Maior produtividade, menores níveis de stress e de fadiga, melhor bem-estar e saúde no geral, mais tempo para a vida pessoal e mais poupança de recursos. Estes são os resultados que mais destaque merecem nas notícias que, crescentemente, nos vão chegando sobre organizações que experimentaram ou implementaram horários reduzidos nas suas jornadas laborais. Mas do desejo à realidade vai um longo caminho e são ainda muitas as dúvidas que persistem face aos benefícios, para empresas e trabalhadores, que a semana de quatro dias poderá oferecer
POR HELENA OLIVEIRA

Não deverão existir muitos trabalhadores que não desejem que a semana de quatro dias de trabalho se torne uma realidade. Com cada vez mais experiências a terem lugar em vários países desenvolvidos, a possibilidade de comprimirmos a nossa jornada laboral semanal e ganharmos um dia livre afigura-se como a situação ideal para todos aqueles que anseiam libertar-se das amarras do excesso de trabalho. Todavia, e apesar de serem já várias as organizações que optaram por esta possibilidade e outras tantas que a estão a experimentar durante determinados períodos de tempo, e com resultados positivos, diminuir a carga horária da semana laboral encerra ainda muitas dúvidas e preocupações pertinentes.

A mais recente experiência partilhada por toda a comunicação social nos últimos dias foi a que teve lugar na Microsoft Japão, intitulada “Work-Life Choice Challenge Summer 2019”, na qual aos empregados, e durante o mês de Agosto, foram concedidas cinco sextas-feiras livres, em conjunto com a limitação das reuniões a 30 minutos ou menos e as mensagens online a substituírem as conversas face a face. Para além disso, alguns empregados tiveram ainda a possibilidade de trabalhar apenas três dias e outros apenas remotamente.

A filial japonesa da gigantesca Microsoft revelou os resultados desta experiência num relatório publicado no seu website, comparando os dados da performance de vendas e outras métricas deste último Verão com o mesmo período de 2018. E os resultados foram bastante positivos. Para além de um aumento de quase 40% (39,9%) em vendas por empregado, o número de reuniões em formato “mini” ascendeu aos 46% e, em termos de recursos, a diminuição de páginas impressas chegou aos 58,7%, com os custos com electricidade a serem reduzidos em 23%. Cerca de 92% dos trabalhadores que participaram na experiência admitiram o seu entusiasmo face à mesma, o que também não é surpreendente, em particular num país como o Japão, onde a cultura de trabalho agressiva exige que sejam muito aqueles que são obrigados a trabalhar horas extras, em jornadas já por si demasiado longas. Na verdade e trabalhar até à exaustão – e até à morte – é comum o suficiente para que exista uma palavra para isso mesmo – karoshi -, ao mesmo tempo que existe uma outra para trabalhadores que se suicidam devido a situações de stress relacionado com o trabalho – karojisatsu.

Trabalhar menos, descansar bem e aprender muito” foi a mensagem do presidente e CEO da Microsoft Japão, Takuya Hirano, numa declaração endereçada aos 2300 empregados a quem foi concedida esta oportunidade, acrescentando, no website da empresa, que a ideia foi oferecer a possibilidade aos seus trabalhadores de pensarem e experimentarem formas de atingir os mesmos resultados com 20% a menos de tempo de trabalho. Complementarmente ao aumento da produtividade em 40%, os empregados que participaram neste projecto-piloto assumiram-se como mais felizes e, consequentemente, com vontade de produzir mais. A empresa está a equacionar a ideia de repetir a experiência durante mais um período controlado de tempo ainda este Inverno.

Uma outra experiência recente foi efectuada pela Perpetual Guardian, uma empresa de serviços financeiros sedeada na Nova Zelândia, com 240 empregados, e que reduziu a sua semana laboral também para quatro dias ao longo de oito semanas. Este outro projecto-piloto foi monitorizado por académicos de duas universidades da cidade de Auckland e os resultados comparados com um inquérito realizado um ano antes sobre liderança, estímulo, empowerment e níveis de compromisso. Entre os resultados, destacam-se os níveis de empenho e o empowerment, mas também um decréscimo dos níveis de stress de 45% para 38% e uma melhoria no equilíbrio entre vida pessoal e profissional de 54% para 78%. A semana de trabalho foi reduzida de 37,5 horas para 30 e, de acordo com o The Guardian, a empresa recebeu mais de 350 pedidos de informação sobre a experiência por parte de 28 países, com a maioria a ser proveniente de organizações no Reino Unido – onde existe um movimento forte para a transição para a semana de quatro dias -, da Austrália, dos Estados Unidos e da Alemanha. Por parte dos participantes, um dos resultados mais partilhado diz respeito a uma maior concentração nas tarefas, com menor multitasking, e com os gestores a reportarem que as suas equipas ganharam uma maior criatividade depois de realizada a experiência. O facto de serem obrigados a encontrar soluções eficazes que lhes permitissem efectuar o mesmo volume de trabalho em menos horas, conferiu-lhes um maior sentido de responsabilidade e um envolvimento muito mais positivo no serviço ao cliente. Ao The Guardian, o fundador e CEO da Perpetual Guardian, Andrew Barnes, afirmou que “para além do maior bem-estar, os gestores reportaram que as suas equipas funcionaram significativamente melhor, com maiores níveis de satisfação com as suas tarefas, mais comprometidos com a organização e com sentimentos de maior propósito relativamente ao trabalho que realizam”. A empresa reportou igualmente um aumento de 20% na produtividade.

Mais trabalho será cumprido em seis horas de concentração do que em oito de desconcentração?

Os vários exemplos bem-sucedidos da transição para a semana de quatro dias de trabalho começam a ser mediatizados e a colocar, de forma crescente, esta possibilidade no centro do debate em muitas economias desenvolvidas.

Mas o problema principal desta ideia – ainda profundamente demagógica na generalidade dos casos – é que a carga de trabalho continua a ser a mesma, independentemente do número de dias em que tem de ser cumprida. É que, e apesar do entusiasmo de alguns, o dia continua a ter 24 horas e comprimir o trabalho de cinco dias em quatro tem, e obviamente, várias questões associadas. E se os resultados positivos elegem sempre os menores níveis de stress, a diminuição da fadiga e os maiores níveis de concentração, a verdade é que o outro lado da moeda pode significar exactamente a antítese destes pontos positivos. Ou e por outras palavras, se os empregados têm de cumprir o mesmo trabalho em menos tempo, tal significa que podem ficar mais stressados, mais cansados e com dificuldades de concentração, visto que está comprovado que muitas horas seguidas de trabalho não ajudam nem à produtividade nem ao bem-estar. Complementarmente, todos nós sabemos que mantermo-nos concentrados ao longo de oito horas é um desafio gigantesco e, para conseguirmos lidar com ele, acabamos por arranjar estratégias para o tornar mais ‘suportável’, fazemos mais pausas, com muitos trabalhadores também a passarem demasiadas horas no escritório, sem estarem, necessariamente, a trabalhar, mas antes a consultar o email ou a fazerem likes ou tweets nas redes sociais.

Mas atentemos aos defensores dos benefícios desta redução no horário laboral. Comecemos pela opinião de Adam Grant, o reconhecido psicólogo organizacional e autor do best-seller Originals: How Non-Conformists ove the World, que assegura, num artigo da Harvard Business Review, que “quanto mais complexo e criativo for o trabalho, menos sentido faz prestar atenção às horas que nele investimos”. De acordo com Grant, muitas pessoas desperdiçam quantidades significativas de tempo nos seus horários laborais “normais” e, por isso mesmo, o psicólogo “aposta” que muito mais trabalho seria cumprido em seis horas de concentração do que em oito de desconcentração.

Quando se aborda a ideia da semana reduzida de trabalho, o problema principal que salta à vista é, exactamente, o do excesso de trabalho que permeia o mercado laboral da actualidade. Num estudo realizado no Reino Unido entre 2017 e 2018, concluiu-se que 57% dos dias não trabalhados [baixa por doença] estavam relacionados com stress, ansiedade ou depressão devido às exigências laborais e 44% dos mesmos tinham como causa única a pressão inerente ao excesso de trabalho. Assim, e seguindo uma lógica simples, com mais tempo para recuperar e descansar, os trabalhadores terão, supostamente, uma performance melhor, gostarão mais do trabalho que executam e, inevitavelmente, tirarão menos dias de baixa. E, mais uma vez, são já numerosos os estudos que indicam que as organizações que estão a implementar a semana de quatro dias não só reportam maiores índices de produtividade, mas um decréscimo nos níveis de fadiga, com melhorias na saúde e no bem-estar no geral. A Suécia é também um bom exemplo nesta matéria, na medida em que foi pioneira em experiências com semanas mais curtas de trabalho, nomeadamente no sector público, mas também no privado, e sobre as quais o VER já escreveu.

Também este ano, uma investigação realizada pela britânica Henley Business School, e que envolveu 505 líderes de negócios e mais de dois mil trabalhadores no Reino Unido participantes numa jornada mais curta de trabalho, reportou os seus resultados, os quais combinam prós e contras. Cerca de metade dos líderes inquiridos que implementaram a semana de quatro dias para alguns ou para todos os seus trabalhadores a tempo inteiro, reportou um maior nível de satisfação com o trabalho e redução no número de baixas por doença. Entre os trabalhadores, 77% identificaram uma ligação clara entre a semana de quatro dias e uma melhor qualidade de vida. A prática é considerada particularmente atractiva por 75% dos millennials e da geração X, os quais, em vez de relaxarem, aproveitaram o dia extra para melhorar as suas competências, fazer voluntariado ou estar com a família. Dois terços (67%) dos millennials respondentes afirmaram ainda que uma semana de trabalho de quatro dias influenciaria significativamente a escolha do seu empregador. No geral, e de acordo ainda com as respostas dos inquiridos, a prática foi adoptada dividindo os trabalhadores em horários rotativos, nos quais metade dos participantes não trabalha às segundas-feiras e a outra não o faz às sextas-feiras, o que permite às empresas não fecharem as suas instalações nenhum dia.

Mas e como já anteriormente mencionado, esta prática não encerra apenas pontos positivos. A pesquisa concluiu também que quase 73% dos líderes envolvidos demonstraram várias preocupações relacionadas com a implementação de horários laborais reduzidos, nomeadamente questões de regulação de contratos, em conjunto com todas as burocracias associadas, bem como desafios vários para a força laboral.

E se os exemplos bem-sucedidos são aqueles que mais partilhados são, é óbvio que existem também vários casos em que a experiência não correu bem. Em 2019, a Wellcome Trust, sedeada em Londres e considerada como a segunda maior caridade dedicada à pesquisa para melhorar a saúde humana e animal, deu por terminada uma semana de quatro dias para a sua força laboral de 800 pessoas, afirmando que esta era “demasiadamente complexa para implementar”; por seu turno, uma grande firma de RH sedeada nos Estados Unidos, a Treehouse, implementou igualmente a semana de quatro dias em 2016, acabando por abandonar a ideia por considerar que a empresa falhou em manter-se a par da concorrência, regressando por isso aos cinco dias de trabalho.

Adicionalmente, e numa pesquisa realizada na Austrália pela Collective Campus, uma start-up dedicada à inovação corporativa sedeada em Melbourne, a introdução da semana mais curta de trabalho obrigou a que a equipa em causa priorizasse com maior eficácia as tarefas a serem cumpridas, que limitasse as interrupções e que encarasse o trabalho a ser feito com maior deliberação nas primeiras horas do dia.

Ou e em suma, tudo indica que o ainda recente debate sobre a possibilidade de a semana mais curta de trabalho está só a iniciar-se, não existindo receitas comprovadas de que é melhor para a economia e para os trabalhadores. No caso destes últimos, e como já ligeiramente acima aflorado, os esforços para se comprimir o trabalho de cinco dias em quatro poderá conduzir a resultados contraproducentes e que podem contrariar todos os benefícios que, para já, vão sendo reportados. Todavia, também é verdade que, com o ambiente laboral da actualidade e com aquilo que se espera que venha a ser a automação de muitas tarefas no futuro (e já no presente), o que poderá levar a uma diminuição nos postos de trabalho, a ideia também não deve ser descartada.

Semana mais curta só funcionaria se fosse adoptada por toda a economia

O horário de segunda a sexta-feira que a esmagadora maioria dos trabalhadores pratica é, como é óbvio, uma construção social e histórica, com a diminuição das horas de trabalho – e com os ganhos do fim-de-semana – a resultarem dos movimentos sindicais dos séculos XIX e XX, os quais pediam limites às exigências da industrialização.

Se em Portugal se mantêm as 40 horas semanais, países como a França já conseguiram reduzir, e com sucesso e sem perdas de produtividade, o horário laboral para as 35 horas por semana, com a Holanda a estar muito perto dos quatro dias efectivos de trabalho, com apenas 29 horas semanais. A Holanda é, aliás, o país da OCDE que menos horas trabalha e um dos mais produtivos também.

Mas e apesar dos casos de sucesso, e como ainda é residual o número de organizações que está a levar a ideia a sério, se as empresas começassem a adoptar voluntariamente esta prática, decerto que iriam encontrar um concorrente que não o fizesse e as consequências seriam, indubitavelmente, negativas.

Ou seja e para que a transição funcionasse realmente, a semana de quatro dias de trabalho teria de ser implementada como uma regra adoptada por toda a economia. Tal implicaria aumentar o número diário de horas de trabalho nos quatro dias em causa – o que poderia ter impacto negativo no stress e fadiga dos trabalhadores, já para não falar nos seus níveis de concentração -, bem como alterar a legislação das horas extraordinárias, reforçando-a, para o maior número de trabalhadores possível. E seria igualmente necessário aumentar o pagamento por cada hora de trabalho para os trabalhadores não perderem rendimento ao trabalharem menos tempo. A prática teria também influência nos salários mínimos, necessitaria de sindicatos mais forte e poderosos e políticas macroeconómicas pensadas para alcançar e sustentar o emprego pleno.

Por outro lado, convencer os empregadores a aceitar este decréscimo seria, sem dúvida, uma tarefa hercúlea, na medida em que são muitos aqueles que realmente preferem que o trabalho seja o objectivo central da vida dos seus trabalhadores. E, em muitos casos, apesar dos ganhos de produtividade publicitados, as empresas ver-se-iam obrigadas a contratar mais trabalhadores para não perderem a sua capacidade de produção, o que pode ser encarado como mais um ponto negativo, apesar de também poder ser visto como uma vantagem face aos cenários do futuro que antevêem menos trabalho e mais desemprego.

Para vários especialistas, contudo, é a forma como o trabalho está (mal) estruturado que poderá afigurar-se como um dos grandes obstáculos à concretização, no futuro, desta ideia. As longas reuniões que poderiam ser encurtadas se fossem mais eficazes e “to the point”; as interrupções não planeadas, muito comuns nos locais de trabalho open space, em que todos ouvem as notificações uns dos outros relativas às plataformas de mensagens instantâneas e os “plins” no desktop ou provenientes dos smartphones; o desejo nunca realizado de ver e responder às centenas de emails que caem nas caixas de correio electrónicas; as viagens – e o tempo que nelas se perde – para reuniões face a face, quando muitos dos assuntos em causa podem ser facilmente resolvidos por telefone; a troca constante de actividades que só serve para penalizar o cérebro, aumentando o esforço cognitivo de se tentar concentrar em várias actividades ao mesmo tempo (os males do multitasking há muito que foram comprovados), e que apenas deixam as pessoas fatigadas e crescentemente pressionadas; e as tarefas administrativas e rudimentares que podem ser colmatadas com a introdução de processos tecnológicos simples.

Como afirma o autor de Deep Work: Rules For Focused Success in a Distracted World, Cal Newport, e em plena concordância com o já citado psicólogo organizacional Adam Grant, “três ou quatro horas de trabalho contínuo, profundo e sem perturbações todos os dias é tudo o que é necessário para assistirmos a uma mudança transformacional na nossa produtividade e nas nossas vidas”. O que vai ao encontro também da ideia há muito popularizada de que permanecer horas extras no escritório não significa mais trabalho feito.

Independentemente dos prós e dos contras, e com a aproximação acelerada dos “robots que poderão roubar o nosso trabalho”, a transição para uma semana mais curta de trabalho deverá manter-se no centro do debate nas economias avançadas. Se, como e quando tal irá acontecer mantém-se, contudo, como uma grande incógnita.

Editora Executiva