Cada vez mais comuns, cada vez mais participados, os protestos que grassam nas ruas da Europa começam a incomodar os políticos e as políticas vindas de Bruxelas. Mas qual é, na verdade, a sua eficácia? O VER foi à procura de respostas, analisando opiniões e papers que concluem que a “ocupação” não é substituto para a estratégia. Transformar toda esta energia numa compreensão da actual situação em que vivemos é o desafio. Mas também é preciso não esquecer que existe uma linha muito ténue entre descontentamento e revolta, linha esta que a Europa pode estar a subestimar
Os protestos e a oposição relativamente à União Europeia têm vindo a sentir-se num crescendo sem paralelo. Não só em termos de intensidade, como também no que respeita a sectores cada vez mais alargados da sociedade, ocupando um espaço cada vez mais central na esfera pública e, de alguma forma, a afectar os políticos e as políticas vindas de Bruxelas. De uma forma, geral, multiplicam-se os movimentos sociais, em muitos casos apartidários e multi-geracionais, as greves que imobilizam os países e as demonstrações massivas anti-austeridade em muitas capitais europeias. Os cidadãos saem às ruas e, em comum, manifestam-se contra o “genocídio social” que está a ser imposto pela oligarquia financeira da UE. Por outro lado, intensificam-se igualmente os extremos, à direita e à esquerda, e os observadores temem que o rastilho dê origem à explosão. Na verdade, os cidadãos europeus estão mais descontentes do que nunca com os seus governos nacionais, em particular, e com a Europa, no geral. E o fenómeno, como sabemos, não é propriamente novo: em 2010, o Eurobarómetro, que avalia as tendências de opinião pública na Europa registou, e pela primeira vez na sua história, uma situação na qual os índices de desconfiança na União Europeia ultrapassaram os da confiança. E os níveis desta desconfiança foram elevados em todos os países da UE, sem excepção. Um outro indicador, considerado já alarmante na altura, residiu na elevada percentagem de cidadãos que sentiam que a União Europeia, bem como o seu próprio país, estavam a seguir a direcção errada. Dois anos passados e os protestos subiram de tom, principalmente no “sul” da Europa, onde a troika, em conjunto com as suas políticas, é o demónio que “raptou a soberania popular”, como se podia ler num dos cartazes empunhados pelos manifestantes espanhóis num dos cercos realizados ao seu Parlamento. Ou, como noticiou o jornal Expresso, citando o ex-vice presidente da agência Moody’s, Christopher T. Mahoney “está na hora de uma revolução na zona euro, o tempo para uma discussão educada terminou. O que está em causa não são um ou dois por cento de crescimento económico no Sul, mas, pelo contrário, a diferença entre um futuro de prosperidade e um de depressão”. A “estricnina e arsénio da troika” foram também epítetos utilizados por Mahoney, no mesmo dia em que o presidente da República portuguesa, em entrevista ao Expansión, o jornal económico mais lido de Espanha, afirmava que “os políticos não podem ignorar a voz do povo”.
A verdade é que, e como se pode ler num paper recente realizado pelo Freeman Spogli Institute for International Studies, pertencente à Universidade de Stanford, apesar de todos os seus sucessos e feitos, a Europa está a passar por um crise por demais profunda e dolorosa, apesar de provas dadas e sem paralelo no que respeita a consolidar a governança democrática e os direitos humanos em todo o continente, diminuindo fronteiras, tangíveis e ideológicas. A solidariedade, a redistribuição e a união na diversidade foram os princípios que conduziram à integração europeia e que alteraram as relações entre os seus estados-membros. Mas e apesar de todas estas conquistas, comummente dadas como garantidas, a integração europeia há muito que deixou de conseguir gerar o entusiasmo e a aceitação por parte dos seus cidadãos. Geralmente percepcionada como um veículo de mudança e liberalização, a Europa de hoje transformou-se numa ameaça para aqueles que se consideram a si próprios em risco e assustados pela brutal reestruturação económica que nela está a ter lugar. Muitos sectores da sua população estão a tentar combatê-la e os discursos sobem de tom, ao mesmo tempo que, em alguns casos, os extremismos populares voltaram a fazer parte da arena política. Os partidos que estão na oposição raramente se diferenciam dos que estão no governo no que respeita às principais questões políticas e económicas, na medida em que esta tem sido a regra de jogo ditada pela própria Europa. E foram também os políticos europeus que acabaram por institucionalizar a prática dos acordos em “pacotes”. Consequentemente, os principais partidos políticos perderam a legitimidade aos olhos dos cidadãos europeus. Por outro lado, e como refere um outro paper publicado pela organização CommonDreams, as eleições têm sido vistas como despojadas de sentido na medida em que políticas neoliberais, que promovem a desregulação do mercado, as privatizações e o mercado laboral flexibilizado, são perseguidas de formas demasiado similares seja por governos de centro-direita ou de centro-esquerda. Assim, e entre a abstenção ou os votos de protesto a favor de partidos de franja ou mais radicais, o eleitorado europeu está, de forma cada vez mais dura, a demonstrar o seu descontentamento e a sua intranquilidade face a este estilo de governação. Finalmente e com os níveis cada vez mais baixos de confiança nas principais instituições políticas, consideradas como corruptas, ineficientes, ineficazes e irrelevantes, os protestos explodem nas ruas. Protestos três-em-um Para alguns cientistas sociais, como é o caso de Ariana Giovanni, doutorada na Escola de Estudos Culturais da Universidade de Leeds, o denominador comum entre estes movimentos espalhados por vários países da Europa (e que não se resumem apenas aos “intervencionados”) reside no facto de estarmos perante um divórcio claro com o establishment, abrindo caminho para uma mobilização em massa cujas palavras de ordem exortam a “uma outra forma de fazer política”, criticando e distanciando-se da cultura política europeia dominante, percepcionada como elitista, tecnocrática e, mais significativo que tudo o resto, completamente distanciada das preocupações dos seus cidadãos comuns. Mas há também quem defenda que são várias as espécies de protestos que se unem e misturam nas ruas da Europa. De acordo com Chris Bickerton e Alex Gourevitch, especialistas em relações internacionais e editores do blogue CurrentMoment, são basicamente três os fios que se entrelaçam nos protestos europeus. Como actor principal, o protesto contra os impactos imediatos das políticas governamentais. Escusado será dizer que as manifestações mais violentas e concorridas são as que têm como palco os países cujas economias estão a enfrentar uma recessão sem precedentes e medidas de austeridade agressivas, de que são exemplo a Grécia, Portugal, Espanha e Itália. Mas os outros dois “fios” são mais abstractos, sendo que um deles está relacionado com justiça e o outro com questões de “representação”. O ataque a banqueiros e financeiros reflecte um sentimento de frustração e a eterna questão “por que motivo tão poucos têm tanto?”. O famoso slogan “nós somos os 99%” que tomou de assalto o movimento de ocupação de Wall Street, acabou por se transformar num sentimento que uniu os protestos em ambos os lados do Atlântico. O slogan foi imediatamente adoptado pelos manifestantes do movimento análogo “Occupy London” e, em França, foi ligeiramente alterado para “eles têm mais, mas nós somos mais” (ils ont plus, nous sommes plus). O que, em termos de representação, a preocupação se baseia tanto numa crítica à distribuição da riqueza como também na convicção de que os governos foram capturados pela elite financeira. Um dos principais slogans utilizados nas conturbadas manifestações em Espanha, por exemplo, é o da “verdadeira democracia, já!” ou “não, não, eles não nos representam”.
A nuvem negra que paira sobre a UE Como também questionava um artigo publicado em 2011, pelo Economist, intitulado “Not quite together” e que concluía que, apesar da proliferação de protestos, o seu objectivo não era claro, “até que ponto é que estão dispostos os cidadãos das sociedades ocidentais, modernas, e social-democratas a derrotar o capitalismo?”. Estas questões acabam por colocar em causa também a eficácia dos próprios movimentos sociais. Se estes são suficientemente capazes de elevar as dúvidas sobre as funcionalidades de governos como o de Portugal ou o de Espanha e de fazer colapsar a confiança (já demasiado débil) dos credores e potenciais investidores, essa escolha, aos olhos do mundo, “não terá, decerto, vantagens para todos”. Talvez seja ainda cedo para se retirarem conclusões do potencial poder de mudança que os protestos poderão infligir na caminhada europeia. Mas uma coisa é certa: o povo está de costas voltadas para as elites políticas e, muitas vezes, a linha que separa o descontentamento de uma verdadeira revolução é ténue. E são já muitas e estridentes as vozes que apelam à revolta. |
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Editora Executiva