Bezos, Branson e Musk, por serem super-mega-ultra, sabem coisas que nós ainda não sabemos e receberam uma cartinha do futuro com indicação de expiração de data de validade, dai estarem, em tom de brincadeira, a mostrar que o melhor é mesmo apontar para as estrelas e fazerem-se ao caminho. Já os vejo, desde lá de cima, a acenarem e a desejarem ‘good luck guys!’, enquanto nós vamos pagando impostos e lidando com as consequências da nossa incúria e descontrolo colectivo
POR NUNO GASPAR OLIVEIRA
Corria o ano de 1985, tudo parecia normal, o Carnaval foi a uma terça e a Páscoa a um domingo. A cultura Rock-Pop atingia o seu zénite com o mítico Live Aid que fazia a ponte entre a música e o alerta contra a miséria humana, e surge também o persistente Rock in Rio, de Janeiro entenda-se, onde ainda primavam os Queen antes do trono ter sido entregue a Ivete Sangalo. Em Portugal, o saudoso Ayrton Senna ganhava no Estoril e fazia-nos sentir que era imparável, pelo menos por mais nove gloriosos anos. Do Japão, surgiam os Super Mario Bros. e começava a grande revolução das consolas de jogos portáteis. Ao mesmo tempo, algures ali pelo gelado Atlântico norte (como quem vai de Southampton para Nova York) voltava-se a ter notícias do Titanic, 73 anos depois. Outras coisas terão acontecido, com mais ou menos importância equivalente, como a assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à CEE ou o nascimento de CR7 (ou, já agora, da minha colega Ana Lobo, que, para seu desespero, ajudou a rever este texto).
Parecia um ano cheio de coisas boas e memoráveis. Mas houve um acontecimento que nublou a minha sensação de felicidade. Nada mais nada menos do que a passagem na TV da série ‘V, a Batalha Final’. Ora, não é caso para tanto, diriam alguns de vós, mas aquilo marcou-me. O enredo era muito básico, os ETs queriam conquistar a Terra, mas em vez de virem de peito aberto, vinham disfarçados de humanos, quando, em boa verdade, eram uma espécie de lagartos espaciais. Os efeitos especiais (chamemos-lhes assim) eram fraquitos e a ação era de uma lentidão que dava logo para perceber que só podiam ser lagartos de sangue-frio.
Enfim, sci-fi da 2ª divisão de honra, para encher os domingos ao fim de tarde. Mas afinal o que é que me perturbou mesmo? Ora bem, tinha eu 10 anos e pus-me a pensar: “e se for verdade, e se muitos dos humanos que por aí vemos a tomar decisões horríveis, a promover guerras e destruição e a ganância imparável, forem, na verdade lagartos? Depois de uns anos, no curso de biologia, percebi que isso era impossível, pois os lagartos são seres muito mais amistosos e empáticos do que alguns destes líderes e vedetas.
Pelos vistos, a febre sci-fi está de volta por estes dias. Com ou sem lagartos-líderes-Illuminatis, é sempre uma animação voltar a olhar com expetativa para o lado de lá da cortina celeste e imaginar o que por lá se passa. E, para alguns dos nossos humanos mais abastados, imaginar não basta, querem mesmo lá ir ver, in persona, se é tão maravilhoso como os astronautas dizem. A pequena diferença é que os astronautas, com raríssimas exceções, são cientistas com muitos anos de treinos duríssimos e específicos que dominam as artes e ofícios aeroespaciais e que vão em missões planeadas ao milésimo de milímetro. Estes novos aspirantes a Capitão Picard são turistas com muitomuitomuito dinheiro em busca da próxima excitação muitomuitomuito exclusiva.
Até aqui, nada de particularmente grave, ‘nice boys have the nicest toys’, sejam eles o Ricardinho, filho de empresário de construção civil e que era o dono do primeiro ZX. Spectrum 48K lá do bairro, ou aquele rapaz que tinha um ligeiro problema de conseguir criar empatia como uma pessoa normal e criou uma armadilha digital viciante onde partilhamos fotos de cães e gatinhos e dizemos coisas hediondas sobre pessoas que nos perturbam, coisas essas que não ousaríamos sequer sussurrar cara a cara, mas face to face vale tudo. São sempre eles que tem as coisas mais fixes e que nos fazem sonhar, ocasionalmente com um pingo a mais de inveja (um 48K… que raio de sorte!). Portanto, vermos bilionários a brincar ao espaço até parece ser coisa menor com que nos ralarmos. Mas, mais uma vez, o meu pensamento divagou para a possibilidade de haver uma outra possibilidade qualquer…
Richard Branson conhece quase todo o planeta, não fosse ele um super empreendedor do negócio das viagens. Elon Musk é tão cosmopolita que até tem três nacionalidades diferentes, além de já ter visitado os 4444 cantos do mundo em busca de sítios perfeitos para as suas super fábricas. Já Jeff Bezos, nascido nos Estados Unidos, onde a maioria dos habitantes assume que a super América é o mundo, poderá ter viajado menos do que os seus amigos multibilionários, mas pela quantidade de livros que lhe passou pelas mãos, deve ter ficado com uma ideia bastante completa de como é o nosso planeta. Qualquer um deles é extremamente super inteligente, conhecedor, versado em artes e cultura, fascinado por tecnologia e poder e, vou assumir, consciente do estado em que nos encontramos – num alarmante desequilíbrio climático e ecológico que está virar a nossa vida do avesso.
Desde Zhengzhou a Los Angeles, passando por Dusseldorf ou São Paulo, são milhares as localizações no planeta onde há pessoas a sofrer dos impactos brutais das alterações climáticas e da degradação dos ecossistemas e desaparecimento das espécies de fauna e flora. A gravidade, persistência e agravamento destas crises, das cheias às ondas de calor fatais, mostram-nos de forma inequívoca de que estamos perante o refazer da realidade, o planeta ajusta-se na consequência dos nossos exageros e, pelo meio, cidades são destruídas, milhares de vidas perdidas, milhões de hectares de floresta ardem e milhões de toneladas de colheitas perdem-se nos campos. Mas à data que vos escrevo, 25 de julho de 2021, ficamos a saber que o problema é a ‘economia’ e o ritmo da mudança, pelo menos assim pensam os líderes do G20, que, infelizmente sem surpresa, falharam – mais uma vez – em assumir que a emergência climática necessita de uma ação conjunta e coordenada e com os mesmos objetivos comuns. A letargia deste adiar constante pode ser bem explicada pela ONG Avaaz, que hoje lançou uma declaração onde se pode ler: Em Itália, o mote do G20 era ‘Pessoas, Planeta, Prosperidade’, mas hoje o G20 atualizou o mote para ‘Poluição, Pobreza e Paralisia’. Forte, mas não tão forte como o efeito da nossa inação.
Os limites da resiliência ecológica e ambiental estão a ser estilhaçados, e nem as lições da pandemia resistem, mesmo depois de vermos que, no nosso pior momento do século XXI, o que nos valeu foi a Terra e os recursos que esta nos dá, seja a água e comida, seja alguma amenidade e sentido de pertença. As imagens de satélite sobre o norte de Itália, onde se viam as emissões de GEE a cair a pique durante a pandemia, ou as gravações dos cantos das aves numa Lisboa sem o trânsito infernal do fim de tarde, pareciam mostrar que tínhamos aprendido uma enorme lição de humildade e reverência pelo planeta e o ambiente com a COVID-19. Mas teremos mesmo?
De qualquer forma, seja pela vacinação ou pelas terapêuticas emergentes, havemos de conseguir resolver esta crise pandémica. Talvez leve mais dois ou três anos, mas não tenho dúvidas de que se resolverá. Agora a crise climática ainda está a começar. Sabemos que hoje, em 2021, estamos a viver aquele que, em 2010, era considerado o ‘pior cenário’ para 2030! Como se não bastasse, o colapso dos ecossistemas, a sua desregulação e o desaparecimento da vida selvagem a um ritmo tal que se fala na 6ª grande extinção, mostram um futuro sombrio e muito, muito, muito preocupante…
E é aqui que penso que Bezos, Branson e Musk, por serem super-mega-ultra, sabem coisas que nós ainda não sabemos e receberam uma cartinha do futuro com indicação de expiração de data de validade, dai estarem, em tom de brincadeira, a mostrar que o melhor é mesmo apontar para as estrelas e fazerem-se ao caminho. Já os vejo, desde lá de cima, a acenarem e a desejarem ‘good luck guys!’, enquanto nós vamos pagando impostos e lidando com as consequências da nossa incúria e descontrolo coletivo.
A mensagem é clara, quem puder que vá andando, que ficar cá quando isto estiver mesmo feio é que não, lagarto-lagarto-lagarto!
Biólogo e CEO da NBI – Natural Business Intelligence