Tachi Yamada tinha dois meses de vida quando caiu a bomba em Hiroxima. Calhou-lhe estar em Tóquio, a 800 quilómetros de distância. Saiu da capital japonesa em 1960 para estudar medicina nos Estados Unidos. Era um interno de gastrenterologia quando teve o primeiro sabor da vida empresarial: foi recrutado pela SmithKline Beecham, o gigante da indústria farmacêutica, para integrar a direcção executiva
POR PEDRO COTRIM

Motivado por um enorme desejo de ajudar o maior número de pessoas que os seus conhecimentos permitissem, o médico e cientista japonês Tachi Yamada  não hesitou: juntou-se à SmithKline quando lhe foi feita a oferta. Afirmou: «A oferta foi surpreendente. Até essa altura tinha apenas andado pelo mundo académico, mas a perspectiva de exercer medicina por todo o mundo foi muito aliciante».

Este desejo foi um grande impulso durante a carreira de Yamada enquanto se deslocava do mundo da medicina para o da ciência, para o académico, para a arena empresarial, e, finalmente, para a filantropia. De 2006 a 2011 foi responsável pelo programa de saúde global da Fundação Bill e Melinda Gates, tendo direccionado fundos generosos todos os anos para a pesquisa de curas nos países em vias de desenvolvimento.

A sua brilhante carreira médica, científica e empresarial foi cristalizada no seu trabalho na fundação Gates. Liberto do conflito eterno entre lucros e boas acções, aglomerou o seu conhecimento e experiência para o serviço dos doentes e necessitados de todo o mundo.

Afirma que um dos discernimentos mais importantes que teve foi quando percebeu que para ser um bom médico tinha primeiro de ser um bom cientista: no terceiro ano da faculdade, não podia fazer nada pelos doentes a menos que dominasse a ciência. Foi quando percebeu que a medicina era uma ciência, não uma arte. Foi uma revelação muito importante, uma vez que a tinha sempre encarado como uma forma de arte. Foi por isso que, apesar de ter ido para a faculdade de medicina para se formar, também se tornou num cientista médico.

O passo importante que se seguiu foi dado quando se tornou responsável por um departamento. Percebeu que podia fazer um bom trabalho no laboratório, e, simultaneamente, ensinar muitas pessoas: publicou um livro de gastrenterologia. Foi uma forma de transmitir tudo o que tinha assimilado a mais pessoas através do ensino aos professores. Foi a altura em que Yamada se juntou à indústria farmacêutica. Foi trabalhar para a SmithKline Beecham porque acreditou que era uma forma de ter influência em mais pessoas do que através da medicina.

Houve outro momento importante na vida de Yamada. Ocorreu quando trabalhava na indústria farmacêutica a fabricar medicamentos e a pensar que fazia um trabalho irrepreensível. De repente percebeu que toda a ciência sofisticada e conhecimento aprofundado a que se tem acesso no mundo ocidental não estavam simplesmente disponíveis em quase dois terços do planeta. Havia uma enorme disparidade nas condições de acesso às tecnologias modernas e a uma melhor qualidade de vida. A compreensão deste facto conduziu a grandes mudanças na sua abordagem ao seu próprio trabalho e alterou o curso da sua carreira.

Na SmithKline, iniciou funções como director dos serviços Health Care, um sector comercial da empresa com um laboratório clínico, um serviço de gestão de assistência a farmácias e uma farmácia que aviava prescrições pelo correio. A situação financeira não era a melhor quando ele entrou. A sua tarefa era, acima de tudo, trazê-la de novo para os lucros e para o crescimento, para depois a pôr a postos para ser vendida.

Uma das suas decisões foi vender os computadores que estavam instalados em 40 000 consultórios, o que representava aproximadamente 100 000 médicos. Eram computadores de transmissão de resultados para o laboratório clínico.  Yamada sabia que o sistema acabaria por ser substituído pela internet, mas também sabia que as empresas que estavam envolvidas nas transacções médicas iriam querer recolher estes computadores por ser uma forma de entrar nos consultórios. Vendeu o sistema a uma empresa que pagou 5 milhões de dólares em dinheiro e comprou 40 por cento das acções da empresa. A empresa, após ser agregada a outra chamada Healtheon, acabou por se tornar na WebMD. Quando foi feito o IPO, as acções acabaram por valer 200 milhões de dólares.

De seguida tornou-se responsável pelo departamento de pesquisa e desenvolvimento da SmithKline Beecham; pouco depois a empresa fundiu-se com a Glaxo Wellcome. Uma das consequências foi Yamada ter começado a observar atentamente os sites de pesquisa e desenvolvimento por todo o mundo, pensando que se deviam encerram muitos sites periféricos e centralizar a maioria dos laboratórios. Um do que ia fechar estava situado em Espanha, mas o administrador executivo no país queria desesperadamente manter o laboratório aberto porque, de alguma forma, o ajudava com o pricing dos medicamentos em relação ao governo espanhol.

Ponderava sobre o assunto quando aconteceu algo terrível. A GlaxoSmithKline processou o governo da África do Sul – no essencial era um assunto com Nelson Mandela – porque o Medicine Act permitia ao governo acesso a medicamentos gratuitos para o HIV. O Medicine Act permitia contornar as patentes que protegiam os medicamentos.

O fármaco iria ser utilizado no tratamento dos cidadãos daquele país. O desfecho do caso judicial foi irrelevante. O que conta é que a empresa farmacêutica ficou com um olho negro. Foi uma palermice. Fez pensar, a muitos dos que trabalhavam na empresa, o que faziam ali. Se não podiam elaborar medicamentos para as pessoas que deles necessitavam, não estavam a fazer nada.

Quando Yamada ouviu falar do assunto ficou estarrecido e sentiu vergonha. Ocorreu-lhe que o laboratório de Espanha estava equipado com um excelente laboratório para o estudo de doenças infecciosas, e também que os cientistas que lá trabalhavam eram excelentes técnicos na farmacologia para as doenças infecciosas. Pensou que seria uma excelente oportunidade para criar um laboratório que se focasse nas doenças do mundo subdesenvolvido, especialmente a malária e a tuberculose. Dedicou o laboratório de Espanha a essa finalidade.

Iria custar algum dinheiro à empresa, mas Yamada também pensou que era possível ser empreendedor com o laboratório e conseguir algum dinheiro adicional para apoiar a actividade. A empresa abriu o que se viria a tornar no Laboratório Para as Doenças dos Países em Desenvolvimento na localidade de Tres Cantos, próximo de Madrid.

Os cientistas fizeram um bom trabalho e também conseguiram boas contribuições de empresas sem fins lucrativos dedicadas à investigação farmacêutica, como a Medicines for Malaria Venture e a Global Alliance para a tuberculose. Ambas foram, em grande medida, fundadas por Bill e Melinda Gates. Foi assim que Yamada se associou à Fundação Gates e se tornou sócio na investigação de novos medicamentos dedicados ao tratamento daquelas doenças.

Em Novembro de 2005 dirigia-se para a Fundação Gates para uma reunião sobre o que se fazia nos laboratórios da empresa para a descoberta de novos medicamentos para a malária e a tuberculose, sobre quais eram os desafios e eram os assuntos que lhe interessavam. No final da sua apresentação, Patty Stonesifer, a CEO da fundação na altura, pediu-lhe para falar com ele perguntou-lhe se estaria interessado em gerir o programa Global Health.

Não pensou duas vezes. Em Janeiro de 2006 encontrou-se com Bill e Melinda Gates, e em Fevereiro ofereceram-lhe o lugar.

Os assuntos envolvidos no processo com o governo da África do Sul tinham-no feito parar um pouco e pensar na vida e no trabalho: devia dedicar-se a resolver problemas de alguns ou problemas da maioria? Foi um ponto de viragem e fê-lo perceber que queria dedicar-se a resolver os problemas da maioria, e também que fazê-lo era tão mais importante que tudo o resto em que pudesse estar envolvido.

De 2006 a 2011 foi responsável pelo programa Global Health da fundação. Gastou em 5 anos quase 10 mil milhões de dólares. Concentrou-se em 3 áreas principais: doenças infecciosas; saúde materna, infantil, neonatal e reprodutiva; nutrição. Foi um programa baseado no fardo da saúde. A forma de abordagem foi a seguinte: onde existissem soluções disponíveis, trabalhou-se para as fornecer e para as distribuir com a maior abrangência possível. Onde não existissem soluções, investiu-se em pesquisa e desenvolvimento para a descoberta de novas soluções, novos medicamentos e vacinas.

Yamada escolheu estes percursos porque afirma ter uma bússola interna que aponta para onde estão os pacientes. É indicado para o paciente? Todas as decisões que toma são baseadas nesta bússola. Isto é importante para o paciente? Daria isto à sua própria mãe?

Yamada afirma que se carece sempre de alguma coisa que norteie as nossas decisões. De outro modo, está-se por todo o lado e ninguém pode prever o que vai dizer ou fazer, ou que tipo de decisões irá tomar. Esta bússola permite-lhe manter a consistência e Yamada percebeu que é uma das ferramentas mais importantes da sua vida.