POR ANA SALOMÉ MARTINS
A resposta à questão “Na minha empresa, sinto confiança para expressar a minha opinião, ainda que contrária à da maioria?” é, inequivocamente, sim! Contudo, quer o filme, quer a pergunta colocada lançam um desafio muito vasto que interessa explorar.
Desde logo, o que é a coragem moral? Qual é o papel e a influência do contexto e das condições objectivas? O arquétipo social vigente do “politicamente correcto” estará a potenciar ou a minar a capacidade de manifestar posições corajosas, do ponto de vista moral? Qual é o sentido da evolução das coisas, em relação a este tema?
Uma definição simples de coragem moral será a de que se trata da capacidade de agir de acordo com o que é certo, mesmo que as circunstâncias não sejam favoráveis. A acção reflecte a responsabilidade que o indivíduo reivindica para si acerca do mundo que o rodeia.
É claro que, tal como defende Ortega Y Gasset, se exige sempre um mínimo de liberdade para o agir moral, mas por outro lado, falando-se de coragem, a exigência quanto às circunstâncias, pelo menos até um ponto limite de razoabilidade (por exemplo, a dos direitos humanos) não deixará de ser antagónica da revelação da própria coragem moral. Ou seja, em princípio, quanto maior o nível de conforto exigido, ao contexto e às circunstâncias, para a acção ética, menor o grau da coragem moral manifestada em concreto pelo indivíduo. O indivíduo dissolve-se nos outros, na multitude, faz o que fazem os demais, tornando-se esta a medida do seu agir.
É vulgar, nos dias de hoje, ouvirmos falar da falta de coragem moral. E, para quem desempenha cargos de topo em organizações, terá de existir a preocupação de criar mecanismos que permitam dissipar o medo, característica incontornável da sociedade que temos.
Na vida pessoal, uma grande parte das pessoas já não partilha abertamente muitas das suas convicções, senão num círculo muitíssimo íntimo e controlado. A pressão que criam sobre si próprias, através de comportamentos cada vez mais inibidos e inibidores, faz com que cheguem ao núcleo das suas relações profissionais já muito desconectados da voz ética.
É evidente que todos temos memória de ouvir falar de circunstâncias (e alguns, a dolorosa experiência de as ter vivido) em que a dureza e a aridez moral da realidade na qual o indivíduo se inseria era tal, que nenhum tipo de coragem moral seria compatível com a sua humanidade. Mas, por outro lado, todos associamos a coragem moral a figuras míticas que, justamente, renderam toda a sua existência contingente a um valor ético, ao qual quiseram ligar-se para lá de qualquer apelo do sofrimento concreto, da pressão ou da própria quebra da vontade.
Ainda assim, no mundo actual, com a densidade das redes organizacionais, muitas vezes suportada em formatos matriciais difíceis de desvendar, do ponto de vista da distribuição de responsabilidade, creio que a oportunidade propiciada por um quadro global, saudável e ético, é uma mais-valia que não podemos relativizar. A promoção de políticas e processos que facilitem o agir ético e a atitude moral é essencial para que as organizações se tornem cada vez mais sustentáveis no seu contributo para com a sociedade.
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Creio que todos compreendemos que, de um prisma colectivo e particularmente, de uma certa “cidadania das instituições”, faz todo o sentido que se invista esforço e reputação na criação de condições objectivas mínimas em que, um homem normal (e nos dias de hoje, deverei acrescentar, uma mulher normal!) possa desenvolver comportamentos correctos, do ponto de vista ético, manifestando-os com coragem natural, em prol de um bem maior que todos supere.
Mas o papel da convicção e da força moral não deverá ser suprimido ou substituído pela bonomia do ambiente. A coragem moral não pode ser apenas encenada, assumindo-se como uma postura inteiramente despida de risco, ou da determinação interior de cada um assumir as consequências do que sabe ser eticamente certo. Esta é uma ideia que deve ser passada, com vivacidade e exemplaridade às gerações mais novas.
Às organizações, ecossistemas de decisão muito complexos, onde os dilemas morais escalam consequências que se repercutem de forma directa na sociedade, deixo o desafio de criarem um contexto objectivo, no qual apenas os cobardes se sintam impedidos de reagir diante de atitudes eticamente condenáveis, ou de agirem, eles próprios, de forma moralmente ajustada.
A sustentabilidade de longo prazo das organizações, o sucesso visto numa perspectiva mais lata, depende da capacidade de promover um desempenho colectivo cada vez mais válido do ponto de vida ético, moral e reputacional. Também na minha organização, onde me sinto inteiramente livre de expressar as minhas opiniões, tantas vezes minoritárias, há ainda trabalho a empreender.
Directora de Pessoas e Comunicação da Nors