Considerações éticas sobre diversidade geracional e a perspetiva da longevidade a partir das neurociências foram os temas abordados na abertura da conferência anual do Fórum de Ética, dedicada a “Ética e Diversidade Geracional no Trabalho”.
POR HELENA GONÇALVES e HELENA GIL DA COSTA

Considerações éticas sobre diversidade geracional e a perspetiva da longevidade a partir das neurociências foram os temas abordados na abertura da conferência anual do Fórum de Ética, em 2023 dedicada a “Ética e Diversidade Geracional no Trabalho”. Estas duas perspetivas precederam a apresentação dos resultados do inquérito e inspiraram o público e o debate da mesa-redonda.

Ousamos fazer aqui uma (dificílima) síntese do que connosco partilharam Piet Naudé[i], em “Optimizing Generational Diversity: Ethical Considerations” e Luísa Lopes[ii], em “A Diversidade Geracional na perspetiva da Longevidade e Envelhecimento Saudável: factos científicos e contributos dos estudos em Neurociências”.

Piet Naudé começou por esclarecer que é um académico da área das Humanidades e que se identifica com as Ciências Sociais. Ao longo da sua vida, e também por viver na África do Sul, tem-se dedicado ao tema das discriminações e, de uma forma particular, às discriminações de raça, género e classe social. Não se considera, por isso, um perito em diversidade geracional, mas, com muito trabalho feito sobre ética nas empresas, quis partilhar algumas ideias. Sendo passíveis de acordos e desacordos, servem para suscitar o debate – o que realmente importa no espaço académico.

Sintetizou, assim, um conjunto de questões éticas em torno do tema:

  • Problemas de pesquisas baseadas em coortes por idades;
  • O que aprendemos com a diversidade do ecossistema;
  • Como a nossa visão do mundo alimenta o idadismo;
  • Podemos contrariar o idadismo através de uma forma diferente de liderança;
  • A diversidade geracional é uma coisa boa, um bem público.

As ciências sociais trabalham com modelos, aproximações à realidade, mas que não são cópias do real social. A arbitrariedade da classificação dos diferentes grupos etários em “gerações” (muitas vezes inconsistentes, com ligação débil entre o contexto e as características que as pessoas atribuem aos grupos), incrementa na investigação o tema da causalidade e do determinismo social. São generalizações que, por um lado, descuidam aspetos como a evolução dos indivíduos dentro de cada “geração”. Por outro, e porque as pessoas têm de se adaptar para funcionarem socialmente, ignoram o impacto da Inteligência Artificial na homogeneização do comportamento humano e da identidade social.

Para podermos implementar a ideia de “diversidade etária criativa”, devemos aprender com a diversidade no ecossistema natural – quanto maior é a diversidade, mais complexo se torna, mais sistemas de interação e capacidade de reprodução existem, mais bonitos são esteticamente e mais resistentes se convertem perante a adversidade. Do mesmo modo, as organizações com grande diversidade (de nacionalidades, géneros, idades…) são também as que têm redes de trabalho mais complexas, as que podem ser mais criativas, mais prósperas e com mais capacidade de enfrentar contratempos e reveses.

Os preconceitos, os “ismos”, o ódio, não nascem connosco, desenvolvem-se durante o processo de socialização. Exigem, em primeiro lugar, a perceção da diferença e depois a generalização dos pressupostos negativos a todas as pessoas de um determinado grupo. Os desvios são vistos como exceções à crença, vieses de confirmação que funcionam como um círculo vicioso. É, por isso, necessário: reconhecer, de forma auto-crítica, a posição pessoal relativa a género, raça, idade…; compreender que a identidade é dinâmica; estar aberto e deixar influenciar-se por outros e de outra(s) maneira(s); reconhecer que a nossa própria identidade é um conceito que evolui com o tempo. Se assim for, no contexto das organizações passa a ser possível lidar com a complexidade (expressa em valores, expectativas, diferentes formas de lidar com a tecnologia…) e com o conflito que possa surgir.

Assim, e para escapar daquele círculo vicioso nas organizações, é necessário: fomentar uma cultura organizacional aberta à comunicação; falar abertamente sobre estes assuntos; equilibrar uma liderança democrática e diretiva. A democracia tem limites quando se trata de lidar com idadismo, sexismo, racismo… O respeito pelas pessoas, em todas as ações do dia-a-dia, é um valor absolutamente não negociável.

Por último, Piet Naudé considera que a diversidade geracional é um bem público, é empoderamento. Não é “desempoderamento” pedir ajuda a pessoas de outra geração – pelo contrário, torna-nos melhores, despoleta a criatividade. Coexistimos, não lutamos uns contra os outros – assim se aumenta a prosperidade e o sucesso, em termos de dinheiro, de menos turnover, de pessoas altamente comprometidas e felizes porque respeitadas, valorizadas e reconhecidas na sua humanidade. Piet, assume por isso que o futuro da Humanidade vai ser definido por esta nossa capacidade de co-criação para a diversidade.

Luísa Lopes, começa por chamar a atenção de que a neurociência estuda a vida, não tanto as empresas e que, apesar do envelhecimento da população, estamos muito preocupados em preparar o mundo para os nómadas digitais (que são a minoria), mas a excluir uma parte da população cada vez maior (os que têm mais de 65 anos). Refere, por isso, a necessidade de que a organização das nossas sociedades seja feita menos em redor das organizações e das empresas e que tenha mais foco na vida das pessoas. Há perguntas e preocupações centrais que importa antecipar: Como vamos preparar as cidades? Como vamos preparar os cuidados de saúde? Como vamos preparar as famílias? Como vamos [também] preparar as organizações?

A OMS tem trabalhado muito e feito recomendações relativas ao envelhecimento da população. Em 2050, na Europa Ocidental e nos Estados Unidos, mais de 30% da população vai ter mais de 60 anos e, segundo os cânones atuais, vai estar reformada. Dedicou, por isso, a década 2020/30 ao “envelhecimento saudável”. É um alerta para esta urgência demográfica que vai levar ao crescimento de doenças, como o déficit cognitivo ou a demência, em que a idade é um fator de risco.

O envelhecimento não tem, porém, de ser uma maldição, a genética e os fatores ambientais não são determinantes. Há zonas de envelhecimento saudável, de diferentes continentes, com genéticas diferentes, com hábitos de vida diferentes. São as chamadas Blue Zones ou Longevity Hotspots (Califórnia, Costa Rica, Itália, Grécia, Japão). São zonas pequenas, com maior diversidade geracional, em que as pessoas se ajudam umas às outras, têm uma alimentação saudável e não são sedentárias.

Outros estudos têm também mostrado os benefícios da interação geracional – junta a calma, a serenidade e a experiência dos mais velhos e dos que sabem, com a energia e a impulsividade (a maior capacidade de correr riscos) dos mais novos; torna-nos mais capazes de resolver problemas porque aproximamos abordagens distintas; aumenta a empatia e combate a discriminação pela idade; aumenta a neuroplasticidade. A comunicação melhora quando pessoas diferentes se aproximam, quando falamos uns com os outros, quando temos de a fazer em circunstâncias diferentes das que nos possam ser mais habituais.

Sugere, assim, a implementação de um modelo de organização empresarial diferente que tenha todos estes aspetos em consideração. Luísa Lopes considera que o futuro da diversidade geracional na sociedade terá de ser marcado por uma maior colaboração e compreensão entre diferentes grupos etários, à medida que as pessoas reconhecem as perspetivas únicas e as forças que cada geração traz para a mesa. No entanto, também pode apresentar desafios na navegação de tecnologias em constante evolução e mudanças económicas que afetam as várias gerações de formas diferentes, exigindo esforços contínuos para superar esta lacuna geracional.

Em suma, estas inspiradoras intervenções dos dois convidados deixam-nos pista de reflexão para o Futuro: o da diversidade geracional na sociedade e o da Humanidade.

O futuro da diversidade geracional na sociedade será marcado por uma maior colaboração e compreensão entre diferentes grupos etários, à medida que as pessoas reconheçam os benefícios das perspetivas únicas e as forças de cada geração, sem deixar de estar atentos aos desafios tecnológicos e mudanças económicas que afetam de forma desigual as várias gerações.

O futuro da Humanidade vai ser definido pela nossa capacidade de co-criação para a diversidade. Habitar a “Casa Comum” é coexistir. Se não lutarmos uns contra os outros, aumentaremos a prosperidade e o sucesso, quer na perspetiva financeira, quer da felicidade das pessoas, que se sentirão respeitadas, valorizadas e reconhecidas na sua humanidade.

Se (re)conhecermos o potencial da diversidade do ecossistema natural e o da diversidade geracional [no trabalho] aceitaremos que estamos, de facto, perante um (in) visível Bem Público.

 

Ilustração: © Maria Sottomayor 

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[i] Piet Naudé | Professor de Ética e antigo Diretor da Stellenbosch University Business School, na África do Sul. É presidente do Conselho Consultivo Académico da Católica Porto Business School.

[ii] Luísa Lopes | Neurocientista, coordenadora de um grupo de investigação no Instituto de Medicina Molecular e Professora Convidada de Neurociências na Faculdade de Medicina de Lisboa.

Helena Gonçalves

Helena Gonçalves é coordenadora do Fórum de Ética da Católica Porto Business School

Helena Gil da Costa

Fórum de Ética da Católica Porto Business School