerentes a um trabalho com significado, bem como formas que os líderes têm para as “fortalecer”.
Se é sabido que associamos sentimentos de orgulho e de auto-realização ao sentido que conferimos ao nosso trabalho, em conjunto com o desenvolvimento do nosso potencial ou criatividade, o mesmo acontece com o reconhecimento e elogios que possamos receber por parte dos nossos superiores e/ou colegas. Mas e mais uma vez, não são estes os principais ingredientes que contribuem para que sintamos paixão pelo que fazemos. Bailey e Madden elegeram, assim, cinco características, consideradas como “inesperadas”, que conferem o tão desejado sentido no trabalho que realizamos, ao mesmo tempo que identificam algumas pistas que podem explicar a natureza frágil e intangível do mesmo.
Não existe motivação contínua e o propósito extravasa as paredes laborais
Já Abraham Maslow o referia quando edificou a sua pirâmide das necessidades. O teórico da motivação colocou a “transcendência” – ou a capacidade de se atingir o nosso mais pleno potencial – no “pico” da famosa pirâmide, algo que no estudo levado a cabo por Bailey e Madden se traduz na tendência de sentirmos o nosso trabalho como significativo quando o mesmo diz mais respeito aos outros do que a nós mesmos. Ou, como explicam no artigo publicado pela Sloan, “as pessoas não se limitam a falar sobre si mesmas quando se referem ao significado do seu trabalho, mas também e principalmente sobre o seu impacto ou relevância para outros individuos, grupos ou para um determinado contexto alargado. Do trabalhador camarário que recolhe o lixo e pensa no bem que a reciclagem faz ao ambiente e ao futuro da sua descendência, ao professor académico que se emociona com a cerimónia de entrega de diplomas aos seus alunos e sem esquecer a experiência inspiradora sentida por um padre depois de ter unido toda uma comunidade em torno de um projecto de restauração da igreja local, os casos apresentados pelos autores do estudo documentam bem a ideia de a nossa motivação aumentar em função do bem que fazemos pelos outros.
[pull_quote_left]O sentimento de propósito que uma pessoa encontra no seu trabalho é algo profundamente pessoal e independente da função que realiza ou das regalias que a mesmo encerra[/pull_quote_left]
Uma outra ideia “feita” – e intimamente associada à moda da psicologia positiva – é a de que os líderes se devem centrar em promover a felicidade no quotidiano dos seus trabalhadores, estimulando o seu envolvimento e entusiasmo. Citando a psicóloga Barbara Held, que ficou mundialmente conhecida devido ao peso – excessivo, a seu ver – que se coloca no movimento da psicologia positiva, criticando-o veementemente e apelidando-o de “tirano”, e tendo em conta que, tradicionalmente, sempre se associaram os atributos positivos à motivação no trabalho, os autores desta pesquisa concluíram que, pelo contrário, os momentos identificados pelos entrevistados como muito “inspiradores” e repletos de significado ocorrem, na maioria das vezes, em situações desconfortáveis e até dolorosas.
Um bom exemplo deste sentimento, mais “triste do que eufórico”, foi reportado por alguns profissionais de enfermagem, que afirmam sentir o verdadeiro significado do seu trabalho quando ajudam a minorar a dor em doentes terminais. Já no que respeita também aos advogados que participaram no estudo, o mesmo acontece quando, depois de trabalharem ao longo de períodos intensos e extensos, conseguem finalmente uma vitória em casos que podem ditar alterações significativas nas vidas dos seus clientes. Ou, em suma, a esmagadora maioria dos inquiridos associou os momentos de maior significado ao longo da sua vida profissional a triunfos obtidos depois de períodos difíceis, conturbados e complexos.
[pull_quote_left]A verdade é que parece não existir qualquer fórmula mágica que confira uma “felicidade contínua” no local de trabalho[/pull_quote_left]
Como foi já referido, a durabilidade do sentido ou da motivação no trabalho é muito mais episódica e pontual, do que sustentada. E a verdade é que parece não existir qualquer fórmula mágica que confira uma “felicidade contínua” no local de trabalho. Os autores dão o exemplo de uma académica que refere como “pico” da sua satisfação e motivação laboral o que sentiu depois de uma palestra bem-sucedida ou o de um actor que realizou o sonho da sua vida ao pisar pela primeira vez um palco. Como referem Bailey e Madden, sentimentos desta natureza e intensidade não são sustentáveis nem sequer durante um dia, quanto mais ao longo de períodos de tempo alargados. Acontecem apenas ocasionalmente, apesar de, e enquanto experiências memoráveis, terem um efeito profundo e intenso nos indivíduos e passarem a fazer parte integrante das suas histórias de vida.
Adicionalmente e quando questionados sobre que momentos plenos de significado poderiam elencar no seu contexto profissional, a esmagadora maioria dos entrevistados foi “obrigada a pensar”. Ou seja, esse sentimento não foi de imediato evocado existindo, ao invés, um período de esforço deliberado para os recordar. Só em retrospectiva e com uma boa dose de reflexão é que as pessoas conseguiram identificar ocasiões em que o seu trabalho foi “pleno”, estabelecendo de seguida ligações sobre os seus feitos e um sentimento mais alargado de “sentido da vida”. Ou, como sumarizam os autores, a experiência do propósito é, quase sempre, um acto retrospectivo e não uma resposta emocional espontânea, mesmo que as pessoas tenham consciência, na altura, de um conjunto de emoções muito positivas. Bailey e Madden sublinharam ainda que os entrevistados afirmaram ser a primeira vez que foram desafiados a pensar em questões de sentido e motivação profissionais, “comprovando” que o tal propósito de que tanto se fala não é um tema comum no quotidiano laboral.
Por último e também já anteriormente citado é o facto de alguns sentimentos que nutrimos especificamente relacionados com o trabalho, como a noção de envolvimento e cumprimento do mesmo, em conjunto com a própria satisfação, não passarem disso mesmo: de sentimentos que nutrimos especificamente relacionados com o trabalho. Ou, por outras palavras, um trabalho que desperte verdadeiro significado ou propósito é algo muito mais abrangente, não se limitando ao contexto laboral, mas antes a uma dimensão muito mais alargada e no contexto das experiências de vida pessoais.
Os autores destacam, igualmente e nesta questão em particular, o pouco ou nada que os líderes ou as organizações nas quais se trabalha interessam para o caso. Um músico, por exemplo, reportou como um dos momentos mais significativos e motivadores da sua carreira, o dia em que o seu pai assistiu pela primeira vez a uma sua performance e um empreendedor confessou que a grande motivação para criar a sua própria empresa surgiu do desejo de agradar e provocar orgulho no seu avô. Em suma, os momentos mais profundamente motivadores e de pleno significado em contexto laboral surgem quando as experiências profissionais unem o conceito de “trabalho bem feito” com o reconhecimento e a apreciação por parte dos outros.
Como se mata facilmente a motivação
Se, por um lado, e de acordo com as conclusões do trabalho de Bailey e Madde, o comportamento dos líderes pouco ou nada tem a ver com o mais profundo significado que retiramos do trabalho que realizamos, quando a ideia é identificar actos que contribuem para uma total ausência de motivação profissional, o tipo de liderança e de cultura organizacional contam, e muito.
Em particular, são sete os “pecados mortais” que os autores identificaram – no seguimento das entrevistas realizadas – como passíveis de “assassinar” a motivação.
O primeiro, e mais grave, está relacionado com a desconexão existente entre a empresa e os valores dos trabalhadores. Apesar de os entrevistados não terem falado significativamente da congruência de valores como promotora da sua motivação laboral, referiram várias vezes a incoerência existente entre os valores que defendem e aqueles praticados pelo empregador ou pela equipa em que estão integrados, sendo que foi esta a questão que mais apontada foi como responsável pelo mal-estar sentido no ambiente laboral. Por exemplo, os profissionais de enfermagem entrevistados confessaram o desespero que sentem quando os pacientes são enviados para casa meramente porque é necessário vagar camas e os advogados referiram o enfoque no lucro em detrimento da verdadeira ajuda aos seus clientes.
A ausência de reconhecimento por parte dos líderes organizacionais, em particular quando está em causa trabalho árduo, foi outro dos motivos elencados pelos profissionais entrevistados como meio caminho andado para a desmotivação. A ideia de que “os nossos trabalhadores não têm alternativas laborais e, por isso, não temos de nos preocupar com eles” consistiu ponto comum nas 10 profissões que fizeram parte do estudo, seja no que respeita à falta de reconhecimento, de palavras de incentivo e até de regras básicas da boa educação, como dizer “obrigada” ou “bom dia”.
[pull_quote_left]Os momentos identificados como muito “inspiradores” e repletos de significado ocorrem, na maioria das vezes, em situações desconfortáveis e até dolorosas[/pull_quote_left]
O terceiro pecado mortal está relacionado com a “inutilidade” do trabalho que é imposto a muitos de nós. Comprovado foi o facto de que todos os profissionais inquiridos têm uma forte noção das tarefas inerentes à sua função e de como deveriam ocupar a sua jornada laboral, ao mesmo tempo que se sentem facilmente desmotivados quando lhes é exigido que façam coisas que nada têm a ver com o cargo para o qual foram contratados. Enfermeiros, académicos, artistas ou clérigos, todos eles citaram tarefas burocráticas ou preenchimento de formulários que sabem não fazer parte do seu trabalho como profundamente desmotivadores, em conjunto com o “amarrar de pontas” deixadas soltas pelos seus superiores.
Os abusos e as injustiças são igualmente citados como factores que contribuem significativamente para a desmotivação laboral, sendo que os mesmos variam entre os que se queixam por verem negado um aumento de ordenado por parte do chefe, o qual alega que a empresa está em más condições financeiras, e saberem que o colega do lado o recebeu, passando por músicos e outros profissionais que, por trabalharem em regime de freelance, são “convidados” a fazê-lo de graça. Outras injustiças elencadas incluem situações de bullying e/ou assédio moral, bem como ausência de oportunidades de progressão na carreira.
Seja qual for a profissão, não são raras as vezes em que somos acometidos por sentimentos de impotência ou frustração face à forma como o trabalho é gerido, realizado ou distribuído. Os autores referem o exemplo de uma enfermeira a quem foi pedido, por um colega sénior, que cumprisse uma determinada tarefa com procedimentos incorrectos e de como a mesma se sentiu obrigada a acatar a ordem, mesmo sabendo que esta estava errada. Outro exemplo é o de advogados que afirmam serem forçados a optar por “atalhos” simplesmente para fecharem casos mais rapidamente, mesmo que os clientes saiam prejudicados. A verdade é que quando não somos ouvidos, quando sentimos que a nossa experiência ou opinião não contam para nada, ou que não temos direito a ter voz activa, facilmente caímos numa desmotivação difícil de gerir.
[pull_quote_left]A desconexão existente entre a empresa e os valores dos trabalhadores mata facilmente a motivação[/pull_quote_left]
Difíceis de gerir são também situações de isolamento ou marginalização, as quais podem ocorrer através de um ostracismo deliberado por parte dos gestores ou líderes, ou no interior de uma equipa com a qual não sentimos empatia nem qualquer tipo de ligação. De acordo com Bailey e Madden, muitos entrevistados referiram a importância da camaradagem e a qualidade das relações com colegas e superiores como factores extremamente importantes para a motivação e sentimento de propósito. E foram vários os empreendedores entrevistados que citaram uma profunda solidão na primeira fase de lançamento das suas startups e um aumento significativo de motivação à medida que o negócio se desenvolve e a contratação de colaboradores passa a ser possível.
Por último, a exposição a riscos de danos físicos ou emocionais – mais comuns em algum tipo de profissões, é certo – obviamente que contribuem também para se encarar o trabalho como um enorme fardo. Se em alguns destes casos, e naturalmente por escolha própria, os trabalhadores estão cientes dos riscos que correm, a exposição desnecessária aos mesmos também existe e pode ser altamente destrutiva. Os enfermeiros citaram, por exemplo, a enorme vulnerabilidade que sentem quando são deixados sozinhos com pacientes agressivos e alguns soldados descreveram como risco desnecessário a exposição a eventos climáticos extremos sem material adequado para os suportar.
Assim e concluindo, quando vários destes factores previamente elencados estão presentes na nossa vida laboral, temos toda a legitimidade para nos sentirmos completamente desmotivados. A alternativa? Procurar, mesmo que não seja fácil, uma… alternativa.
Editora Executiva
Parabéns pelo artigo, é bastante interessante e aborda questões que, actualmente, podemos ver/sentir na prática.
A grandeza do gestor que decide e comanda pelo exemplo serve para tornar os outros grandes, no que lhes é possível, não para os reduzir, lançar na frustração ou limitar as potencialidades da sua criatividade. Esta é, talvez, a mais difícil de todas as artes.
O “líder” que prospera psíquica, social e até biologicamente à custa dos outros mais não faz do que impedir o crescimento mental e a autonomia dos que são liderados.
Parabéns pelo seu artigo, de (preocupante) grande atualidade.
A grandeza do gestor que decide e comanda pelo exemplo serve para tornar os outros grandes, no que lhes é possível, não para os reduzir, lançar na frustração ou limitar as potencialidades da sua criatividade. Esta é, talvez, a mais difícil de todas as artes.
O “líder” que prospera psíquica, social e até biologicamente à custa dos outros mais não faz do que impedir o crescimento mental e a autonomia dos que são liderados.
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