Que o afirma é o presidente da iniciativa pública nacional com o mesmo nome e que está agora a completar dois anos de estimulante existência. Os bons resultados alcançados, reflexo de “uma grande vitalidade no sector social”, demonstram também que Portugal tem uma “geração extraordinária de empreendedores sociais”. Em entrevista ao VER, Filipe Almeida traça o percurso da iniciativa e do contexto nacional “muito favorável” ao desenvolvimento de respostas inovadoras aos problemas sociais complexos que vivemos, arriscando afirmar que estamos a assistir “a uma mudança silenciosa de mentalidade que daqui a alguns anos não deixará nada no mesmo lugar onde hoje está”
POR
HELENA OLIVEIRA

Ousada, inovadora e pioneira na Europa, a iniciativa Portugal Inovação Social está bem e recomenda-se. Com três dos quatro instrumentos de financiamento já operacionais e com excelentes resultados, é igualmente reflexo de uma “comunidade inquieta que está a crescer e a consolidar um espaço de actuação em Portugal”. Quem o afirma é o seu presidente, Filipe Almeida, que traduz o empreendedorismo social como “a expressão prática, organizada, ocupacional, de um altruísmo fundamental que, sem abdicar de si, inclui o Outro na equação das suas escolhas”. Com uma significativa mobilização de investidores, em conjunto com um envolvimento decisivo de entidades públicas, a iniciativa assume-se também como “um programa politicamente arrojado porque arrisca promover a inovação e estimula o desenvolvimento de respostas sociais nascidas da e para a sociedade civil como via de combate a problemas sociais complexos”. E a liderar esta revolução está uma geração de jovens, “com um profundíssimo sentido de serviço ao outro, mais desmaterializada, que valoriza a experiência emocional e que se realiza pelo impacto social que gera”. E vale toda a pena ler a entrevista na íntegra.

Quanto tomou posse como presidente e responsável pela gestão e coordenação da iniciativa Portugal inovação Social, caracterizou-a como um” projecto politicamente arrojado e socialmente estruturante”. Para quem não conhece a missão e objectivos da iniciativa, como traduz as suas palavras?

A Portugal Inovação Social é uma iniciativa pública nacional que visa promover e apoiar projectos de inovação social, estimulando simultaneamente o mercado de investimento social. A inovação social refere-se ao desenvolvimento e implementação de respostas sociais diferenciadas das existentes, porventura disruptivas, experimentais, que visam resolver problemas sociais produzindo impacto social relevante com eficiência na utilização e recursos.

Os projectos, em si mesmos, constituem propostas disruptivas ou complementares, que visam o bem-estar e a melhoria das perspectivas de vida de pessoas e comunidades. Em outros contextos, a inovação social desenvolveu-se apesar da política pública, de costas voltadas para o Estado como reacção às suas respostas insuficientes. Em Portugal, é o próprio governo a incentivar a inovação social, a promovê-la através deste instrumento de política pública, também em si mesmo inovador, pioneiro na Europa no financiamento de projectos sociais inovadores com fundos comunitários.

Mas o objectivo é também criar um mercado de investimento social, que assegure a longevidade dos projectos e o financiamento da experimentação. Para o efeito, é reservado um papel para os Investidores Sociais nos quatro vários instrumentos da iniciativa Portugal Inovação Social, sendo assim fomentada a inovação social através da parceria entre o sector privado (tradicionalmente financiador) e o sector cooperativo e social (tradicionalmente implementador), mediado pelo sector público. Por isso, além da importância social dos projectos que atendem frequentemente às necessidades fundamentais de grupos sociais mais vulneráveis, é um programa politicamente arrojado porque arrisca promover a inovação e estimula o desenvolvimento de respostas sociais nascidas da e para a sociedade civil como via de combate a problemas sociais complexos.

Tendo em conta o pioneirismo, enquanto política pública, da Portugal Inovação Social, que evolução é possível traçar sobre a mesma nestes dois anos de iniciativa?

Foram dois anos de intensa preparação dos instrumentos de financiamento através dos quais os apoios financeiros podem chegar às entidades que desenvolvem projectos de inovação social. Dos quatro instrumentos, três estão já operacionais com excelentes resultados.

No caso da “Capacitação para o Investimento Social”, que visa financiar o desenvolvimento de competências de gestão das equipas envolvidas em projectos de inovação social, o primeiro período de candidaturas terminou em Junho, estando já as 168 candidaturas que recebemos em análise, representando cerca de 7,85 M€ de financiamento público solicitado.

No caso das “Parcerias para o Impacto”, que apoia projectos de inovação social num modelo de co-financiamento com investidores sociais (que asseguram 30% do projecto), o primeiro período de candidaturas fechou ainda em 2016, estando já em execução 35 projectos aprovados, que representam cerca de 10 M€ de investimento (7 M€ financiados com fundos comunitários, através do Programa Operacional Inclusão Social e Emprego, e os restantes 3 M€ financiados por investidores sociais).

No caso dos Títulos de Impacto Social, que visam contratualizar a execução de projectos de inovação social alinhados com prioridades de política pública e com metas quantificáveis, numa lógica de reembolso do investidor apenas em caso do resultado contratualizado ser alcançado, foram aprovados os primeiros 3 projectos, representando cerca de 1,5 M€.

Estes bons resultados são o reflexo de uma grande vitalidade no sector social, com significativa mobilização de investidores e um envolvimento decisivo de entidades públicas. O contexto nacional é, de facto, neste momento, muito favorável ao desenvolvimento da inovação social e do empreendedorismo social como resposta complementar, em muitos casos preventiva, aos problemas sociais complexos que vivemos.

Na actualidade, a expressão “emprendedorismo social”, apesar de já muito utilizada, nem sempre é facilmente perceptível para o público geral. Que retrato é possível fazer dos empreendedores sociais nacionais e dos objectivos que os movem?

Os empreendedores sociais são agentes de mudança social que buscam, com a sua acção, melhorar a vida de pessoas e comunidades, de forma sustentável, em geral recorrendo à criatividade e gerando soluções disruptivas, inclusivas, diferenciadas. Actuam habitualmente de forma individual ou em pequenos grupos. Temos actualmente em Portugal uma geração de empreendedores sociais extraordinária, altamente motivada para desenvolver projectos sociais inovadores de forma profissional, organizada, estratégica. O seu foco está sempre no problema social que pretendem solucionar, a sua ambição na universalização da solução, o seu método na construção de um projecto coerente e atractivo com vista à mobilização de investimento que o viabilize.

Pessoas como o Miguel Neiva (do projeto ColorADD), a Celmira Macedo (do projeto EKUI), o Johnson Semedo (da Academia do Johnson) o Hugo Aguiar (do projeto SPEAK) ou o grupo de jovens socialmente muito comprometidos da U.Dream são exemplos desta geração de empreendedores que, aliás, têm idades, qualificações e contextos socioculturais diferenciados. Enquanto actividade, o empreendedorismo social é, ou deveria ser, a expressão prática, organizada, ocupacional, de um altruísmo fundamental que, sem abdicar de si, inclui o Outro na equação das suas escolhas. Ele responde aos anseios de dar sentido à vida através da contribuição para melhorar a vida do Outro, mas do Outro mais vulnerável, mais indefeso perante as agressões do mundo. E essa comunidade inquieta está a crescer e consolidar um espaço de actuação em Portugal.

Quais são, em grandes linhas, os requisitos “obrigatórios” para a apresentação de iniciativas de inovação e empreendedorismo social?

A Portugal Inovação Social visa apoiar projectos que apresentem respostas diferenciadas das tradicionais, com elevado impacto social e eficientes na utilização de recursos, preferencialmente com alguma evidência prévia da sua aplicação em pequena escala ou noutro contexto. A inovação não pode partir de premissas muito rígidas, sob pena de impedir o que pretende estimular: a criatividade, o inesperado, o pensamento lateral. Por isso não estabelecemos limites ao tipo de projectos que se podem candidatar. Devem ser projectos feitos à medida do problema que pretendem combater no território específico onde pretendem fazê-lo. É por isso naturalmente importante que exista um grupo social com uma vulnerabilidade evidente ao qual se dirige o projecto. É também fundamental que a solução apresentada seja diferenciada das tradicionais e que o projecto tenha potencial de gerar impacto social positivo.

Em termos de “respostas inovadoras a problema sociais”, quais são as áreas/temáticas mais privilegiadas nos projectos apresentados?

Para já, temos projectos que se destinam a promover a inclusão social, o emprego, a saúde, de formas muito diferenciadas e dirigidos a públicos muito diferenciados. Em breve esperamos ter projectos específicos na área da educação, que visam combater o abandono escolar e promover o sucesso académico.

No que respeita ainda à não muito longa história da economia social, as metodologias de avaliação do impacto social são ainda, para muitos, pouco “credíveis” e até abstractas. Dada a extrema importância de se medir a criação de valor para a sociedade de determinado projecto, nem que seja para captar investimento, a seu ver “o que funciona melhor” para avaliação e credibilidade desta avaliação?

A Economia Social, se identificada com o designado terceiro sector ou sector cooperativo e social, inclui o conjunto das actividades colectivas que visam fins sociais com património privado, sendo constituído por organizações que, sendo privadas, não visam fins lucrativos e, não sendo estatais, visam fins de serviço público. Nem todas as actividades deste sector devem e podem ser medidas com objectividade. Mas também não pode ignorar-se a importância de avaliar o seu impacto social sempre e quando faça sentido para melhorar o serviço prestado e a forma como são distribuídos os recursos na sociedade.

Já foram dados passos importantes no desenvolvimento de metodologias de avaliação de impacto social, mas estamos ainda numa fase de teste, sem consensos. O importante é a consciência de que é imperativo estudar e analisar o impacto humano gerado pelas múltiplas actividades sociais organizadas. Nesse sentido, começa a desenhar-se uma mudança de paradigma, que a Portugal Inovação Social também incentiva, de evolução de uma avaliação de projectos e iniciativas centrada na realização para uma avaliação centrada nos resultados. Esta parece-me uma tendência que influenciará decisivamente o futuro deste sector e a forma como responderá aos problemas e necessidades sociais.

No Global Shapers Annual Survey 2015, seis em cada dez millennials entrevistados afirmaram que uma oportunidade para “fazer a diferença na sociedade, na minha cidade ou no meu país” consiste na característica que mais prezam quando estão à procura de emprego (apesar de existirem outros estudos que negam esta atitude demasiado “altruísta”). Considera que esta geração é realmente, e como muitos a denominam, a “geração de impacto”?

Como referi, parece-me uma geração heterogénea. Dentro dela encontramos muitos jovens aparentemente apáticos, sem rumo claro nas suas vidas, acríticos quanto às escolhas académicas e profissionais. Mas encontramos também muitos com um profundíssimo sentido de serviço ao outro, mais desmaterializados, que valorizam a experiência emocional, que se realizam pelo impacto social que geram, que se propõem “mudar o mundo”. Resta saber se, quando descobrirem que apenas mudaram o seu bairro, isso lhes chega para não desistirem do sonho altruísta que os animou. Estou convencido de que, para maioria, chega. E essa é uma mudança silenciosa de mentalidade que daqui a alguns anos não deixará nada no mesmo lugar onde hoje está.

Que expectativas/novidades existem para o futuro próximo da dinamização de ecossistema de inovação e empreendedorismo social nacionais, um dos grandes objectivos da iniciativa Portugal Inovação Social e no âmbito do Portugal 2020?

Estamos a aprofundar a relação de proximidade com as entidades da Economia Social, com Investidores Sociais e com entidades públicas, estimulando a criação e o desenvolvimento de redes que permitam amplificar esta predisposição latente para inovar, para criar novas soluções sociais, para intervir civicamente. Acompanharemos os projectos apoiados, estudaremos o seu impacto social, promoveremos as boas práticas e ideias, convocaremos todos.

A Portugal Inovação Social é uma plataforma que dá sentido e direcção ao inconformismo. E é esse o espírito empreendedor que pretendemos e devemos incentivar, a bem de todos.

Editora Executiva