Quando, em 2014, Raj Sisodia, em conjunto com John Mackey, escreveu o livro “Capitalismo Consciente”, talvez não tivesse noção de que o mesmo se transformaria num movimento poderoso com líderes seguidores em todo o mundo. Oito anos mais tarde, aceitou o desafio de Nilima Bhat para escrever uma nova obra que não assentasse apenas nos modelos ocidentais da liderança moderna. Surge assim uma nova metodologia holística – a liderança Shakti– recentemente apresentada em Lisboa pela co-autora e grande impulsionadora desta filosofia. Em entrevista, Nilima Bhat explica os seus fundamentos, acreditando que os líderes portugueses estarão abertos a acolhê-la e a colocá-la em prática
POR CATARINA SOARES
A Liderança Shakti, da autoria de Nilima Bhat e Raj Sisodia, traz até nós uma abordagem prática e holística para a Liderança Consciente, um dos pilares do Capitalismo Consciente. A Nova SBE foi o palco escolhido para receber a co-autora Nilima Bhat, que apresentou esta poderosa metodologia à comunidade empresarial e académica no nosso país.
CATARINA SOARES (CS)
Portugal tem já alguma proximidade com o conceito de Capitalismo Consciente – em 2018 tivemos Raj Sisodia connosco [v. entrevista VER] – e, na altura, os nossos líderes ficaram a conhecer os quatro pilares que lhe estão subjacentes: o propósito, a cultura, o envolvimento de todo os stakeholders e a necessidade de termos uma liderança consciente. O seu trabalho neste livro que escreveu com Raj Sisodia – Shakti Leadership: Embracing Feminine and Masculine Power in Business centra-se na liderança consciente, mas oferece igualmente uma abordagem mais concreta sobre a denominada liderança Shakti, a qual veio apresentar a Portugal. Gostaria que nos pudesse esclarecer sobre as suas principais características.
NILIMA BHAT (NB)
Quando conheci o Raj Sisodia em 2010, recordo-me de lhe dizer que, destes pilares, o mais importante era o da liderança consciente na medida em que seriam os líderes conscientes a criar os restantes três pilares para as organizações. E também lhe perguntei o que estava ele a fazer com o modelo “liderança consciente” enquanto alguém que nasceu na Índia. Disse-lhe igualmente que se o capitalismo é o génio da América, a consciência é o génio da Índia. E falei do livro que publicou em 2014 – Conscious Capitalism: Liberating the Heroic Spirit of Business – o qual foi escrito em parceria com John Mackey, um americano, acrescentando que há que oferecer ao mundo um modelo de liderança que consiga extrair esse tipo de “consciência genial” que a Índia muito defende. Desta forma, desafiei-o a escrever um novo livro que não assentasse apenas nos modelos ocidentais da liderança moderna. Ou seja, é igualmente possível tirar partido dos Indic Knowledge Systems e encontrar formas de os integrar, para que não contemos apenas com a sabedoria do Ocidente, mas também com a do Oriente e de outros pontos do globo para que seja possível beber elixires civilizacionais de todo o mundo.
Igualmente muito importante nesta altura em particular e na medida em que as mulheres e os valores femininos estão em ascensão em termos de liderança, acredito na necessidade de criarmos um modelo de liderança que não seja feito apenas por homens e para homens, mas que funcione para todos, particularmente para as mulheres. Sabemos também, e com muita investigação a sustentar esta tese, que as mulheres lideram de forma diferente. Assim, como é possível integrar estilos de liderança com os quais toda a gente se sinta confortável e que os consiga expressar e implementar? Por que não criar um modelo de liderança que consiga criar um mundo que funcione para todos? E foi para responder a este desafio que escrevemos o livro Shakti Leadership.
CS – O mundo mudou significativamente e de uma forma muito mais célere do que no passado, altura em que existia a ideia de que tudo era um pouco mais previsível. Havia mais capacidade de planeamento e, por isso, as competências que são tipicamente consideradas mais masculinas eram mais utilizadas na liderança – por exemplo, a previsão e o planeamento já enunciado -, que eram realmente úteis para o mundo em que vivíamos anteriormente. Todavia e com tanta instabilidade e com estas modificações tão rápidas, precisamos agora de fomentar qualidades que sejam consideradas como tipicamente femininas e de que são exemplo a criatividade ou adaptabilidade. E isso não é apenas uma “coisa homem/ mulher”, certo? Ou seja, a abordagem de liderança que defendem pode igualmente ser benéfica para os homens, certo?
NB – Sim. A palavra Shakti significa a força criativa do universo, da qual tudo surge: é infinita, é inviolável, inteligente, criativa, inovadora e move-se através de cada um de nós independentemente do nosso género. Porém, chama-se força feminina porque é a “mãe”, ou a fonte, ou a energia, da qual tudo o resto surge de acordo com a sabedoria yogic.
Portanto, o princípio de Shiva [inerente a esta filosofia] é o da pura presença, da pura quietude, da pura consciência. E daí surge esta energia criativa e inovadora que não só se vai transformando em evolução, como cria a própria evolução. Portanto, e enquanto líderes, será muito útil conseguirmos explorar esta energia, à qual podemos chamar-lhe energia feminina, apesar de estar disponível para homens e mulher. E se aprendermos a aceder a ela através daquilo que ensinamos como presença, se aprendermos a sentir esta força interior a mover-se através de nós, isso também nos traz a nossa própria intuição, a nossa própria resiliência, bem como ideias e sincronicidades. É literalmente como sair de um mundo comum e entrar num mundo de enorme profundidade – diria até mesmo de magia – no qual se começa a experimentar a sincronicidade.
CS – O que nos está a dizer é que se tivermos acesso a essa energia, e enquanto líderes, é possível ter um tipo diferente de poder…
NB – Sim, sem dúvida. E agradeço ter feito essa observação porque falamos muito em poder partilhado/coaborativo e no verdadeiro poder da liderança Shakti. Na verdade “Shakti” e se a palavra for traduzida num inglês muito simples, significa poder, o seu poder. Como também sabemos, a palavra “poder” tem uma má reputação em todo o mundo porque percepcionamos esse poder assente no ego e no privilégio. Com o poder “ganhar/perder” alguém tem destruir um outro alguém qualquer para atingir o seu próprio poder. É necessário uma pessoa “erguer-se” e competir e ser melhor que o adversário. E também é nessa base que assenta a política e os negócios.
Todavia, isso deve-se ao facto de funcionarmos ou operarmos com fontes de energia limitadas – o nome, a fama, o dinheiro, a posição/cargo que se ocupa numa empresa, etc.. Mas, e ao invés, é possível afastarmo-nos dos jogos típicos de poder baseados no ego ou no interesse próprio, e passarmos a explorar estes jogos infinitos. No Shakti existe a Leela [uma arte sagrada que mistura tradições espirituais da Índia com formas sagradas de mitologia, música, mantra e movimento], que consiste numa espécie de peça de teatro que nos diz que estamos aqui para colaborar e “brincar uns com os outros gozando desta quantidade infinita de energia e poder.
E porque eu conheço o Shakti através do meu trabalho como professora de ioga, e enquanto praticante, é fácil perceber que nos estamos a banhar em energia infinita e que existe por aí poder suficiente para todos. Ninguém precisa de roubar energia aos outros.
CS – Estamos assim perante uma nova abordagem que é muito colaborativa e colectiva, mas que também requer muito trabalho interior, é isso?
NB – Sim, sem dúvida.
CS – Este novo livro, a par da metodologia que oferece, apresenta-nos um conjunto de exercícios práticos, que podem ser feitos introspectivamente pelos indivíduos e possibilitar a exploração dos poderes colectivos de que fala…
NB – Sim, a primeira coisa a fazer é “encontrarem” o seu verdadeiro poder pessoal, o seu Shakti, e não o poder assente no seu ego. E assim que o conseguirem fazer, compreenderão que este mesmo Shakti está disponível para toda a gente, que é útil para todos e que é muito mais divertido jogá-lo conjuntamente na medida em que os Shaktis dos demais não são diminuídos. Mas sim, dá trabalho.
A boa notícia é que o yoga se transformou num fenómeno global e sinto-me feliz em podermos apresentar ao mundo esta ideia do Shakti e, na verdade, se tivéssemos escolhid outro título escolhido para este livro teria sido “O yoga da liderança consciente”. O yoga requer prática. E só com prática é que dele se retira os seus benefícios, os quais incluem a clareza dos nossos pensamentos, a calma, a flexibilidade e o estar presente.
Assim, e da mesma forma, é possível praticar o Shakti através de todas as técnicas que oferecemos no livro e nos cursos que também leccionamos. Ou seja, ensinamos a que as pessoas se sintam diferentes, com mais recursos, mis resilientes e que compreendam o quão distinto é trabalhar através do Shakti versus a forma normal de o fazer através do poder assente no privilégio. Por outro lado e como sabemos, precisamos de poder para funcionar, para exercer qualquer autoridade, para conseguir que algo seja feito. Quer seja na relação de um pai/mãe com um filho, quer seja um líder no local de trabalho, todos nós precisamos de poder para sobreviver e para conseguir que as coisas sejam feitas para se chegar à mudança.
O que observamos na liderança Shakti é que esta não tem de ser um jogo de perder-ganhar. Na verdade, é apenas uma situação ganhar-ganhar porque quando se joga ao perder e ganhar, o rancor está sempre presente, transformando-se rapidamente em perder-perder. Sri Aurobindo [filósofo indiano e guru do yoga], uma das minhas grandes referências, costumava dizer qualquer coisa como “é na desgraça dos meu inimigos que reside a minha queda ”. Ou seja, o reconhecimento de que existem outras pessoas que fazem parte do mesmo sistema em que nos movemos. Assim, se alguém perde, o sistema também perde, todos perdemos porque pertencemos ao mesmo sistema e “esgotamo-nos” também. Desta forma, todo o sistema tem de “ascender” para que a situação seja a de ganhar-ganhar.
CS – Penso que nestes dias após a COVID e outras perturbações inesperadas, depois de assistirmos a todas estas disrupções nas cadeias de abastecimento, a interligação entre os indivíduos a nível global tornou-se bastante evidente. E por isso pode ser uma forma de as pessoas estarem mais abertas a aproveitarem realmente este tipo de conhecimento inovador. Desta forma, se alguém em Portugal, que lidere uma organização ou uma comunidade, quiser aprender por si próprio os princípios desta liderança, como é que pode encontrar esta informação?
NB – Começo por responder rapidamente à sua questão sobre a cadeia de abastecimento e todo o caos que parece estar à nossa volta. Costumo dizer às pessoas que a “jornada do herói” é uma parte central da liderança Shakti. E, a meu ver, a COVID transformou-se na “jornada de heroísmo da humanidade”. É um apelo à aventura e não vamos desperdiçar uma boa crise! A crise vem com uma bênção oculta; existe para nos fazer crescer e para nos tornarmos melhores versões de nós próprios. E acredito genuinamente que a liderança Shakti oferece e alavanca o incrível modelo de Joseph Campbell [professor de literatura com especial interesse na mitologia e na experiência humana] apresentado no seu livro The Heroe’s Journey.
No que respeita a aprender mais sobre a liderança Skhati, é possível fazê-lo através do nosso website. Oferecemos muitos cursos, sendo que recomendo vivamente aquele que é o mais fácil e também o mais acessível e que explica os nossos fundamentos. É um programa com 12 módulos, certificado, que pode ser feito gradualmente, a nível individual ou em grupos de cinco a oito pessoas, que se encontram apenas uma vez por semana ou uma vez em cada 15 dias. Temos aliás vários cursos a decorrer, como por exemplo o Shakti fellowship, na Universidade de San Diego e com uma duração de nove meses, um outro que terá lugar no TEC de Monterey, no México, onde o Raj Sisodia é professor e que será também o primeiro programa de liderança para mulheres nos países da América Latina, entre vários outros. O melhor é seguir-nos no nosso website e subscrever a nossa newsletter, tendo assim acesso a actualizações regulares sobre as novidades que vão surgindo no que respeita ao mundo e à liderança Skhati.
CS – Desde já partilho também aqui a boa notícia que o vosso livro não só está em inglês como também em português [do Brasil] e que o curso será igualmente oferecido em português.
NB – Sim, assim que estiver concluído, será muito boa esta oportunidade. E agradeço-lhe por estar a liderar esse esforço, porque logo que o curso sobre os nossos fundamentos estiver em português, recomendaria vivamente que reunisse líderes em Portugal, para que este “movimento” se dissemine o mais possível. As pessoas podem auto-organizar-se, liderando seguidamente outros círculos, para que o movimento possa também crescer neste país.
CS – Sim, a minha ideia – e enquanto embaixadora, com a Sandra Balau, da Liderança Shakti em Portugal, é claramente divulgar e reforçar esta ligação com os portugueses. Já agora, e na medida em que esta foi a sua primeira visita a Portugal, gostaria de partilhar algumas impressões que lhe ficaram do nosso país?
NB – Em primeiro lugar, gostaria de lhe agradecer por ter organizado esta primeira visita sobre a liderança Shakti, com o objectivo de semear as suas ideias em Portugal.
E sim, esta foi a minha primeira visita a Portugal, um país com fortes ligações à Índia, em particular por causa de Goa, Damão, Diu e mesmo Bombaim, de onde venho, que foi uma doação da princesa portuguesa Catarina [de Bragança] ao príncipe britânico [Carlos II de Inglaterra]. Tantas e belas ligações. É um país tão encantador. É quase irreal na sua beleza e tranquilidade, conforto e alegria e com um povo muito bonito. Há também algo a dizer sobre o encanto do sul da Europa. Na verdade, acredito que compreenderão a liderança Shakti de forma quase inata, porque penso que esta já se encontra no ADN. E sendo a vossa cultura baseada nas tradições marítimas, de abertura ao mundo, espero que essa mesma abertura funcione com ideias de outras culturas. E que os líderes as possam acolher e implementar.
Nota: Entrevista traduzida e adaptada por Helena Oliveira
Catarina Soares
Professora Convidada na NOVA Business School onde lecciona temas de ESG; Fundadora e Membro do Board da OIS Oeiras International School; Fundadora e Membro do Conselho Consultivo do IES – Social Business School e Fundadora da Leading Together. Recentemente e para acelerar a transição energética mundial para as energias renováveis, juntou-se ao consórcio europeu MadoquaPower2X, o primeiro grande investimento no hidrogénio e amónia verdes em Portugal