POR MÁRIA POMBO
Sendo caracterizados como “mecanismos de financiamento que pressupõem a celebração de uma parceria entre investidores sociais, entidades do sector público e entidades implementadoras, para concretizar resultados sociais específicos”, os Títulos de Impacto Social (TIS) estimulam as organizações sociais a desenvolver projectos com impacto social, potenciando também, e preferencialmente, o seu retorno financeiro. Os contratos são celebrados entre organismos do sector público e investidores sociais, e o financiamento (disponibilizado por investidores privados) é canalizado directamente para organizações sociais, as quais têm como função alcançar determinados resultados.
Nestes contratos, as entidades públicas comprometem-se a reembolsar os investidores sociais se os resultados sociais acordados forem alcançados pelas organizações. Caso isso não aconteça, são os investidores sociais que assumem os prejuízos do seu investimento, podendo não receber nada ou apenas uma parcela do montante disponibilizado. Deste modo, o risco recai sobre investidores privados e não sobre os orçamentos públicos, se os resultados não forem alcançados.
Afastando-se do financiamento tradicional – em que uma entidade apoia o desenvolvimento de actividades e projectos realizados por uma organização social – os TIS revelam ser um financiamento com base nos resultados, estimulando a resolução de problemas sociais e a satisfação de necessidades sentidas por diversos grupos ou segmentos populacionais vulneráveis (como crianças que vivem no seio de famílias problemáticas, idosos que não têm acesso a cuidados dignos de saúde, ou jovens em situação de desemprego de longa duração, por exemplo).
De acordo com o documento Nota de Investigação #3 – Títulos de Impacto Social, do Laboratório de Investimento Social (LIS), “um dos factores diferenciadores dos TIS é a análise do custo económico de um problema social”. No mesmo documento, os seus autores explicam que, através da análise económica de determinados problemas, “é possível avaliar o valor económico de uma melhoria nos resultados sociais em diferentes áreas, desenvolver um modelo de negócio e atrair investimento para financiar serviços que ofereçam uma base de evidência no alcance desses resultados sociais”.
As vantagens deste mecanismo são diversas: por um lado, o risco do investimento recai sobre o sector privado e não sobre o Estado; por outro lado, o sector privado tem a garantia de que, caso os projectos que apoia resolvam determinados problemas sociais, o montante investido será reembolsado, o que resulta num grande incentivo ao seu investimento. Finalmente, e em última instância, a sociedade fica a ganhar, já que as organizações são estimuladas a resolver diversas situações sociais. Ou seja, “além de representarem uma nova forma de financiamento de projectos sociais, uma das principais propostas de valor dos TIS é permitirem o alinhamento dos interesses de organizações sociais, investidores privados e o sector público”, como está explicado no documento acima citado.
O primeiro TIS surgiu no Reino Unido, em 2010, com o objectivo de apoiar um estabelecimento prisional a promover a reabilitação de indivíduos que cumprem sentenças de curta duração, reduzindo assim a taxa de reincidência.
Já em Portugal, esta iniciativa foi implementada em 2015, sob a alçada da estrutura de missão Portugal Inovação Social. A mesma permitiu que, através de um investimento feito pela Fundação Calouste Gulbenkian (FCG), a Academia de Código Júnior ajudasse 65 alunos do 1º ciclo do Ensino Básico a melhorar o seu desempenho escolar e a capacidade de resolução de problemas, através da aprendizagem de programação em código. A melhoria de 10% do raciocínio lógico dos alunos e a melhoria de 10% do seu desempenho escolar eram os grandes objectivos desta parceria, e foram alcançados no prazo estipulado. Desse modo, os 120 mil euros que a FCG investiu neste projecto foram-lhe reembolsados na totalidade por uma entidade pública (que, neste caso, foi a Câmara Municipal de Lisboa).
Mais recentemente, e com o apoio do Laboratório de Investimento Social, foram celebrados três novos contratos entre entidades públicas e investidores privados que apoiam financeiramente projectos sociais, o que resultou na atribuição de três novos Títulos de Impacto Social.
Apoiar famílias evitando a institucionalização dos menores
O Projecto Família (PF) foi um dos seleccionados para participar nesta iniciativa, tendo recebido apoio financeiro por parte da FCG e da Caixa Económica Montepio Geral. Este projecto é promovido pelo Movimento de Defesa da Vida (MDV), existe em Portugal desde 1996, e intervém junto de famílias desestruturadas e onde existem crianças e jovens em risco. Evitar a institucionalização destas crianças e jovens, através da capacitação das famílias, é o principal objectivo desta iniciativa. A mesma pretende ainda preservar a família (salvaguardando os direitos da criança), promover o exercício de uma parentalidade positiva (identificando os factores de risco e protecção das famílias e hipóteses de mudança, e desenvolvendo competências parentais, pessoais e sociais), e implementar um modelo de intervenção intensiva e breve junto das famílias, promovendo também a sua integração social.
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De acordo com Carmelita Dinis, “o técnico do Projecto Família tenta suscitar mudanças de comportamento necessárias à segurança e bem-estar das crianças e jovens, evitando a sua retirada e zelando no sentido de preservar a unidade da família e o primeiro espaço de vinculação e socialização da criança”. Complementarmente, a responsável pelo projecto explica ainda que “por outro lado, e no caso das crianças que estão institucionalizadas com perspectiva de regressar posteriormente às suas famílias de origem, o PF intervém numa perspectiva de ajudar os pais a preparar este regresso e a garantir que desenvolveram as aptidões parentais necessárias, eliminando assim os factores de risco”.
O projecto tem como objectivo a intervenção em crise em contexto domiciliário, com famílias com crianças e jovens em risco, capacitando a família e cada um dos seus elementos para a resolução de problemas existentes, de modo a eliminar as situações identificadas como sendo de risco/perigo. Evitando assim, sempre que possível, a retirada das crianças e jovens do seio familiar, permitindo o seu regresso após institucionalização e/ou intervindo em situações de autonomia de vida.
A intervenção passa pelo treino de competências, desde tarefas de gestão financeira (planificação de custos e ganhos mensais) e de gestão e organização doméstica (auxílio na limpeza e arrumação da casa, obtenção de banco alimentar, mobiliário, ou outros), até à gestão de conflitos entre o casal e/ou entre pais e filhos, passando pela imposição e gestão de regras e limites. Quando necessário, são feitos encaminhamentos para consultas de psicologia, e outras consultas de especialidade. O técnico presta ainda apoio nos estudos (ajuda na realização de trabalhos de casa e de actividades dinâmicas pedagógicas) e acompanha a família a serviços jurídicos e outros serviços (por exemplo, Loja do Cidadão, Segurança Social, Centro de Emprego, emissão de NIF e procura de emprego ou cursos de formação).
Numa fase posterior, e alguns meses após o fim do acompanhamento permanente por parte do técnico, é feita uma avaliação à família, analisando-se se esta está a conseguir manter as mudanças iniciadas no decurso da etapa anterior. Durante esta etapa podem ocorrer contactos pontuais, sempre que se considere necessário.
Como salienta Carmelita Dinis, “este método actua antes que seja tomada a decisão do afastamento dos menores ou em que se prevê o seu regresso no caso de estar institucionalizada, e os resultados têm sido bastante positivos”. Para a responsável, “a aprovação desta candidatura é um enorme reconhecimento de que o Projecto Família é uma actividade com um potencial de mudança e de uma intervenção com verdadeiros impactos na família e na sociedade”. Carmelita Dinis explica ainda que “com o reconhecimento e resultados obtidos através deste projecto que agora iniciamos no Porto, acreditamos que vamos conseguir crescer, chegar a mais famílias e a mais crianças, promovendo o seu valor fundamental enquanto célula base de uma sociedade equilibrada e produtiva e permitindo que existam alternativas e soluções para tantas famílias”.
Este projecto, que actua na área da protecção social, recebeu cerca de 430 mil euros e, se os resultados previstos forem alcançados, esse montante será devolvido aos investidores sociais pelo Instituto da Segurança Social, na qualidade de entidade pública responsável pelo mesmo.
Porque é urgente acabar com o desemprego
Outro projecto seleccionado para participar nos TIS foi o Faz-Te Forward, o qual recebeu apoio financeiro por parte da FCG e da Deloitte. Este projecto é uma iniciativa da Associação para o desenvolvimento pela Tecnologia, Engenharia, Saúde e Educação (TESE) e foi lançado em 2011 com o objectivo de combater o desemprego jovem em Portugal através da capacitação para o mercado de trabalho deste segmento populacional. Em cada edição do Faz-Te Forward, um grupo de 30 jovens participa num programa de capacitação intensivo e personalizado que dura cinco meses e assenta em três metodologias: formação, coaching e mentoria.
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A responsável pelo projecto explica que, “através da formação, que acontece uma vez por semana e que é dinamizada por vários formadores convidados, de uma forma prática e vivencial, os jovens desenvolvem as soft skills mais valorizadas pelos empregadores quando recrutam jovens, por exemplo trabalho em equipa ou proactividade e iniciativa, mas também competências de procura de emprego”. Adicionalmente, Inês Oliveira e Carmo revela que “a componente de coaching é realizada individualmente com o acompanhamento de coaches profissionais certificados e tem uma regularidade quinzenal”, sublinhando que “o coaching permite essencialmente desenvolver competências pessoais relacionadas com o autoconhecimento, como a motivação ou a responsabilidade, que também se encontram entre as cinco competências mais valorizadas pelos empregadores”.
Esta edição do Faz-Te Forward realiza-se na cidade do Porto, podendo participar no projecto jovens adultos (entre os 18 e os 29 anos), residentes na Área Metropolitana do Porto e que estejam desempregados ou à procura do primeiro emprego, com formação profissional ou superior, ou que sejam finalistas de uma formação profissional ou superior. Complementarmente, a responsável por esta iniciativa sublinha que “na selecção dos participantes é dada prioridade a jovens que, devido às suas condições socioeconómicas, enfrentam um risco acrescido de ficarem ou permanecerem sem trabalhar e sem estudar”.
Depois do lançamento da primeira edição do projecto em 2011, foram realizadas mais quatro edições em Lisboa, abrangendo mais de 160 jovens até 2016, um período que, para Inês Oliveira e Carmo “representou uma fase de consolidação do modelo de intervenção Faz-Te Forward, sendo depois essencial avançarmos para a chamada fase de scaling up, não só em termos quantitativos, mas também regionais, chegando a mais jovens e a um novo território”.
Para a responsável, o Título de Impacto Social ajudou a reunir as condições para que este passo pudesse ser dado, contribuindo para “a mobilização de novos parceiros, interessados em efectuar um investimento no crescimento de projectos com impacto já comprovado, como é o caso da Fundação Calouste Gulbenkian e da Deloitte”. Para além da expansão do projecto, o TIS permitirá ainda “aumentar a sua eficácia, através do aumento do limite de idade dos participantes (de 25 para 29 anos, considerando que, de acordo com dados do INE referentes a 2016, o escalão dos 25 aos 29 anos é aquele que apresenta maior número de jovens que não estão em situação de emprego, educação ou formação), e aumentar a sua eficiência, através da concentração do programa de capacitação de 6 para 5 meses, o que irá permitir actuar com dois grupos de 30 jovens por ano e, assim, duplicar o número de jovens abrangidos”.
Este projecto, que actua na área do emprego, recebeu um apoio monetário de cerca de 387 mil euros. Se os objectivos – que passam por aumentar a empregabilidade de 150 jovens, contribuindo para a integração profissional de, no mínimo, 40% dos mesmos – forem alcançados, o montante será devolvido aos investidores sociais pela entidade pública responsável, que neste caso é o Instituto de Emprego e Formação Profissional.
O terceiro projecto aceite para os TIS foi o Bootcamp da Academia de Código, recebendo um investimento de cerca de 723 mil euros por parte da Associação Shared Services & Outsourcing Platform (ASSOP) e da FCG. Trata-se de um programa de formação em programação informática para jovens desempregados licenciados em qualquer área, que pretende mudar o rumo das suas vidas profissionais e promover a sua integração no mercado de trabalho.
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Em 2015, e através da Academia de Código Júnior – que resultou no primeiro TIS em Portugal e que trabalha as competências cognitivas de crianças do primeiro ciclo – a Academia de Código demonstrou ter capacidades para criar impacto social ao nível da educação. Desta vez, a mesma pretende firmar-se como uma organização que tem competências para diminuir a taxa de desemprego do nosso país, formando jovens que possam preencher as cerca de 10 mil vagas em programação informática, em Portugal. Para os seus promotores não existem dúvidas: “se saber ler e escrever código dá algum trabalho, dá ainda muito mais emprego”.
De modo intensivo, os Bootcamps têm a duração de 14 semanas, com horários entre as 9h e as 20h, cinco dias por semana. Como explica Rui Ferrão, “durante estas 14 semanas, as pessoas que participam não podem fazer mais nada na vida delas para além de se dedicarem ao código e respirarem código”. O master coder da Academia de Código reforça que “mais do que debitarmos teoria, pedimos às pessoas que façam”. Dedicação e capacidade de entrega são as principais características que devem ter os participantes, já que o objectivo é que estes ingressem no mercado de trabalho pouco tempo depois de participarem neste projecto. Finalmente, e vendo o sucesso que os diversos Bootcamps têm tido, os promotores desta academia pretendem “até 2020, requalificar e alocar 10 mil candidatos ao mercado de trabalho”.
Se a integração no mercado de trabalho de 60% dos participantes nos Bootcamps for alcançada, os investidores sociais receberão de volta o montante investido, neste caso pelo Instituto de Emprego e Formação Profissional.
Através dos Títulos de Impacto Social, a Portugal Inovação Social demonstra como é possível alinhar os interesses do sector público e privado, pondo-os ao serviço da sociedade e resolvendo alguns dos seus maiores problemas, nomeadamente ao nível do emprego e da protecção de menores.
Jornalista