Esta seria a fórmula ideal a seguir pelas organizações que contam com o trabalho de quatro gerações distintas que partilham crenças, ideias, pontos de vista e experiências muito diferentes entre si, numa relação de “inter-riqueza”. E assim deveria funcionar. Todavia, a realidade não acompanha o idealismo e a saudável coexistência multigeracional no local de trabalho deixa ainda muito a desejar. Mas também há boas notícias. No estudo anual sobre “Ética e Diversidade geracional no trabalho: Olhares Cruzados”, publicado pelo Fórum de Ética da Católica Porto Business School, existem testemunhos bons, feios e maus, resultantes do contributo de mais de 1000 trabalhadores em funções, a par de uma análise de resultados que merece toda a nossa atenção
POR HELENA OLIVEIRA

Tenho aprendido muito com os mais velhos e tento partilhar com os mais novos também.

(…)Trabalhei em empresas que, independentemente da idade, havia um respeito entre trabalhadores mais novos e mais velhos pois ambos trazem benefícios para a empresa e ambiente de trabalho. O importante é haver uma “proactividade” da chefia da empresa ou departamento específico, para criar/melhorar essa “cultura” de diversidade geracional.

Ter empatia e conhecimento sobre os contextos de desenvolvimento de cada geração e ver isso como algo positivo e enriquecedor na vida em geral.

Como lidar com a tensão muitas vezes existente entre quatro gerações que todos os dias partilham o mesmo local de trabalho? Que receios, queixas, que sentimentos bons ou maus ocupam o seu pensamento? Como combater o idadismo, com os estereótipos e preconceitos que o definem? Como ultrapassar barreiras de comunicação ou lidar com gritos mudos? Esta e outras questões são comentadas no inquérito “Ética e Diversidade geracional no trabalho: Olhares de Quatro Gerações”, numa análise de rigor e interesse realizada pelo Fórum de Ética da Católica Porto Business School.

Vivemos numa era em que as equipas de trabalho albergam, crescentemente, quatro gerações, realidade a que não só corresponde uma grande diversidade etária, como diferentes formas de trabalhar, de encarar o próprio trabalho e na qual coexistem, por vezes e diariamente, relacionamentos e formas de olhar o mundo completamente distintas. E são diversos os estudos que apontam para a existência de preconceitos e estereótipos baseados na idade (idadismo) que podem pôr em causa não só a coesão das equipas, como a própria vivência individual de quem os sente na pele.

De acordo com o recente Relatório mundial sobre o Idadismo publicado pela Organização Mundial de Saúde e globalmente, “uma em cada duas pessoas tem atitudes discriminatórias em relação aos mais velhos; na Europa, uma em cada três diz ter sido vítima de discriminação com base na idade e o idadismo interpessoal contra adultos mais jovens parece ser ainda mais prevalente do que o idadismo contra as pessoas idosas”.

Todavia, e como se pode ler nos testemunhos que dão início a este artigo, existem igualmente casos de sucesso em locais de trabalho que primam pela “boa” diversidade e em que as diferentes gerações não só aprendem entre si, como partilham as suas tarefas e modos de “ser” e de “fazer” de forma genuinamente saudável.

E foi para analisar três grandes temas – percepções e preocupações sobre convivência intergeracional no trabalho; estereótipos, preconceitos e discriminação no trabalho com base na idade; e preferências geracionais sobre a organização e o trabalho – que o Fórum de Ética da Católica Porto Business School realizou um inquérito a 1074 pessoas, todas elas em idade activa, cujas respostas deram origem ao presente relatório intitulado Ética e Diversidade Geracional no Trabalho: Olhares de Quatro Gerações. Ao inquérito responderam quatro gerações distintas: os Boomers, com 60 ou mais anos; os representantes da geração X, com idades compreendidas entre os 45 e os 59 anos; a denominada geração Y (ou Millennials), entre os 30 e os 44 anos e, por último, a mais recente geração a entrar para o mundo laboral, a Z (ou Zoomers), à qual correspondem jovens com menos de 30 anos.

De uma forma geral e de acordo com a análise dos resultados, “a maioria (63%) dos jovens adultos (18 a 30 anos) sente pressão para mostrar o que vale em virtude da sua idade e quase metade (43%) das pessoas com 60 ou mais anos diz trabalhar com mais empenho para superar as expectativas que as pessoas têm de si, enquanto representantes de uma geração”. Por seu turno, “apenas uma em cada três pessoas das gerações entre os 30 e os 60 anos está preocupada com questões laborais relacionadas com a idade”.

Apesar da sua pertinência e relevância, mas tendo em conta a sua extensão, o VER apresenta de seguida apenas algumas das conclusões do relatório em causa, não deixando, contudo, de sugerir vivamente a sua leitura na íntegra. Adicionalmente, o estudo apresenta ainda um conjunto significativo de testemunhos que o enriquecem significativamente, sendo difícil não nos identificarmos com uma ou mais experiências aqui narradas. Afinal, a diversidade geracional no local de trabalho é um tema que a todos toca, sendo inegável a sua importância para a forma como vivemos a nossa vida profissional, como coexistimos com diferentes gerações e como contribuímos para a cultura organizacional das organizações que nos acolhem.

Como se pode ler também num relatório da OCDE, publicado em 2020 e intitulado “Promoção de uma Força de Trabalho com Idade Inclusiva”, “a criação de uma força de trabalho multigeracional permite uma maior reserva de talentos, aumenta a resiliência e melhora a continuidade e a estabilidade da força de trabalho e a retenção de know-how”. Mas nem sempre é fácil gerar – e gerir – a produtividade, complementaridade, transferência de conhecimentos e experiências que constituem os predicados ideais para uma força laboral diversa e coesa.

Atentemos então de seguida a alguns sentimentos, percepções e considerações recolhidos ao longo da realização deste interessante inquérito, ao que se juntam, sempre que a propósito, alguns dos testemunhos de colaboradores que dele fizeram parte, os quais tanto podem revelar vivências positivas ou negativas.

A convivência intergeracional no trabalho

(…) No meu local de trabalho no global todos têm as mesmas ideias e visão, diferenciado pelo gosto de cada um, mas no geral todos são extremamente focados em dar o melhor deles e obter os melhores resultados.

A minha hierarquia faz-me sentir útil à organização e dá muitos exemplos sobre a minha atitude/comportamento aos colaboradores de gerações abaixo (muito abaixo) da minha.

Equipas multigeracionais tem mais facilidade em acomodar imprevistos, desafios e dificuldades, por terem vivencias diversas e capacidades que se completam

 “Quais são os maiores desafios que cada geração enfrenta tendo em conta as exigências físicas, mentais, relacionais e tecnológicas do trabalho? Quais são as maiores preocupações motivadas pela idade? Como se responde às expectativas que pensamos que outros tem sobre nós? Qual é a percepção que os colegas mais novos têm sobre os mais velhos (e vice-versa) relativamente a contributos, capacidade e empenho no trabalho? Como nos sentimos a trabalhar com pessoas de outras gerações?

As respostas às questões acima mencionadas oferecem-nos um retrato multidimensional e complexo sobre questões éticas e preocupações pessoais que surgem em locais de trabalho multigeracionais e que, em alguns casos e à primeira vista, nos podem surpreender. Por exemplo, parece ser do senso comum que são os mais velhos que se confrontam com maiores preocupações relacionadas com a sua idade, visto que vivem agora numa realidade totalmente diferente daquela que caracterizou a sua vida laboral durante várias décadas. Contudo, de acordo com o inquérito e ao contrário do que poderíamos esperar, são os mais jovens que mais tensões sentem relacionadas com o facto de serem a geração mais nova no seu local de trabalho.

Assim, os jovens da geração Z afirmam sentir que, por causa da sua idade, os seus pares mais velhos consideram que têm menos capacidade (37%), menos contributos a dar (28%) e não estão tão empenhado/as no trabalho (16%) comparativamente às demais gerações.

Atribuíram-me durante muito tempo trabalho física e intelectualmente muito desadequado às funções para as quais fui seleccionada por ser mais nova. As minhas competências foram durante muito tempo menosprezadas pela mesma razão.

Não fui ouvida, porque era demasiado nova para saber algo.

No que respeita aos Boomers, também eles sentem, se bem que em menor escala, que os mais jovens olham para eles como menos capazes (17%), que o seu contributo é menor (15%) e que o seu empenho no trabalho é mais fraco (13%).

A não valorização de ideias apresentadas por pessoas mais velhas e a entrega de trabalhos “importantes” a pessoas mais novas

Fazerem-me sentir que não sou válida por aspectos relacionados com condições físicas próprias do avanço da idade: O meu serviço não está adaptado para a execução de determinadas tarefas para profissionais com mais idade, por exemplo em relação a horários, equipamentos e velocidade a que o trabalho tem de ser executado.

Ou seja, são exactamente as duas gerações opostas que mais preocupadas se sentem com o que os demais colegas pensam relativamente ao seu trabalho, o que constitui um sinal para as lideranças para que prestem particular atenção tanto a uns como a outros.

Uma boa notícia reside no facto de todas as gerações concordarem que é salutar e positivo trabalhar com pessoas de idades diferentes, com mais de 90% dos inquiridos a concordarem que a comunicação, a interacção e o trabalho desempenhado melhora a vida profissional de cada um, sendo que esta última afirmação é proferida por 62% da geração Y e por 80% da geração Z, com resultados ligeiramente abaixo para os Boomers e para a geração X, mas com pouco significado estatístico.

No meu local de trabalho temos uma diversidade geracional interessante: desde colaboradores com mais de 40 anos de experiência até ao estagiário que ainda nem iniciou uma licenciatura. A todos procuramos proporcionar o melhor ambiente de trabalho. É algo muito importante de experienciar. Aprendemos com todos.

No meu percurso profissional, trabalhar com pessoas mais seniores foi muito impactante no meu desenvolvimento profissional e pessoal. Ainda hoje tenho muito respeito e gratidão por aquilo que aprendi com elas e continuo a manter contacto para me orientar nos momentos difíceis.

Porque o ambiente laboral também pode ser tóxico

Até há pouco tempo sofri danos morais por parte da chefia. Entre nós havia uma grande diferença geracional e por esse mesmo motivo (entre outros) não ouvia nem colaborava sem ser através das próprias ideias, as quais muitas vezes estavam desadequadas por falta da dificuldade de acompanhamento dos novos tempos/metodologias.

Não valorizam as pessoas que estão na empresa há mais anos. Economicamente quem entra agora tem melhor vencimento, do que pessoas que trabalham cá há mais de vinte anos. O poder económico é cada vez pior, e existe maior diferença, entre os mais velhos e os mais novos!

Apesar das notícias positivas referidas no ponto acima, existem igualmente locais de trabalho onde a discriminação, os estereótipos e os preconceitos contribuem consideravelmente para a toxicidade laboral. E tanto assim é que cerca de um terço ou 34% dos inquiridos (360 pessoas) confirmou ter experienciado ou testemunhado algum tipo de discriminação por idade no local de trabalho, com a geração dos Boomers a posicionar-se à frente (39%) deste tipo de tratamento desumanizado e preconceituoso, o que está alinhado com a percepção de 54% dos inquiridos, que consideram que é a geração mais velha a mais propensa a experienciar a discriminação por idade no trabalho.

A legislação laboral não permite a dispensa de pessoas que não são tão eficientes e como tal a tendência é se acomodarem ao lugar ficando nas empresas até á reforma sobrecarregando outros colegas de trabalho, e os mais eficientes (mais novos ou mais velhos) fogem dessas organizações mais pesadas.

De forma crescentemente notória, as minhas propostas de promoção de pessoas mais velhas são sistematicamente rejeitadas.

Como também alerta o estudo e tendo em conta que a esmagadora maioria dos respondentes (90%) considera o idadismo “prejudicial à saúde física e mental e ao bem-estar social”, é também quase unânime a importância de o combater, com 92% dos auscultados a referirem as acções de formação/educação como a melhor forma de inverter estes resultados.

Existir respeito, educação perante todo o indivíduo na sociedade e compreender que todos somos diferentes (…).

Mais preocupante ainda é o facto de 59% dos que viveram ou testemunharam actos de discriminação não os terem reportado, sendo de sublinhar que a geração Z foi a que menos o fez (77%).

E quais as razões principais para esconder estas manifestações de desrespeito pelo valor de cada um como pessoa única e singular? Na verdade e infelizmente, as respostas não constituem uma grande surpresa. De acordo com o relatório, cerca de metade dos visados não reportou por “não acreditar que viessem a ser tomadas medidas correctivas” no que respeita a este tipo de comportamentos, com 20% a confessarem ter receio de algum tipo de retaliação tanto por parte do empregador como dos colegas, ao que se soma o medo de prejudicar o emprego (17%) e a confirmação de não terem conhecimento da existência de um canal de denúncias (18%.

De destacar ainda que das 360 pessoas que reportaram o ato de discriminação por idade vivido ou testemunhado, 26% afirmam ter sentido retaliação, com maior predominância para os mais jovens (40%) e os mais velhos (33%).

Acho que os funcionários têm receio de exprimir aquilo que sentem, com medo de ficar sem trabalho ou mudança de serviço.

Adicionalmente, e como se pode atestar da leitura dos testemunhos recolhidos a propósito da discriminação com base na idade, esta não tem só efeitos negativos na auto-estima dos colaboradores, como também afecta a promoção e a mobilidade profissional e, em particular, tanto a dos mais velhos como a dos mais novos:

Os trabalhadores mais novos, com formação superior, não têm acesso às mesmas regalias/ promoções que os mais velhos (sem habilitações académicas) apenas em função da idade. Por sua vez, há trabalhadores mais velhos, que são convidados a sair da organização, com base exclusivamente na idade.

Infelizmente muitas chefias são nomeadas pela idade e não deixam os mais novos brotarem. Estes mais novos não se sentem realizados e acabam por se transferir.

Na minha organização, o principal critério para o acesso a cargos de chefia é o número de anos de serviço dentro do organismo, o que não me parece ser um critério válido, já que não tem em conta nem a experiência profissional prévia à entrada no organismo, nem a formação relevante, nem aspectos como a produtividade, a qualidade do trabalho desenvolvido ou as competências técnicas e de liderança evidenciadas. Não se trata apenas de uma questão geracional, mas afecta o clima organizacional e coloca em causa a igualdade de oportunidades, de uma forma geral.

Por fim, e como alerta o estudo, os comentários preconceituosos em relação à idade por parte de colegas ou gestores causam dano, fazendo germinar mal-estar quer nos que são vítimas deste tipo de discriminação, quer no contexto mais global de falhas na construção de um clima ético na empresa.

Integração, respeito e partilha de conhecimento

Apesar de se manter a recomendação para que os resultados deste inquérito e as suas conclusões subsequentes merecerem ser lidas na íntegra, algumas das principais ideias que optámos por seleccionar para o presente texto deixam claro que a convivência de quatro gerações distintas no mesmo local de trabalho é significativamente complexa, ao mesmo tempo que uma melhor ou pior coabitação das mesmas depende, em grande parte, da cultura de cada organização e dos seus respectivos líderes.

Por outro lado, e como se defende também, muitos dos testemunhos recolhidos apontam, sem grandes surpresas, para a necessidade “de se promover uma ética da responsabilidade nas diferentes organizações, sensibilizando e formando as chefias e os restantes colaboradores para o sentido do respeito e da integridade no contexto profissional”.

Integrar gerações significativamente distintas entre si pode ser uma tarefa difícil, mas não é de todo impossível. Saber valorizar o que de melhor existe em cada uma delas, compreender os mundos laborais, académicos e sociais diferentes que as caracterizam, apostar na partilha de conhecimentos, sem menosprezar os “mais antigos” ou os “mais modernos” e respeitar as vivências de cada um é meio caminho andado para a construção de locais de trabalho coesos, saudáveis, produtivos e competitivos.

Todavia, é igualmente crucial que as organizações saibam reflectir sobre estas diferenças, que saibam agir para as atenuar e, sobretudo, que tenham em mente que o seu propósito é igualmente o de contribuir para que todos os seus colaboradores, independentemente da idade, se sintam motivados na promoção do seu próprio bem, do bem dos outros e do bem da organização.

O caminho é ainda muito incerto e talvez a resposta resida também em debates a “quatro”, olhos nos olhos, com autenticidade e respeito e com a presença dos responsáveis pela construção de um ambiente de trabalho saudável, solidário e competitivo.

Leia também:

“Ética e a Diversidade Geracional no Trabalho: Olhares Cruzados”

Diversidade Geracional: um (in)visível Bem Público

O valor da diversidade geracional, a partir de diferentes setores

Aceda na íntegra ao relatório “Ética e Diversidade Geracional no Trabalho”: Olhares de Quatro Gerações

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