POR MÁRIA POMBO
“A substituição progressiva da emoção por padrões próprios da notícia e reportagem é outra forma de colocar o comando ético da mensagem nas mãos do receptor. A emoção (pathos) manda e o (ethos) obedece. Aos poucos vai-se a ética e fica o espectáculo, de que forma for, sem barreiras ou códigos. Sempre que algo de muito relevante acontece, algo de bastante mau se vê na Comunicação Social”. – Henrique Monteiro, jornalista do Expresso
Foi com foco no tema “Os desafios da ética e da verdade no mundo da informação” que Henrique Monteiro, jornalista do Expresso, falou à plateia reunida em mais um almoço-debate da Associação Cristã de Empresários e Gestores (ACEGE), que se realizou no passado dia 20, em Lisboa.
Começando por explicar que “o desafio da ética e da verdade – que são dois conceitos que estão ligados entre si – é muito importante”, Henrique Monteiro apresentou três tipos de verdade: a lógica, a científica e a revelada ou da convicção. Neste sentido, a primeira é aquela que podemos apurar precisamente pela lógica (se a informação que nos é transmitida faz ou não sentido). A segunda verdade – que é a científica – está sujeita a refutação, a outra teoria que venha comprovar que aquela está errada. Por fim, a revelada ou da convicção é, para o orador convidado, “aquela que está mais em crise” e que não é tida como verdade mas sim como verdade metafísica, ou seja, que “vai para além de nós”.
Em tom de desagrado, e dando como exemplo o modo como a tragédia de Pedrógão Grande tem sido noticiada em Portugal, o jornalista contou que “hoje há muitos jornalistas licenciados em comunicação (Marketing, Relações Públicas, etc.) ” e que, por esse motivo, “o jornalismo está a ser transformado numa ciência da comunicação”. O ponto preocupante desta transformação é que, contrariamente ao marketing e a outras ciências da comunicação – que “podem falsear a informação para chegar a mais pessoas” – o objectivo do jornalismo é quase o oposto: “chegar aos outros da forma mais simples”.
E é esta “confusão” – denominada de infortainment – que preocupa Henrique Monteiro e que lhe dá a amarga certeza de que “o jornalismo deixou de ser uma coisa do ‘ser’ para se transformar numa coisa das sensações”, referindo – no caso concreto dos incêndios – que “mostrar cadáveres é um exemplo disso” e realçando que “se existe a informação de que morreram pessoas, não é preciso mostrar cadáveres”. E sublinha: “isto não é informação, é filme; é a provocação de sentimentos”. O orador referiu que este conceito de infortainment surgiu com Teresa Guilherme, para quem – e citando a própria – “a ética é uma coisa que não mata a fome”, e também com Emídio Rangel, que já não se encontra entre nós e que afirmava que “quem não quer ver, muda de canal”.
O grave da questão levantada anteriormente, para o jornalista convidado da ACEGE, é que “a ética passou a estar do lado do receptor, e não do emissor”. De acordo com Henrique Monteiro, isto significa que “a sociedade está ao contrário” e que “a responsabilidade social ética está em cada pessoa”, como se pode ver nas redes sociais, em que “cada pessoa diz o que quer”, pondo em causa a própria verdade.
A crise da verdade e o “jornalismo de manada”
Contrariamente ao que se possa pensar, tal como a ética, também “a verdade científica está em crise”. O jornalista dá o exemplo do aquecimento global para ilustrar esta ideia, referindo que se trata de uma questão onde “nem sequer há espaço para discutir” mas ainda assim “não deixam existir os negacionistas”, que a contestam a todo o custo. O orador explicou que “pensamos que vivemos numa sociedade informada mas é mentira”, salientando – em tom de crítica – que “hoje em dia não há racionalismo crítico mas sim dogmático” e que “tudo tem de ter uma explicação e tem que existir sempre um culpado, e alguém tem sempre que se demitir”.
Por fim, e referindo que esta é aquela que está mais em crise, principalmente no jornalismo, Henrique Monteiro abordou a verdade da convicção, a qual é tantas vezes “ridicularizada”, como afirmou, considerando que para muitas pessoas “não há nada que transcenda o Homem”. Dando, uma vez mais, os acontecimentos recentes como exemplo, o também formado em História contou que “esta é uma questão que paralisa a sociedade e momentos como estes revelam que é preciso existir ética”.
[quote_center]“O jornalismo deixou de ser uma coisa do ‘ser’ para se transformar numa coisa das sensações”[/quote_center]
Lançando a questão “se as pessoas não conseguem conceber que existe algo para além delas próprias, como é que se concebe a ética?”, a resposta está – tocando naquele que tem sido um tema sempre defendido pela ACEGE, – “na questão do amor, do fazer bem ao outro, do coração”. E é o descrédito, presente na comunicação social sobre este tema, que para o autor representa o verdadeiro problema, referindo que “em 1960 começou uma cavalgada constante de negação da transcendência”, a qual aumentou a ideia de “tribalismo” – que ainda hoje persiste.
Acerca desta matéria, Henrique Monteiro referiu que “nós em sociedade estamos tribalizados” e que o problema é que “vão uns atrás dos outros sem entenderem qual é o seu papel”. O jornalista salientou ainda que “estamos todos muito desligados e que necessitamos de um ‘religamento’, sejamos ou não católicos”. Qual é, então, o desafio? “Remar contra, remar contra, remar contra”, explica, ao mesmo tempo que reforça que esta é “uma coisa que ainda se faz muito nas colunas de opinião, mas só aí” e que o próprio tenta fazer, mas que são muito poucos aqueles que se atrevem.
Retomando uma ideia inicial, o orador referiu em tom sarcástico que, de facto, “a ética é uma coisa que não mata a fome, como disse Teresa Guilherme, e se calhar até tem razão, já que há-de ganhar mais que eu ao fim do mês”. Neste sentido, o jornalista conclui que “perdemos uma série de activos” e que “existem várias pessoas que conseguem resistir, mas o caminho é o do espartilhamento da comunicação social, muito por via – e culpa – das redes sociais”. E esta ideia serviu também para finalizar o seu discurso e abrir espaço para as perguntas da plateia.
[quote_center]Contrariamente ao marketing e a outras ciências da comunicação – que “podem falsear a informação para chegar a mais pessoas” – o objectivo do jornalismo é o oposto: “chegar aos outros da forma mais simples”[/quote_center]
Em jeito de comentário, foi lançada uma questão relativamente à inexistência, por parte dos jornalistas, de uma auto-avaliação e de uma reflexão sobre a sua função de informar. A este respeito, Henrique Monteiro comentou que esta análise não é feita “porque atrapalha o negócio”, já que “as pessoas gostam é de notícias sobre traições e irmãos que se apaixonam” e é isso mesmo que vende. O jornalista referiu ainda que “se existe uma notícia sobre uma avioneta que caiu, toda a gente quer ir lá” e noticiar esse trágico acontecimento, denominando este posicionamento como “o jornalismo de manada”. Um exemplo recente é o da visita do Papa a Fátima, em que parecia que toda a população portuguesa era católica e com todos os órgãos noticiaram esse acontecimento, e outro é quando joga a Selecção Nacional de futebol, que move milhares de pessoas e que aparece em todos os meios de comunicação social.
Uma outra questão colocada foi sobre como é que se pode promover o ‘religamento’, referido pelo orador. “Com esforço”, respondeu o jornalista, ao explicar que “se a Bíblia diz ‘amai-vos uns aos outros’ e se todos pudermos fazer mais do que fazemos, podemos chegar a algum lugar”. Complementarmente, Henrique Monteiro sublinhou que “a condição das pessoas boas é serem menos do que as más, o que as obriga a remar o dobro do que remam as restantes” e que “temos que ser optimistas”.
A finalizar o debate, António Pinto Leite, também em tom de reflexão, falou acerca do papel essencial das lideranças. O antigo presidente da ACEGE partilhou um pensamento do seu pai, que dizia: “quando tenho uma crise de fé, ajoelho-me junto a uma rocha e espero que passe”. Com base nesta ideia, referiu que “é essa noção de rocha que devemos manter dentro das organizações” e que “o padrão de que devemos tratar os outros como gostaríamos de ser tratados não é [nem deve ser] um privilégio dos católicos”.
Jornalista