É inegável que encíclica Laudato Si’ veio agitar o mundo, com implicações no discurso dos políticos e das organizações. No entanto, a sobreposição de problemas trágicos e complexos, como a pandemia e a guerra na Ucrãnia, teve como consequência o esquecimento da crise ambiental. Mas passar para segundo plano a crise iminente do próprio Planeta Terra não nos pode deixar tranquilos
POR MADALENA EÇA DE ABREU

A 24 de maio de 2015 o Papa Francisco surpreendeu o mundo com a [SOBRE O CUIDADO DA CASA COMUM], um documento com mensagens fortes sobre a sustentabilidade.É inegável que esta encíclica veio agitar o mundo, com implicações no discurso dos políticos e das organizações. No entanto, a sobreposição de problemas trágicos e complexos, como a pandemia e a guerra na Ucrãnia, teve como consequência o esquecimento da crise ambiental. Mas passar para segundo plano uma crise eminente do próprio Planeta Terra não nos pode deixar tranquilos. 

Regresso assim a este grande texto, ainda que de forma breve face à imensidade da problemática da sustentabilidade. E faço-o tendo como cenário muito específico a religião como gatilho para a angariação de fundos das causas ambientais.

Mas quais serão os grande traços de força desta narrativa do Papa Francisco? Porque consiste numa fonte de inspiração para o apoio da causa ambiental? 

As sugestões da Laudato Si’’ estão enraizadas na sabedoria prática e na interpretação bíblica do que a humanidade pode e deve fazer, ancorada em ensinamentos anteriores da cristandade, mas de forma mais holística. 

Como sumaria Gideon Ncheh Ade (2021) é um texto que relaciona a ecologia ambiental, cultural e socioeconómica e que defende que a solução prática para a crise atual reside no encontro entre ecologia e o princípio do bem comum.

O Papa avança que esta conversão ecológica é especialmente uma conversão humana interior, o que envolve uma transformação da pessoa humanano sentido de mudar o seu comportamento. Ou seja, propõe uma conversão ecológica e espiritual, pois é a espiritualidade que traz inspiração e fortalece o compromisso humano no cuidado do meio ambiente. Trata-se, enfim, de uma solução espiritual para a crise.

E que questões operacionais são oferecidas?

A Laudato Si’ serve de orientação para as ações de angariação de fundos, pois afirma a urgência de uma maior gestão ambiental. São necessários fundos que suportem as organizações ambientais, que possibilitem todo o seu trabalho na denúncia dos atropelos sofridos pelo ambiente. Atropelos estes que têm como responsáveis empresas privadas com foco único nos ganhos financeiros, comunidades com hábitos desmesurados face à gestão equilibrada e solidária dos recursos, governos locais com falta de pulso para sanar os interesses mais egoístas, e todos os prevaricadores como o cidadão comum, ‘o tu e eu’. Os donativos às organizações são um gasto, obrigando a fazer opções sobre onde gastar.

Em segundo lugar, as mensagens avançadas pela Laudato Si’ chegam a diversos ouvidos, com diferentes sensibilidades políticas, culturais ou religiosas.

A Laudato Si’ é lida por crentes e pertençentes a uma comunidade religiosa, claro está. E sabemos que os religiosos dão mais, sendo esta tendência da generosidade transversal a todas as religiões mundiais, com extenso suporte de estudos como o de Hyesun Hwang (2018). Em suma, sabemos que as doações são alavancadas pela religião em geral e pela religiosidade ao nível individual.

Mas os apelos desta encíclica também chegam a pessoas que não professam qualquer religião ou agnósticas. E são vário autores, como Ian Christie (2019), que defendem que as organizações seculares podem e devem usar as narrativas do Papa Francisco para a sustentabilidade.

Em terceiro lugar deve-se sublinhar que o Papa Francisco aborda pelo menos duas grandes preocupações: responsabilidade ambiental e desenvolvimento humano, incluindo gente fora da Igreja. Franciso chama para colaborar consigo os principais especialistas em ciência climática e em economia do desenvolvimento. E aqui é cucial o discurso ético sobre justiça inter e intrageracional, a opção preferencial pelos pobres, a mitigação de carbono, as políticas e responsabilidades comuns, ou as negociações internacionais sobre o clima.  O espectro de conhecimento, apelos, e comunicadades é vasto, chegando assim mais longe. E é curioso ver como as mensagens desta Encíclica antecipam grandes reuniões de líderes mundiais.

É também de notar que há vozes discordantes afirmando que esta Encíclica reside apenas numa boa intenção: transpira palavras, bons comportamentos e sugestões. Mas que a prática continua muito distante destes bons ventos.

A Laudato Si’ é um documento normativo e também um apelo à ação!

Sim, quer marcar a atitude e o comportamento humano.

E para que as ações aconteçam já hoje. O Planeta agradece.

Madalena Eça de Abreu

Professora na ISCAC Business School e doutorada em Gestão de Empresa, especialização em Marketing – Fundraising. É membro da ACEGE, e da direcção de Coimbra, desde 2009, e de outras associações da economia social e religiosas.Professora na ISCAC Business School e doutorada em Gestão de Empresa, especialização em Marketing – Fundraising. É membro da ACEGE, e da direcção de Coimbra, desde 2009, e de outras associações da economia social e religiosas.