Os resultados do nosso último questionário Ethics at Work apresentam boas notícias, mas também alguns sinais de alerta que não podem ser ignorados numa altura em que as empresas moldam a sua agenda ética para o futuro
POR GUEN DONDÉ

Os resultados de 2021 decorrentes do nosso estudo Ethics at Work dão-nos alguns motivos para estarmos confiantes de que o trabalho que muitas empresas estão a levar a cabo para melhorar os seus padrões de ética está a trazer compensações. Ou será que não?

É inquestionável que os trabalhadores parecem ter opiniões positivas sobre a honestidade das suas empresas. Não só, em média, 86% dos entrevistados acreditam que a honestidade é frequente nos seus locais de trabalho, como também são vários os países em que se verificou uma subida deste valor ao longo do tempo. Por exemplo, na Alemanha passou-se de 63% em 2015 para 69% em 2018 e para 89% em 2021; em França subiu-se de 66% em 2015 para 71% em 2018 e para 89% em 2021.

O panorama torna-se mais interessante se aprofundarmos os números. Se observarmos as atitudes dos trabalhadores em relação a práticas antiéticas que envolvem pequenas violações das regras, teremos uma imagem diferente. Em média, 40% dizem que pequenas violações das normas éticas são inevitáveis ​​numa empresa moderna, e 13% chegam a dizer que é aceitável aumentar artificialmente os lucros nos registos desde que não se desvie dinheiro. Mais preocupante é o facto dos que ocupam cargos de gestão parecerem mais propensos a ter atitudes tolerantes em relação a estas práticas: por exemplo, 44% dos gestores concordam que pequenas violações das regras são inevitáveis numa empresa moderna, e 19% dizem que é aceitável aumentar artificialmente os lucros nos registos desde que nenhum dinheiro seja roubado.

Estes resultados revelam um aspecto importante, especialmente quando nos propomos avaliar a cultura ética de uma empresa: por vezes, quando se pede a um indivíduo para avaliar o seu nível de comportamento ético ou o da sua empresa, a conclusão é enviesada. Como sucede em muitas experiências no campo das ciências comportamentais e que ilustram a forma como o nosso cérebro está “programado”, esta circunstância leva-nos muitas vezes a sobrestimar a nossa capacidade de agir eticamente ou a ignorar situações em que podemos ficar aquém dos nossos próprios padrões éticos.

Assim, como podem então as empresas abordar estas questões e fornecer o apoio adequado a todos os trabalhadores que estão, à partida, comprometidos em fazer a coisa certa, mas que pode ser de difícil execução? Em primeiro lugar, é importante estabelecer padrões claros do comportamento esperado (consagrados num código de ética), divulgando-os por meio de uma comunicação eficaz e sessões de formação sobre o tema, assegurando que uma má conduta é reportada e abordada (seja através de mecanismos de SpeakUp ou Whistleblowing) e garantindo que as pessoas saibam onde encontrar aconselhamento quando não tiverem certezas sobre algum assunto (através de um canal ou linha de ajuda). Estes são, assim, os componentes essenciais de um programa de ética e sobre os quais os nossos entrevistados foram questionados.

O nosso questionário sugere que ainda há espaço para melhorias neste aspecto. Embora os códigos de ética (ou documentos semelhantes) pareçam ser relativamente comuns, especialmente em países como a África do Sul e os EUA, as percentagens de colaboradores cientes dos elementos de um programa de ética são mais baixas. Menos de metade dos trabalhadores está consciente sobre a forma de obter aconselhamento a respeito do comportamento ético dentro da sua empresa e apenas 52% afirmam que a sua organização providencia formação em ética.

Os mecanismos de SpeakUp são um pouco mais comuns: em 2021, 57% dos colaboradores estavam inteirados sobre a existência de um meio para reportar condutas impróprias de forma confidencial dentro da sua empresa, e o panorama é ainda mais animador quando comparado com os resultados de 2018. Por exemplo, em 2021, 56% dos entrevistados suíços estavam cientes destes mecanismos, comparativamente a apenas 36% em 2018 e, em 2021, o mesmo acontece com 43% dos trabalhadores portugueses em comparação com 37% em 2018.

À medida que os mecanismos de SpeakUp se tornam mais populares, vale a pena pensar em formas de melhorar a sua eficácia. Ouve-se muitas vezes que estes são ​​apenas usados como a “opção nuclear”, recorrendo-se a eles para reportar os casos mais graves de fraude ou corrupção dentro da empresa. Apesar de esta realidade ser certamente importante, é igualmente relevante informar os colaboradores que podem usar estas ferramentas para reportar qualquer tipo de situação que os preocupe, mesmo nos casos que podem não parecer muito graves ou que suscitem dúvidas. Esta circunstância permite que as empresas alavanquem os seus conhecimentos e insights, reunindo informações cruciais para construir e manter uma forte cultura ética.

Por último uma palavra sobre os gestores, um dos principais tópicos que foi discutido durante o evento de lançamento dos resultados portugueses em Novembro de 2021.

Os gestores tendem a ter perspectivas mais optimistas sobre a maioria dos elementos investigados no nosso questionário. São mais propensos a ter opiniões positivas sobre a frequência com que a honestidade tem lugar no seu local de trabalho, o mesmo acontecendo com a capacidade da sua organização se envolver com os stakeholders, internos ou externos, em questões de ética.

É igualmente mais provável que os gestores conheçam os elementos formais de um programa de ética fornecido pela entidade empregadora e a ter opiniões mais positivas sobre a capacidade de liderança pelo exemplo. No entanto, existe também uma maior propensão para se sentirem mais pressionados em comprometer os padrões de comportamento ético da sua organização, o que talvez explique a percentagem preocupante de inquiridos que afirmam que os seus gestores recompensam os bons resultados mesmo quando estes são alcançados por meio de práticas eticamente questionáveis.

Os resultados do nosso estudo Ethics at Work forneceram um conjunto alargado de informação útil, que será certamente tida em conta à medida que formos desenvolvendo os nossos planos para 2022.

Por fim, endereçamos agradecimentos à Católica Porto Business School pela parceria neste projecto e por ser parte integrante das discussões em curso que nos ajudarão a perceber o que pode ser feito para dar aos colaboradores o apoio de que necessitam para estarem sempre “no seu melhor” e também para terem a coragem de fazerem o que está certo mesmo (ou principalmente) nas situações mais desafiantes.

Nota: Traduzido por Pedro Cotrim

Guen Dondé

Guen Dondé é Head of Research no Institute of Business Ethics, uma instituição sem fins lucrativos sedeada em Londres, que defende elevados padrões de comportamento ético nas empresas.