Quando pensamos em bullying, é mais intuitivo refletir sobre como evitar que os nossos filhos sejam vítimas deste tipo de comportamentos. Essa preocupação é perfeitamente legítima, dadas as possíveis consequências. De qualquer forma, o agressor não está melhor, e creio que também devemos ter a uma preocupação de os nossos filhos não serem causadores de danos psicológicos nos outros..
POR FREDERICO CATALÃO

O futuro dos filhos é um motivo de preocupação para qualquer pai ou mãe. Compreender o contexto em que crescem, educar bem e prepará-los para se desenvolverem de forma feliz, está certamente no topo das prioridades dos pais. Sabemos que valores queremos que façam parte do caracter dos nossos filhos, para que saibam desempenhar um papel competente e de acréscimo de valor na sociedade, mas nem sempre é evidente a forma como devemos desempenhar esse papel.

Tenho a consciência de que não poderei ser um pai sempre atual em relação a tudo o que fará parte das várias fases da vida dos meus filhos. Preocupam-me os problemas que os esperam, e o ambiente social em que vão crescer. Creio que esse entendimento é importante para poder ajudá-los a adquirir as ferramentas que precisam.

Um tema que concretamente me tem alarmado é o da saúde mental. A Organização Mundial de Saúde define saúde mental como um estado de bem-estar em que o indivíduo desenvolve suas habilidades pessoais, consegue lidar com o stress da vida, trabalha de forma produtiva e encontra-se apto a dar sua contribuição para sua comunidade.

Preocupa-me a literacia em relação a este tema. De facto, está demonstrado que a iliteracia (ausência de conhecimento e ferramentas necessárias) em relação à doença mental está relacionada com uma diminuição da procura de apoio. Entre 10 e 20% das crianças e adolescentes do mundo inteiro sofrem de doença mental, com maior frequência na adolescência e na transição para a idade adulta. Dada a prevalência destes problemas, é importante saber o que se passa.

A saúde mental nas crianças e adolescentes tem desafios próprios de cada época

Quando falamos em saúde mental de crianças e adolescentes, vêm-me à cabeça problemas como ansiedade, depressão e bullying. Preocupa-me também a aparente dependência que os jovens mostram em relação aos smartphones.

O termo bullying pressupõe um comportamento agressivo, intencional e persistente praticado por um indivíduo ou grupo de indivíduos contra um alvo que não consegue defender-se facilmente, existindo um desequilíbrio de poder entre as duas partes. Entre as manifestações de violência mais comuns em contexto educacional estão a violência física, violência verbal, exclusão social, disrupção na sala de aula (dificultando a ação educativa dos professores) e cyberbullying (violência através das novas tecnologias). Crianças com problemas físicos ou psicológicos são mais vulneráveis.

Globalmente, um em cada três estudantes terá sofrido de bullying no último mês. Em Espanha, 39% dos estudantes já sofreu cyberbullying e 27% já o sofreu pelo menos duas vezes.

Quando pensamos em bullying, é mais intuitivo refletir sobre como evitar que os nossos filhos sejam vítimas deste tipo de comportamentos. Essa preocupação é perfeitamente legítima, dadas as possíveis consequências. De qualquer forma, o agressor não está melhor, e creio que também devemos ter a uma preocupação de os nossos filhos não serem causadores de danos psicológicos nos outros. Desejamos que tenham um coração onde se encontrem os sentimentos de Jesus. Assim, é igualmente importante dotar as crianças de ferramentas de defesa e de inteligência emocional necessárias para que não sejam autores de bullying.

O papel das redes sociais e o cyberbullying

É difícil prever como será a comunicação entre as crianças e adolescentes nos próximos dez anos. Atualmente, os smartphones oferecem uma vasta oferta de aplicações de comunicação, seja de que forma for, em grande parte através de redes sociais.

Os smartphones tornaram-se tão essenciais na vida das pessoas que há quem sofra verdadeiramente de ansiedade de separação quando está sem o telemóvel. Embora não seja ainda claro que se possa considerar o smartphone uma adição, parece evidente que o seu uso abusivo é motivo de preocupação, já que pode estar na origem de problemas de saúde mental, tais como ansiedade, depressão, stress e baixa autoestima.

Um estudo realizado em 2018 no Reino Unido sugere que os próprios adolescentes identificam as redes sociais como prejudiciais à sua saúde mental, essencialmente por três razões: por causarem alterações de humor e ansiedade, por serem uma plataforma de cyberbullying, e por serem aditivas. No entanto, e de forma aparentemente contraditória, é frequente que os jovens admitam recorrer às redes sociais para se refugiarem de pressões externas que afetam a sua saúde mental.

Um estudo recente revela que 57% dos adolescentes americanos já começou uma relação online, e que 50% já criou um pedido de amizade em alguma plataforma para se assumir atraído por outra pessoa.

Se é um facto que plataformas como o Facebook, Instagram, Twitter, e outras, facilitam a comunicação entre pessoas, é também verdade que diminuem a convivência face a face, ao mesmo que tempo que favorecem a adoção de comportamentos agressivos, eventualmente perturbadores da saúde mental, pelo menos numa fase inicial da sua utilização. Quer isto dizer que um autor de cyberbullying, numa fase inicial da sua utilização destas plataformas digitais, aproveita-se mais facilmente do anonimato, ou da simples ausência do contacto direto com a vítima, para adotar comportamentos agressivos.

Tendencialmente, com o aumento da experiência de utilização, esta tendência tende a atenuar-se. Penso sempre que no momento em que as crianças passam a ter smartphone deixamos de conseguir controlar com quem e de que forma comunicam. Há formas de nos tentarmos manter por dentro dessas comunicações, mas a verdade é que não conseguimos controlar tudo. Estes dados levam-me a refletir que a fase inicial de contacto com esta realidade deve merecer uma especial atenção dos pais.

No Reino Unido, 15% das crianças entre os 9 e os 16 anos dizem já ter sido perturbadas por conteúdo online, ao passo que 28% das crianças entre os 11 e os 16 anos dizem já ter tido alguma experiência perturbadora através das redes sociais.

A maior exposição às redes sociais, e a crescente possibilidade de comunicação por estas vias, torna as crianças mais vulneráveis ao cyberbullying. Com as limitações de ser um conceito relativamente recente, não parece para já haver uma relação entre idade e cyberbullying. Preocupa-me qualquer tipo de bullying, mas parece-me que este está ainda mais longe dos nossos olhos, podendo exacerbar-se de forma silenciosa.

Uma criança vítima de cyberbullying está sujeita a desenvolver depressão. Os estudos mostram que as vítimas de cyberbullying têm maior risco de automutilação e comportamentos suicidas. Curiosamente, ainda que em menor grau, os autores de cyberbullying têm também uma maior propensão aos mesmos comportamentos.

O cyberbullying é de certa forma indireto, sem interação física. Por este motivo, a vítima não tem oportunidade de se defender e está sempre disponível. Por outro lado, as hipóteses de identificar e punir o agressor são mais escassas. Muitas vezes, quando um autor verifica que a vítima se sente afetada pela sua ação, dá-se por satisfeito e não perpetua o bullying. No entanto, no caso do bullying através da internet, a reação à agressão não é visível, motivo pelo qual tende a ser mais duradouro.

O que podemos fazer?

Felizmente estes problemas não são inevitabilidades. Estão já identificadas algumas condições que podem ajudar a prevenir os problemas de saúde mental, ou pelo menos deixar as crianças mais preparadas para os enfrentar.

A literacia na adolescência permite o desenvolvimento de atitudes e comportamentos favoráveis. Torna-se possível um adolescente gerir de forma positiva os seus pensamentos e emoções para construir relações sociais e familiares saudáveis, todas elas baseadas num forte e positivo sentido de identidade.

Como pais, temos um papel importante no desenvolvimento da inteligência emocional dos nossos filhos. Considera-se um indivíduo emocionalmente inteligente alguém que é optimista, realista, flexível, capaz de resolver problemas de forma eficaz e encarar situações de stress sem perder o controlo.

Estudos demonstram que existe uma relação inversa entre a inteligência emocional e a adoção de comportamentos agressivos, independentemente do meio sociocultural, idade ou tipo de agressão. Além disso, verifica-se que um fraco controlo emocional está associado a níveis de vitimização mais elevados, e que entender as emoções dos outros está negativamente relacionado com a participação em atos de bullying.

Destacam-se 4 dimensões que contribuem para este tipo de inteligência:

  • intrapessoal – consciência de si e autoexpressão;

  • interpessoal – consciência social;

  • adaptabilidade;

  • “general mood” – motivação própria.

Com as minhas limitações, vejo estas quatro dimensões como a noção que as crianças e/ou adolescentes possam ter das suas próprias capacidades e limitações, do seu papel, e da forma como na interação com os outros sabem respeitar o seu espaço. Não adianta querermos motivar os nossos filhos a serem excelentes num desporto que nem gostam de praticar. Traz frustração e um sentimento de não corresponderem às expectativas dos próprios pais. Gostava de ser capaz de ajudar os meus filhos a identificar as suas potencialidades e enriquecer a sua autoestima através daí. Adicionalmente, seria bom conseguirem identificar as suas limitações com humildade, mas de forma positiva, adaptando-se a elas com otimismo, sem se excluírem. Por último, seria ótimo que soubessem ter a maturidade para pôr as suas potencialidades ao serviço dos outros. Como costuma dizer o D. Manuel Clemente, “o que temos a mais que os outros, é o que temos para os outros”.

Amizades estáveis, suporte familiar, sono suficiente, praticar exercício físico, pensar de forma positiva, evitar o abuso de substâncias, participar em atividades que deem prazer e tenham significado, e ter tempo para descansar, são condições favoráveis ao desenvolvimento e manutenção de uma boa saúde mental.

É certo que não podemos escolher os amigos dos nossos filhos, mas a atenção que damos ao contexto social que a escola lhes proporciona é muito importante. Conhecer a personalidade das crianças e perceber se estão enquadradas no seu grupo de turma pode ser um primeiro passo para que a partir daí desenvolvam amizades estáveis.

O suporte familiar aparece como sendo importante na saúde mental das crianças. Este ponto é especialmente desafiante nos dias de hoje. É frequente que num agregado familiar, o pai e a mãe tenham uma carreira profissional. Muitas vezes, os dois têm empregos em que, pelas funções que desempenham, lhes é exigida uma grande disponibilidade horária. Como Cristãos somos chamados a refletir sobre a nossa forma de estar no trabalho. Preocupamo-nos em ser eficientes, produtivos, mas também justos. Tentamos que as nossas decisões impactem positivamente quem trabalha connosco, e que tenhamos bons critérios na gestão de pessoas e recursos. De qualquer forma, também precisamos de nos organizar em família para que essa dedicação não desequilibre o suporte que somos chamados a dar como pais.

Há tempos ouvi uma história de uma pessoa que se reformou após muitos anos de trabalho na mesma empresa. Todos lhe reconheciam muita competência e era admirado pela sua dedicação. No seu discurso de despedida, disse que a única coisa que lamentava era ter dedicado tanto tempo ao trabalho e tão pouco à família. É certo que é difícil dedicar sempre o mesmo tempo à nossa família e ao trabalho, mantendo tudo equilibrado a cada instante. Há alturas em que estamos mais de um lado, e alturas em que estamos mais do outro. O que não podemos é descurar nenhum deles. Em particular, os nossos filhos precisam de pais envolvidos e ativos na sua educação, na construção da sua personalidade e da sua autoestima. A presença dos pais estrutura os filhos, e não podemos demitir-nos desse papel.

A presença dos pais junto dos filhos, de forma regular e constante, permite conhecê-los, saber os seus interesses, e assim promover hábitos saudáveis de prática desportiva e de atividades extracurriculares que lhes deem prazer. Ainda assim, não parece saudável encher a semana das crianças com atividades. O tempo para descansar e dormir são também muito importantes para a manutenção de uma boa saúde mental. Cada vez se fala mais de medidas de higiene do sono, que são extremamente importantes nas crianças e adolescentes. O excesso de ecrãs à noite piora a duração e a qualidade do sono.

O nosso país precisa de bons empresários e gestores. Mas precisa também de pais competentes, para o bem da próxima geração.

Frederico Catalão

Frederico Catalão, 32 anos, casado, pai de 4 filhos. Médico Dentista desde 2013, coordenador do serviço de Medicina Dentária do Hospital Cuf Cascais desde 2021.