São precisas “mudanças em várias frentes”: a UE deve centrar a sua oferta em países parceiros e concentrar a sua Cooperação no apoio aos direitos humanos, à democracia e a um crescimento sustentável do Desenvolvimento. Na recta final face à meta estabelecida para o cumprimento dos ODM, Pedro Krupenski comenta, em entrevista, a proclamação de 2015 como Ano Europeu da Cooperação para o Desenvolvimento, e a adopção da “Agenda da Mudança” da UE, cuja prioridade para as políticas nesta área é a eficácia O Parlamento Europeu votou, por uma enorme maioria, a favor da designação de 2015 como Ano Europeu da Cooperação para o Desenvolvimento. Esta votação surge no seguimento da reunião de legisladores da União Europeia que, em Estrasburgo, aprovaram um Relatório acerca do futuro da política de Desenvolvimento da UE, da autoria do Deputado Europeu Luxemburguês Charles Goerens. Num debate posterior, o Comissário Europeu para o Desenvolvimento, Andris Piebalgs, declarou também o seu apoio a esta iniciativa. O Ano Europeu para o Desenvolvimento (2015) será ainda mais significativo por ser este o ano definido em 2000 como meta para se atingirem os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM). A pouco mais de dois anos deste prazo expirar é claro hoje que, “apesar de se terem registado progressos significativos em muitos países em desenvolvimento, a maioria dos ODM não será atingida na maioria dos países mais carenciados”. Por outro lado, é também claro que “a maioria dos países europeus não irá cumprir os compromissos que reiteradamente assumiram, relativamente a metas quantitativas e qualitativas sobre a ajuda e combate à pobreza”, denuncia a Plataforma Portuguesa das Organizações Não-Governamentais para o Desenvolvimento. Em entrevista ao VER, o seu presidente, Pedro Krupenski, critica, como habitualmente, a falta de vontade política que vem conduzindo, de um modo generalizado, ao fracasso anunciado das metas para os ODM. Mas considera que esta decisão do Parlamento Europeu “é um sinal político que, de alguma forma, constitui um contraciclo”, na actual conjuntura. E que tem “o mérito de trazer o tema à agenda nacional de cada Estado Membro da União Europeia”, canalizando atenção política, legislativa e financeira. Os princípios da “Agenda para a Mudança” proposta pela Comissão Europeia, que antecede a decisão do PE “constituem contracorrente”, diz ainda o presidente da Plataforma Portuguesa das ONGD, “na medida em que propugnam uma priorização (inclusivamente a nível de alocação de fundos), uma maior coerência e uma maior eficácia nas políticas e acções de cooperação para o desenvolvimento, quando muitos dos Estados Membros da UE estão a trilhar o caminho oposto”. Certo é que só uma política de cooperação “assente nos Direitos Humanos, orientada para os resultados, pautada na eficácia e que promove o desenvolvimento humano sustentável é susceptível de ir ao encontro das necessidades reais dos países em desenvolvimento”, conclui.
Que importância tem, para a prossecução das políticas globais para a Cooperação e o Desenvolvimento, a proclamação deste Ano Europeu em 2015? O facto de 2015 ser “Ano Europeu para o Desenvolvimento”, ano de transição para novos objectivos e metas de desenvolvimento, também permitirá alertar e mobilizar mais cidadãos para esta luta que deve ser a de todos nós. Em que medida se adequam os grandes objectivos deste Ano à actual situação da Ajuda Pública ao Desenvolvimento, a nível mundial, e às necessidades reais dos países em desenvolvimento mais carenciados? Tal proposta, que assumiu a designação de “Agenda para a Mudança: o futuro da política europeia de desenvolvimento”, estabeleceu os princípios que orientarão os planos de acção, a orçamentação, a priorização de objectivos, etc. da Cooperação para o Desenvolvimento da UE. Esta Agenda oferece algumas orientações para as políticas de desenvolvimento, entre as quais se destacam: – O apoio aos esforços dos países em desenvolvimento para erradicarem a pobreza como o primeiro objectivo da política de desenvolvimento e uma prioridade da acção externa da UE para ajudar a atingir o objectivo de que o mundo seja estável e próspero; Diz ainda a “Agenda para a Mudança” que são precisas mudanças em várias frentes. Em particular a UE deve tentar centrar a sua oferta em países parceiros onde possa ter maior repercussão. Deve concentrar a sua Cooperação para o Desenvolvimento no apoio aos direitos humanos, à democracia e a outros elementos chave da boa governança. E a um crescimento integrador e sustentável em áreas de desenvolvimento humano. Inevitavelmente, o ano de 2015, enquanto Ano Europeu, servirá neste estrito contexto para promover estes princípios e trazer ao debate público a forma como estão a ser concretizados. Naturalmente que não o será feito de forma alheada ao debate (já em curso) sobre a avaliação do (in)cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) e sobre os objectivos seus sucessores. Os princípios propostos nesta Agenda referem-se a uma realidade muitíssimo diversa e complexa, pelo que haverá sempre alguém que ficará de fora da contemplação destes princípios. Não foram, contudo, construídos de ânimo leve e constituem, de alguma forma, contracorrente, na medida em que propugnam uma priorização (inclusivamente a nível de alocação de fundos), uma maior coerência e uma maior eficácia nas políticas e acções de cooperação para o desenvolvimento, quando muitos dos Estados Membros da UE estão a trilhar o caminho oposto. Uma política de cooperação assente nos Direitos Humanos, orientada para os resultados, pautada na eficácia (despromovendo desperdícios e duplicações), e que promove o desenvolvimento humano sustentável é, regra geral, susceptível de ir ao encontro das necessidades reais dos países em desenvolvimento. Que comentário tece a Plataforma Portuguesa das ONGD ao facto de a proclamação deste Ano resultar de uma votação com grande maioria no Parlamento Europeu? Tais reduções são um equívoco civilizacional na medida em que, num mundo globalizado, os mais desfavorecidos de outras partes do mundo, são também os nossos desfavorecidos. Esta universalidade é um imperativo da dignidade humana, que não tem nacionalidade. Mas até na estrita perspectiva mercantil – que não é a nossa – apoiar o desenvolvimento de países mais frágeis é garantir parceria, mercado, oportunidades no futuro. Quais são as grandes conclusões a retirar do Relatório da autoria do Deputado Charles Goerens sobre o futuro da política de Desenvolvimento da EU? A diferenciação que Goerens enfatiza está ligada ao facto de alguns dos habituais doadores (especialmente os de alguns países de rendimento médio) estarem a realocar os seus fundos para a cooperação, centrando-os em potências emergentes como China, Brasil e Índia. Goerens quer chamar esses países à responsabilidade, recordando a necessidade de cumprimento dos seus compromissos para com a erradicação da pobreza. Charles Goerens insiste também na ideia que as políticas de Cooperação deverão ser um instrumento de combate à desigualdade, promovendo a inclusão social. Apoia, por isso, enfaticamente, a proposta da Comissão de alocar pelo menos 20% da ajuda europeia a serviços sociais básicos. Que resultados práticos poderá trazer, até 2015, a proclamação deste Ano, considerando que a data coincide com a meta para se atingirem os ODM, e sabendo-se há já vários anos que a maioria desses Objectivos não serão atingidos e que a maioria dos países europeus não irá cumprir os compromissos assumidos sobre a ajuda e combate à pobreza”? Os ODM não são utópicos. A sua implementação depende de vários factores, também eles muito complexos e de difícil controlo, mas não se trata de uma impossibilidade. É preciso é que haja concertação de intenções e esforços, coerência entre políticas e entre políticas e práticas, eficácia nas medidas aplicadas e na utilização dos fundos alocados. O único elemento que pode garantir tudo isto é a vontade política de cumprir os compromissos assumidos.
Senão, vejamos: quando os ODM foram aprovados, alguém fez contas sobre quanto custaria a sua implementação e vozes cépticas autorizadas levantaram-se dizendo que seria impossível angariar tamanho montante em quinze anos. Em 2009, quando eclodiram os efeitos da crise financeira global, em apenas dois meses, a comunidade internacional angariou trinta vezes mais do que aquilo que dizia ser impossível angariar em quinze anos e, apenas, para injectar no mercado financeiro. É, pois, notória a falta de vontade política de cumprir os compromissos assumidos. À falta de previsão de mecanismos sancionatórios para o incumprimento dos ODM, ficam 1.4 mil milhões de pessoas a sofrerem com fome enquanto os decisores comprometidos, estabelecem outras prioridades. Assim, e tendo em conta esta forma medíocre com que se encara as exigências mínimas de respeito pela Dignidade Humana, se a adopção de 2015 como Ano Europeu da Cooperação para o Desenvolvimento servir para, pelo menos, reforçar (tornando-o mais público) o vínculo político da UE aos compromissos de luta eficaz e sustentável contra a pobreza, já será positivo. Como resume a actual situação das políticas europeias de apoio aos países em desenvolvimento? Outro vício a destacar é a opção por intervenções a curto-médio prazo. A erradicação duradoura da pobreza não se consegue em tão curto espaço de tempo. As políticas europeias deveriam promover as intervenções até estarem garantidas as condições para que os beneficiários se desenvolvam humana, social, ambiental e economicamente, e não apenas até retirar as pessoas do limiar artificial da pobreza. Atendendo a que 2015 será um ano de transição para novos objectivos e metas de desenvolvimento, esta proclamação representa um momento-chave? A Cimeira Rio + 20 que teve lugar em Junho de 2012 já estabeleceu, de alguma forma, o mote daqueles que serão possivelmente os sucessores dos ODM. Assim, 2015 será apenas para formalização da sua aprovação e para a sua disseminação. Realizá-lo num ano reconhecido como “Ano Europeu da Cooperação para o Desenvolvimento” será chave para centrar atenções e esforços do público em geral na contribuição individual e colectiva para o seu cumprimento. Não obstante esta proclamação, a UE pondera realizar cortes no apoio aos países em desenvolvimento, como propôs a Presidência do Chipre da União Europeia no início de Novembro. A Concord já considerou a medida “um erro”, afirmando: “Estamos a ver as despesas externas, incluindo a ajuda ao desenvolvimento, a serem utilizadas pelos Estados-Membros nas negociações do orçamento global da UE como moeda de troca, o que significa grandes cortes que podem chegar aos 7,3 mil milhões de Euros”. Na sua opinião, que consequências poderá ter esta medida nos países mais carenciados? Na verdade, o volume da ajuda que a UE tem prestado aos países em desenvolvimento representa apenas 1,87 Euros por mês para cada cidadão europeu. Se este valor é muito reduzido para quem dá, para quem recebe é fundamental, pois garante a alimentação, a saúde, a educação… a vida, a milhões de pessoas no mundo. Também preocupante é a falência da democracia como sistema na Europa. Um estudo recentemente publicado conclui que 85% dos cidadãos europeus continuam a querer que os seus Estados apoiem os países em desenvolvimento a sair da pobreza. E os governantes, se baixarem muito significativamente os seus orçamentos para a cooperação (e por conseguinte o orçamento da UE) decidirão contra a maioria dos seus eleitores.
Na actual conjuntura, que impacto poderá ter para Portugal a adopção oficial pelo Parlamento Europeu, em Julho, da Declaração Escrita sobre Educação para o Desenvolvimento e a Cidadania Global, que fortalece as políticas de educação de desenvolvimento, tanto a nível nacional como a nível Europeu? A título de exemplo veja-se o caso actual: Portugal, na última década, tem levado a cabo uma Educação para o Desenvolvimento de excelência, reconhecida nos fóruns europeus como tal. Algumas opções têm sido inclusivamente consideradas benchmark do sector para o que tem contribuído, forte e prioritariamente, as ONGD e a Plataforma Portuguesa das ONGD. A existência de uma Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento (ENED) que envolve vários actores, entre os quais o Ministério da Educação, foi uma conquista muito significativa. Mas algum tempo depois de ter tomado posse, o actual Secretário de Estado dos negócios Estrangeiros e da Cooperação decidiu suspender toda a actividade pública e de apoio à sociedade civil respeitante à Educação para o Desenvolvimento (ED) para avaliação, contrariando não só a tendência europeia de priorizar a ED, mas também os resultados das avaliações e auditorias aos projectos de ED levados a cabo pelas ONGD que demonstravam a sua pertinência, necessidade e qualidade. Felizmente e face às evidências, voltou atrás e considerou a ED importante. Temos pois esperança que tal aprovação pelo Parlamento Europeu venha reforçar a intenção (mais recente) do Secretário de Estado de não se afastar da tendência europeia. A Plataforma Portuguesa representa um grupo de 67 ONGD, actuando nos domínios da Cooperação para o Desenvolvimento, da Ajuda Humanitária e de Emergência e da Educação para o Desenvolvimento e Formação. Que iniciativas destaca, na vossa actividade em 2012, e entre os projectos que têm em curso? Contudo, em 2012 destacaria duas iniciativas: Uma, que na verdade constituiu um conjunto de iniciativas, foi a que resultou num documento onde constam 26 propostas para a Cooperação Portuguesa que foram entregues aos decisores políticos. Face à ausência de uma estratégia para a Cooperação portuguesa que até hoje persiste, a Plataforma reuniu as suas associadas em diferentes momentos, debateu e construiu um conjunto de propostas. Posteriormente e com base nessas propostas, a Plataforma alargou o debate aos outros actores da cooperação: reuniu empresas, autarquias, universidades, fundações e construiu sobre as suas propostas outro conjunto de propostas que constituíram as da sociedade civil. Até hoje foram ignoradas. O défice democrático também chegou aqui. Quase todas as partes interessadas na cooperação pública fazem propostas num sentido, e o suposto representante democrático de todas as partes ignora. Outra iniciativa foi a construção dos termos de engajamento que regulam as parcerias para a cooperação ente o sector privado e as ONGD. As empresas foram consideradas, em Busan, como parceiros para a Cooperação. Como tal, as ONGD não podem deixar de estudar e estabelecer os critérios segundo os quais se deverão relacionar com as empresas, não perdendo a sua identidade e assegurando que o trabalho em parceria seja sempre em benefício das populações mais desfavorecidas. Este processo (ainda em fase de operacionalização) envolveu a ELO, representando um conjunto de empresas que têm interesses nos países onde as ONGD portuguesas habitualmente trabalham, e tem contado com o apoio e encorajamento da Gulbenkian e da SOFID. Entre workshops e ciclos de cinema, esta Plataforma vem dedicando uma atenção especial aos eventos de natureza cultural. Em que medida é a Cultura fundamental para uma intervenção social efectiva, por parte de todos (Estado, meio empresarial, sociedade civil), nas áreas da Cooperação para o Desenvolvimento, APD e Educação para o Desenvolvimento?
|
|||||||||||||||||||||||||||
Jornalista