POR HELENA OLIVEIRA
Desde filósofos da Antiguidade a pensadores da modernidade, a ideia de que a adversidade serve para nos tornar mais fortes, mais sábios ou mais resistentes é uma “máxima” que parece reunir consenso. O filósofo Horácio, também conhecido por ser um dos poetas mais famosos da Roma Antiga, afirmava que a mesma “desperta em nós capacidades que, em circunstâncias favoráveis, teriam ficado adormecidas”, Skakespeare escrevia que a mesma serve para “pôr à prova os espíritos” e o historiador e também filólogo francês Joseph Ernest Renan declarava que os “golpes da adversidade são terrivelmente amargos, mas nunca estéreis”. Mais recentemente, psicólogos e cientistas da área comportamental têm-lhe dedicado vários estudos, nomeadamente sobre a capacidade que temos – ou não – para lhe fazer frente e concluindo que essa mesma capacidade – traduzida também como resiliência ou resistência – pode ser inata, sim, mas também treinada, tal como um músculo pode ser exercitado.
Apesar de presente em contextos diversificados, seja para os que têm o azar de nascer já em ambientes adversos, seja para os que são confrontados com situações de pesar inesperado – a vida é, por inerência, adversa – desenvolver essa tão necessária resiliência não é tarefa fácil e, muito menos, linear. E nem toda a gente tem a sorte, a força ou o acompanhamento necessário para seguir em frente, quando a vida nos obriga a um sentido proibido ou a uma marcha atrás.
A história “adversa” de Sheryl Sandberg, a famosa Chief Operational Officer do Facebook, que saltou ainda mais para as luzes da ribalta com o best-seller Lean In: Women, Work and the Will to Lead (já traduzido em português), o qual se transformou num movimento mundial através de uma comunidade online que visa ajudar as mulheres a “atingir as suas ambições”, que é multimilionária, considerada como uma das mulheres mais poderosas de Silicon Valley, já eleita pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo, poderia ser a história de uma outra pessoa qualquer. Ou mais ou menos, face às suas particularidades.
Sandberg perdeu o marido, o CEO da Survey Monkey, Dave Goldberg, em circunstâncias inesperadas, há cerca de dois anos e, na próxima semana, será publicado o seu segundo livro, já esgotado, escrito em parceria com o famoso autor e psicólogo Adam Grant e cujo título Option B: Facing Adversity, Building Resilience and Finding Joy faz lembrar mais um, entre muitos, livros de auto-ajuda. E, não deixando de o ser – metade do mesmo resulta, pelo menos, do diário que Sandberg começou a escrever como resposta ao seu luto, sendo que a outra “metade”, da responsabilidade de Grant e com um corpo extenso de pesquisa sobre a resiliência, lhe confere um tom mais “científico” – tem um benefício adicional: o de ter dado origem, em simultâneo, a um novo movimento, com o mesmo nome – Option B -, um media hub e ponto de encorno online para qualquer pessoa que esteja a passar por um momento de adversidade, independentemente da sua natureza traumática.
Porque também é da natureza humana fazer juízos precipitados, fácil será argumentar que Sandberg alia a sua dor a uma boa jogada de marketing, e as acusações de hipocrisia, que já se faziam sentir na altura do lançamento de Lean In, são facilmente acessíveis numa pesquisa básica na internet. Afinal, uma mulher cheia de privilégios, que foi criticada por, na sua cruzada feminista (falsa, para muitos), ter abordado a questão da desigualdade de género no trabalho de uma forma pouco séria – esquecendo-se, por exemplo, de quão mais difícil o tema se torna para mães solteiras ou mulheres racialmente discriminadas – tem todas as oportunidades para garantir mais um best-seller e, fazendo parte do “pacote”, mais um movimento apadrinhado por gente “importante”.
Mas se existe algo que não pode ser apontado a Sandberg, e talvez seja esse o seu maior valor, mesmo que “ganho à força”, é a falta de humildade e a capacidade de não reconhecer os seus erros. Pelo contrário e sendo também uma suposta lição que vem junto com a adversidade, ao sofrermos uma fatalidade, a vida obriga-nos a encará-la de uma outra perspectiva. Sandberg tem feito um esforço considerável para responder às críticas em que esteve envolvido o seu anterior livro, retratando-se e admitindo alguns dos erros que lhe foram apontados. Mas, e o que mais interessa nesta sua resposta à situação dramática que teve de enfrentar é, exactamente, o desenho e as potencialidades do seu OptionB.org.
Sete adversidades e um conselho consultivo de peso
O OptionB tem como principal objectivo a identificação de ferramentas que possam ajudar qualquer pessoa que lute com uma situação traumática a “exercitar o músculo da resiliência” ou que as queiram utilizar, para o mesmo efeito, no auxílio a familiares, amigos e comunidades. Para além da partilha de histórias de “sobrevivência” pessoais – na identificação com outros que sofrem situações similares reside sempre uma espécie de “alívio” -, é possível igualmente passar a fazer parte de grupos de solidariedade e apoio, e aceder a um conjunto de informação, em vários formatos, de especialistas reconhecidos nas sete áreas em que, para já, este movimento online está dividido: luto & perda; abuso & violência sexual; ódio & violência; saúde, doença & incapacidade; divórcio & desafios familiares; encarceramento (prisão) e estimular a resiliência nas crianças.
Fazendo parte da Sheryl Sanberg & Dave Golbert Family Foundation, a qual alberga também o movimento Lean In, o OptionB cruza as suas actuais áreas de referência com especialistas nas mesmas e que compõem o seu Conselho Consultivo, o qual reúne um conjunto significativo, e muito ecléctico, de pessoas habituadas a “ajudar” neste caminho para a resiliência e também elas portadoras de histórias inspiradoras.
É o exemplo de Adrienne Boissy, neurologista no Mellon Center for Multiple Sclerosis, e que trabalha de forma a “melhorar qualquer que seja o aspecto da jornada” dos seus pacientes, seja em termos de conforto físico, como no que respeita às suas necessidades emocionais e espirituais. A sua TED talk “Seeing and Being Seen: A Call for Healing” é de visionamento obrigatório para milhares de clínicos que acreditam que a empatia e o humanismo na medicina constituem dois remédios essenciais para o bem-estar dos doentes. Diferente, mas igualmente inspiradora, é a história de outro membro deste Conselho, Judith Heumann, que depois de ter contraído poliomielite na infância, tem passado toda a sua vida numa cadeira de rodas. Depois de observar a discriminação de que são vítimas as pessoas com deficiência, Heumann tem tido um percurso tão invejável quanto corajoso, o qual já a levou ao lugar de conselheira especial para os Direitos Internacionais da Pessoa Portadora de Deficiência do Departamento de Estado da administração Obama tendo sido, antes disso, Secretária do Gabinete de Educação e Serviços de Reabilitação do governo de Bill Clinton, ocupando posições similares no Banco Mundial ou gerindo um amplo conjunto de ONGs, numa luta sem tréguas pelos direitos de quem sofre discriminação social devido a situações de deficiência.
O Conselho é ainda integrado por Musimbi Kanyoro, Presidente e CEO do Global Fund for Women e que escolhe exactamente as palavras resiliência ou resistência para definir a sua própria vida. Reconhecida internacionalmente por liderar diversas instituições e iniciativas mundiais relacionadas com os cuidados de saúde, o desenvolvimento, os direitos humanos e a filantropia para comunidades, especialmente para raparigas e mulheres, o Fundo que agora preside – e uma das organizações mais amplamente financiadas a nível mundial – já ajudou a estabelecer cerca de 5 mil iniciativas e movimentos para ajudar mulheres em mais de 175 países. Por seu turno, Marc Morial, presidente e CEO da National Urban League, a maior organização histórica de direitos civis a operar nos Estados Unidos no que respeita à luta pelo emprego, educação, habitação e equidade no direito ao voto, sobretudo dos afro-americanos, acredita no poder do activismo comunitário para ultrapassar adversidades de natureza variada. Antigo senador do estado do Louisianna, figura em vários rankings de líderes influentes em matéria de direitos cívicos.
A este circulo de especialistas nas diversas áreas cobertas pelo site, juntam-se ainda a autora do célebre livro “How to Raise an Adult”, Julie Lythcott-Haims, que defende que os pais devem deixar os filhos dar “tropeções” pois tal os ajudará a criar a resistência necessária às várias adversidades que a vida lhes reserva e, entre vários outros, vice-presidente da National Aliance for Grieving Children, Joe Primo, e actual CEO da Good Grief, uma organização especializada em ajudar crianças, adolescentes, jovens adultos e a as suas respectivas famílias a lidarem com a morte, através de programas e serviços inovadores e, de sublinhar, gratuitos.
Estes são apenas alguns exemplos dos membros que compõem o Conselho Consultivo do Option B e que prestam aconselhamento nos sete tópicos que integram, actualmente, esta recente comunidade online, mas que conta já com excelentes conteúdos, escritos ou em vídeo, devidamente seleccionados para ajudar a construir a resiliência pretendida.
E a ideia é ir mais longe, através de grupos específicos no Facebook criados em torno de adversidades e desafios comuns. Por outro lado, os visitantes do movimento Option B poderão juntar-se a outros grupos (extra-Facebook) geridos por email ou em fóruns online.
O movimento agora criado por Sherryl Sandberg assinou também um conjunto de parcerias com organizações variadas, de que é exemplo a MeetUp ou a DinnerParty, as quais permitem reuniões – no mundo real – de pessoas que partilham algum tipo de perda ou trauma específico.
Quando um resultado não pode ser mudado
Sheryl Sandberg foi capa recente da revista Time, a qual aproveitou o lançamento do seu novo livro, agendado para o próximo dia 24 de Abril, para recordar não só o trágico momento que envolveu a morte do seu marido, considerado como a “alma e o coração de Silicon Valley” e um “verdadeiro líder”, tendo-lhe sido prestados vários tributos, entre eles o do ex-presidente dos Estado Unidos, Barack Obama, mas também para tentar mergulhar numa nova Sandberg, que de “super-mulher rapidamente se transformou em ‘muito humana’”.
Para os que querem saber toda a história, a peça da Time merece ser lida na íntegra, mas e a propósito do tema central deste artigo – a criação deste movimento que visa “mudar a conversa sobre o que significa adversidade e resiliência” – vale também a pena resumir algumas das ideias-chave que constam no mesmo, da autoria da própria Sandberg e que podem ser igualmente lidas na sua página pessoal do Facebook, que é seguida por cerca de dois milhões de pessoas (e aproveitada por muitos para expressar também a admiração pelo próprio fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, comentador assíduo da página da sua COO) e que serviu, em parte, como o “diário” de emoções que iria dar origem ao livro prestes a ser publicado.
Tal como na peça da Time, também no Facebook Sandberg conta a história, já aproveitada como uma boa peça de marketing, de como surgiu a ideia da Opção B, a qual teve origem num famoso post escrito em 2015, pouco tempo depois da morte do marido. Recordando o que lhe disse um amigo – “Option A is not available. So let’s just kick the shit out of Option B.”- e que acabaria por cunhar a frase que daria origem ao título do livro (e do movimento)–e que, na verdade, nada tem de extraordinariamente novo -, Sandberg partilha contudo três mitos importantes que, desconstruídos, podem ajudar os (seus) leitores a melhor lidar com o luto ou com a perda de alguém que lhes é próximo: o de que, de alguma forma, se sente sempre e de alguma forma, responsável por o que conteceu; o de que a tristeza deverá “alcatifar”, de parede a parede, toda a vida e o de que nunca será possível ser-se feliz outra vez, quando se perde alguém que muito se ama. A estes três mitos Sandberg chama os “erros dos 3 Ps”: pensar na adversidade como pessoal, perpétua e permanente.
O que este movimento recentemente fundado tenta demonstrar é que possível ultrapassar cada um destes três “erros”: porque a adversidade faz parte da vida, porque é possível exercitar a tal resiliência que permitirá torná-la menos dolorosa e porque o tempo ajuda a curar as feridas.
E sim, nenhuma destas ideias é inovadora, mas é sempre bom recordar que as mesmas estão cientificamente comprovadas. Assim garantem os psicólogos e especialistas que as estudam e que lidam com elas e que poderão ajudar no caminho para ultrapassar a adversidade que está sempre à espreita na vida.
Editora Executiva