POR HELENA OLIVEIRA
A última década foi uma das mais duras depois da era do pós-guerra para a economia europeia, mas parece que, e finalmente, a retoma está a chegar e o ânimo das empresas está também a melhorar.
Um novo relatório, intitulado “European business: Overcoming uncertainty, strengthening recovery”, sublinha estes resultados depois de um inquérito feito a dois mil executivos, conduzido pelo McKinsey Global Institute (MGI) em França, Alemanha, Itália, Polónia, Espanha e Reino Unido. O mesmo relatório recolheu as opiniões do universo de entrevistados entre 17 de Fevereiro e Março de 2017, incluindo uma ampla gama de sectores e os seus resultados foram apresentados na Cimeira Europeia dos Negócios, que teve lugar em Bruxelas, em Maio último. Apesar de Portugal não ter sido contemplado neste estudo, e com as particularidades que caracterizam o seu clima económico, aparentemente a economia nacional está a sofrer o contágio destes melhores ventos que sopram pela Europa, sendo similares os níveis de optimismo face às perspectivas das empresas, bem como a permeabilidade às novas tendência – boas e más – que fazem parte do ambiente actual de negócios. Assim, e tomando como exemplo este inquérito, vejamos o que pensam estes executivos europeus, em conjunto com a análise realizada pelo MGI.
De um modo geral, os executivos de topo entrevistados esperam, em média, um crescimento nas suas receitas na ordem dos 2,1%, [face à previsão de 1,7% feita por um conjunto de economistas para 2018] com uma em cada cinco empresas – especialmente as de maior dimensão e as com maior enfoque internacional – a prever um aumento dos seus dividendos superior a 5%. Os líderes de negócios expressam igual optimismo face às tendências que afectam os negócios um pouco por todo o lado, incluindo a digitalização e a ascensão das economias emergentes. Mas, e por outro lado, um terço das empresas espera permanecer “estagnada” ou a apresentar receitas em declínio ao longo do próximo ano.
[quote_center]Os executivos de topo entrevistados esperam, em média, um crescimento nas suas receitas na ordem dos 2,1%[/quote_center]
Em conjunto com os líderes de negócios europeus, o MGI entrevistou igualmente mais de 400 executivos de empresas americanas e chinesas com operações na Europa, sendo que as suas expectativas em termos de crescimento de PIB na União Europeia são ainda superiores, em média, às esperados pelos seus pares europeus – chegando aos 3 por cento e aos 2,3 por cento respectivamente,
Mas e por outro lado, esta auscultação indica ainda uma relutância persistente entre as firmas europeias para investir, com muitas delas a optarem pelo “açambarcamento de capital”. As poupanças brutas das empresas chegaram quase aos 2 triliões de euros em 2015, sendo as empresas estão divididas entre as que afirmam que o dinheiro amealhado será para ser usado em investimentos futuros (48 por cento) e as que parecem optar jogar pelo seguro e ter um mealheiro de reservas para a eventualidade de novas crises (47 por cento). Mesmo assim, as empresas entrevistadas acreditam que o seu nível de investimento é o adequado nos tempos que correm e consideram existir oportunidades suficientes para aumentarem esse mesmo investimento. Em termos de barreiras ao investimento, a fraca procura e o acesso ao financiamento deixaram, e finalmente, de constituir os principais problemas.
Mas e então, o que explica esta relutância face a um investimento mais ousado? De acordo com o MGI, a verdade é que os líderes de negócios europeus, apesar de optimistas, citam ainda um conjunto de riscos e incertezas (40%), incluindo uma preocupação sobre potenciais crises futuras (29%), nervosismo no que respeita ao aumento do populismo nos seus países e ao sentimento anti-globalização (17%), em conjunto com o teor persistente face à “forma” e direcção da própria União Europeia.
[quote_center]Um terço das empresas espera permanecer “estagnada” ou apresentar receitas em declínio ao longo do próximo ano[/quote_center]
Assim, e com o objectivo de compreender os motivos que levam a estes comportamentos “controlados”de investimento e com vista a explorar melhor os sentimentos face ao futuro da União, o MGI levou a cabo um inquérito aprofundado sobre os benefícios que as empresas gozaram no passado, em conjunto com as suas esperanças e expectativas para a Europa no futuro.
De uma forma geral, as respostas face à UE foram positivas. Metade das empresas auscultadas acredita que a União Europeia traz benefícios aos seus negócios, sendo que, sem surpresas, às mais bem-sucedidas corresponde o maior nível de optimismo. Adicionalmente, 60% dos executivos afirmam querer “mais Europa” sob a forma de uma maior convergência e integração políticas.
Todavia, as respostas evidenciam também um fosso entre o futuro da UE que as empresas desejam e os cenários que perspectivam. Quase 85% das empresas inquiridas afirmam acreditar que a UE permanecerá “intacta”, e metade das mesmas antecipa que seu status quo irá prevalecer ou que uma maior interacção terá lugar. Todavia, 51% dos inquiridos teme que a zona euro irá “encolher” ou até mesmo desmantelar-se ao longo dos próximos anos.
[quote_center]Em termos de barreiras ao investimento, a fraca procura e o acesso ao financiamento deixaram, e finalmente, de constituir os principais problemas[/quote_center]
No que respeita à decisão do Reno Unido abandonar a União, um em cada três respondentes está convicto que se a mesma for seguida por qualquer outro país, tal será negativo para os seus negócios.
Assim, um investimento produtivo mais forte será crítico para assegurar que a retoma económica europeia se mantenha nestes carris mais bem direccionados. O MGI calculou que a restauração do investimento para os níveis pré-crise de 2008 poderia estimular o PIB da UE em mais de um trilião de euros. Mas a mesma análise também sugere que para atingir esse potencial, a União Europeia terá de abordar as suas áreas mais frágeis, incluindo o risco financeiro remanescente, a incerteza regulatória e, sempre que possível, as preocupações geopolíticas que incluem as migrações e a integração dos refugiados, bem como as ascensão do populismo. A “boa resolução” destas áreas de incerteza e risco poderá ajudar as empresas a melhorar os seus níveis digitais, algo cada vez mais crucial para o desenvolvimento do sector empresarial.
Uma outra forma de aumentar a confiança seria através do desenvolvimento de uma nova narrativa sobre o papel da União Europeia e uma visão do seu futuro que assegurasse que as forças a favor da cooperação terão mais adeptos que opositores. Vejamos, mais em pormenor, o que temem os líderes de negócios.
Entre o optimismo e a ansiedade
Questionados sobre a sua perspectiva face às forças e tendências globais que potencialmente afectarão os seus negócios, desde o envelhecimento da população à ascensão do populismo, e também sobre as visões que têm face à União Europeia, em termos de tendências os inquiridos mostraram-se ansiosos por abraçar ainda mais as tecnologias digitais, em particular a automação, com 55% dos executivos a afirmar que as tecnologias avançadas terão um impacto positivo nos seus negócios.
Em paralelo, a ascensão das economias emergentes é igualmente bem-vinda pela maioria dos respondentes. Contudo, 35% a 40% das empresas teme o impacto negativo do populismo crescente, da disrupção geopolítica e do aumento das desigualdades.
[quote_center]Adicionalmente, 60% dos executivos afirmam querer “mais Europa” sob a forma de uma maior convergência e integração políticas[/quote_center]
De sublinhar também que um terço dos executivos não vê com bons olhos a possibilidade de mais Estados-membros seguirem o caminho do “exit” escolhido pelo Reino Unido, com apenas uma em cada quatro empresas a encará-lo, de alguma forma, como positivo para os seus negócios. A maioria das empresas europeias acredita nos benefícios da pertença à União Europeia e querem ainda “mais Europa”. Os benefícios mais citados por se pertencer a este clube incluem a manutenção da paz e da segurança, a facilitação para se “fazer negócios” e a liberdade de acesso ao mercado. Foram 57% os respondentes que afirmaram ter gozado de benefícios devido ao mercado único de bens e serviços, enquanto 55% apontaram vantagens decorrentes do movimento livre de pessoas garantido pelo mesmo e pela existência de uma moeda unificada.
Questionados também sobre os desafios decorrentes da “afiliação” à União Europeia, as empresas citaram, em particular, a perda da soberania nacional (19%) e as regulamentações e processos complexos e onerosos que o clube dos 27 obriga (13%). Interessante é verificar que as respostas por parte das empresas britânicas sobre o impacto da UE nos seus negócios são, no geral, menos favoráveis, mas não suficientemente negativas face aos demais países entrevistados. Por exemplo, 42% de empresas que afirmaram que o impacto da UE nos seus negócios tem sido “moderadamente positivo” ou “muito positivo” não ficou muito atrás dos 46% de empresas italianas que afirmaram o mesmo. Na verdade, uma proporção ligeiramente superior de empresas italianas aponta para uma percentagem maior de efeitos negativos face ao Reino Unido (22% vs 21% respectivamente)
[quote_center]A possibilidade de uma Zona Euro mais “reduzida” ou desmantelada é citada, o que demonstra que uma das maiores incertezas para os negócios europeus está relacionada com o futuro da própria União[/quote_center]
Os resultados deste inquérito aos líderes de negócios europeus estão em linha com as visões expressas pelos consumidores, com cerca de 70% dos alemães e espanhóis a desejarem uma maior integração económica e política, o mesmo acontecendo com 50% dos franceses, e menos de metade dos britânicos auscultados a desejar o mesmo. Nos seis países inquiridos, e para além dos 60% dos executivos inquiridos a clamar por “mais Europa”, o desejo vai também para uma autoridade, em conjunto com gastos, mais centralizada – uma proporção que aumenta para os 65% quando as respostas do Reino Unido não são incluídas na análise feita pelo MGI.
Todavia, alguns dos desejos políticos são contraditórios entre si e não há uma medida que agrade a todos.
A análise sugere que apesar de serem muitas as empresas europeias que apoiam as prioridades políticas do Comissariado da União Europeia, as visões são mais “baralhadas” no que respeita à forma como estas mesmas políticas são executadas. Como anteriormente citado, a possibilidade de uma zona euro mais “reduzida” ou desmantelada é citada, o que demonstra que uma das maiores incertezas para os negócios europeus está relacionada com o futuro da própria União. Agora que a contagem decrescente para a saída do Reino Unido começou oficialmente, e numa altura de divergências politicas e económicas entre os 27 Estados-membros remanescentes, qual será a direcção que a UE irá tomar?
O MIGI apresentou cinco cenários potenciais aos seus inquiridos, questionando-os sobre aqueles que consideram ter mais possibilidades de se transformarem em realidade e quais os que considerariam mais vantajosos para as suas empresas. Os resultados sublinham o fosso entre esperanças e expectativas, com quase 85% das empresas inquiridas a acreditar que a UE se manterá “intacta” e apenas com menos de metade a colocar a hipótese de uma prevalência do status quo actual ou de uma possível maior integração. A possibilidade da zona euro vir a ser negativamente afectada ou até mesma desmantelada é igualmente considerada. Os cinco cenários apresentados pelo MGI são os seguintes:
- Aumento da integração: “Expansão das responsabilidades da UE: tanto a UE como a Zona Euro manterão a sua actual estrutura, com os países “principais” a manterem também o seu lugar (sem esquecer a saída do Reino Unido). A União ganhará novas responsabilidades e construirá novas instituições como uma defesa comum, protecção das fronteiras externas e uma política fiscal parcialmente comum”.
- Manutenção do status quo actual. “A UE e a Zona Euro manter-se-ão tal como estão e com as mesmas responsabilidades: tanto a primeira como a segunda manterão as suas estruturas e níveis de responsabilidade, com os países principais” a manterem também o seu lugar (sem esquecer a saída do Reino Unido).
- A Zona Euro “encolhe”. A Zona Euro diminui em termos dos países que a integram, mas a UE permanece intacta; as economias periféricas deixam a Zona Euro e regressam às suas moedas nacionais, enquanto os países “fortes” se mantêm no euro.
- A Zona Euro chega ao fim. “A Zona Euro é “desmantelada”, mas a UE mantém-se intacta: os países fortes deixam a Zona Eura e todos os países regressam às suas velhas moedas. A União Europeia mantém a sua actual estrutura e níveis de responsabilidade
- A União Europeia e a Zona Euro “extinguem-se”. “Erosão da EU e da Zona Euro: os países fortes deixam ambos os blocos e ambas as estururas são completamente desmanteladas.
A partir destes cenários, um em cada três inquiridos acredita na possibilidade de o fim da Zona Euro estar iminente ou que pelo menos esta sofra uma diminuição do número de países aderentes, com 16% a colocarem a possibilidade da erosão tanto desta como da própria União Europeia.
Como abordar as áreas de maior fragilidade?
Para o MGI, existe um conjunto de medidas necessárias que têm de ser tomadas apara abordar as fragilidades que ameaçam o ambiente empresarial da Europa a 27. A saber:
- Solidificação da estabilidade financeira. A União Europeia pôs em marcha as primeiras fases de uma união bancária que inclui o aprovisionamento para a recapitalização dos bancos em dificuldades e os “bail-ins” [recapitalização interna, que protege os contribuintes e coloca as responsabilidades nos investidores] para o que estão em risco de falência. Todavia, o nível elevado e persistente de empréstimos improdutivos – ou, por outras palavras, de crédito mal parado – em vários países sugere uma acção mais tenaz de forma a limpar os balanços financeiros proactivamente – e a restaurar a confiança dos investidores – seja a nível nacional ou europeu. Decisões difíceis terão também de ser tomadas para atenuar as preocupações face aos níveis continuamente elevados das dívidas soberanas.
- Estabelecer e comunicar um plano credível para a Zona Euro. A significativa proporção de líderes de negócios que duvida da durabilidade da Zona Euro sob a forma que actualmente exibe “obriga” a que a União Europeu e os governos nacionais tenham de gizar um plano – e encontrar o consenso politico para o pôr em marcha – que resolva o equilíbrio instável entre a interdependência monetária e fiscal e as politicas económicas soberanas, que conduziram aos riscos morais e a políticas mistas não-alinhadas.
- Encontrar respostas para os desafios políticos globais. A maioria das empresas considera as tendências globais mais como potenciais fontes de risco e ventos adversos do que como benefícios. O debate político em torno das migrações e dos refugiados, em conjunto com as tensões geopolíticas que estão a estimular a ascensão do populismo estão a influenciar sobremaneira as percepções das empresas face à União Europeia e aos seus potenciais benefícios. Algumas destas questões não podem ser controladas pelas instituições europeias, especialmente sem existir consenso por parte dos governos que as integram. Todavia, se a UE apresentar respostas pan-europeias para estas questões, a análise feita pelo MGI sugere que o apoio por parte das empresas por “mais Europeia” e uma maior confiança na UE só podem trazer vantagens.
Uma nova narrativa para a Europa precisa-se
Abordar de forma bem-sucedida estas fragilidades não é tarefa fácil e irá exigir medidas ambiciosas por parte da União Europeia e pelos líderes eleitos pelos seus Estados-membros. É verdade que já foram dados alguns passos individuais para ajudar a (ultra)passar a pior crise financeira e económica testemunhada pela UE. Todavia e como sabemos, não foi colocado um ponto final na incerteza. A União Europeia terá de demonstrar que são mais as forças a favor da cooperação do que aquelas que se opõem a ela mesma.
E uma forma de andar para a frente e gerar apoio para se trabalhar de forma mais ousada reside na criação de uma nova narrativa para esta União. Foi o que fizeram, de forma convincente, os pais fundadores da UE em 1957 no Tratado de Roma, sublinhando uma visão clara e imperativa de paz e prosperidade para “uma união ainda mais estreita” – mesmo tendo em consideração que traduzir essa união em passos práticos foi um caminho muito complexo nos anos que se seguiram. A criação do mercado único em meados dos anos de 1980 foi outro momento de reinvenção, o mesmo acontecendo com os ambiciosos passos dados para o estabelecimento de uma moeda única, a qual demorou uma década de muito trabalho até se conseguir uma convergência económica mais estreita.
[quote_center]A União Europeia terá de demonstrar que são mais as forças a favor da cooperação do que aquelas que se opõem a ela mesma[/quote_center]
Assim, também a UE do século XXI precisa de uma nova visão, de um novo fôlego nos tempos que correm, com base na realidade em que vivemos no presente, mas também com aspirações para um futuro mais sólido.
Face a todos os desafios que enfrenta hoje, a UE não é alheia à adversidade. Desde as suas origens que se habitou a lidar com variadas crises e ameaças à sua integridade, desde a política da “cadeira vazia” protagonizada pela França na década de 60 numa disputa com a Alemanha devido a políticas agrícolas, à crise global de energia nos anos de 1970, à reestruturação complexa das suas indústrias de carvão e aço nos anos 80, sem esquecer as várias ondas de turbulência de moeda nos anos 90, antes e depois da criação do euro.
Apesar de todos os seus problemas, a União Europeia tem vindo a mobilizar forças para a ajudar a ultrapassar os seus inúmeros desafios. E mesmo com o pessimismo expresso pela comunidade de executivos entrevistada, a verdade é que a resiliência tem sido uma das duas características mais duráveis, e novamente imprescindível para os dias que correm e para os que se avizinham. Mas a resiliência também precisa de um objectivo comum, que possa ser articulado e que possa inspirar um retorno da confiança. E, como também ficou visível no inquérito dos executivos europeus auscultados, a restauração da fé é absolutamente crucial.
Editora Executiva