“Co-Intelligence: Living and Working with AI” explora a relação em evolução entre os seres humanos e a inteligência artificial, salientando a necessidade de colaboração e integração para aproveitar todo o potencial da IA. O livro abrange vários aspectos da IA, incluindo o seu desenvolvimento, aplicações actuais e perspectivas futuras, destacando simultaneamente as implicações éticas, sociais e práticas da integração da IA na vida quotidiana e no trabalho de todos nós
POR HELENA OLIVEIRA
Quer queiramos ou não, vivemos na era da Inteligência Artificial. E quer queiramos ou não, estamos permanentemente enredados nas suas promessas e perigos, entre temores e prováveis boas notícias, repletos de desafios éticos e de total nevoeiro face ao que o futuro nos reserva. De qualquer das formas, cada vez mais vivemos, mediante variadas formas, rodeados de IA – mesmo que não tenhamos noção total disso – e a tendência é que esta se misture cada vez mais com muitos aspectos das nossas vidas e, essencialmente, com o trabalho que fazemos.
Ethan Mollick, professor de gestão na Wharton Business School e co-director do Laboratório de IA Generativa na mesma escola de negócios lançou recentemente o livro Co-Intelligence: How to Live and Work with AI, no qual explica o que significa pensar e trabalhar em conjunto com máquinas inteligentes, exortando-nos a envolvermo-nos com a IA enquanto um co-trabalhador, um co-professor e até um coach.
Para Mollick, dado que as capacidades técnicas das ferramentas de IA estão a aumentar mais rapidamente do que os nossos cérebros conseguem compreender e com os humanos a não conseguirem acompanhar o seu ritmo, o melhor é aprendermos tudo o que pudermos agora antes que ela se torne ainda mais sofisticada. Ou seja, o professor de Wharton Mollick defende fortemente a necessidade de se compreender como funciona esta tecnologia, quer se seja um adoptante entusiasta ou um céptico muito pouco convencido.
Como sabemos, um dos receios mais comuns no que respeita à IA está relacionado com a forma como ela vai afectar o mercado laboral. À pergunta “irá a IA impactar o meu trabalho”, a resposta de Mollick é “provavelmente sim” – mas há uma grande diferença entre ter “um impacto” e “assumir o controlo”, e parte da diferença reside exactamente em aprender a utilizar a tecnologia de forma inteligente. Para o autor, existem quatro princípios por excelência para trabalhar com IA:
Convidar sempre a IA para a mesa: A IA deve ser integrada nos fluxos de trabalho onde os seus pontos fortes podem ser aproveitados. No início, pode ser útil abordar cada tarefa com a pergunta: “Que partes desta tarefa podem ser adequadas à IA?” ou “O que poderia melhorar através de uma iteração mais rápida ou de uma análise de dados?”
Ser o humano no centro do processo: O papel do ser humano é supervisionar e validar os resultados da IA, avaliando criticamente a sua correcção e isso significa nunca entregar as rédeas inteiramente à IA. Para sermos bem-sucedidos, isso significa aumentar o conhecimento e o desenvolvimento profissional para nos tornarmos o especialista e pensador crítico a pedido que a IA não pode substituir.
Tratar a IA como uma pessoa, mas dizer-lhe que tipo de pessoa é: Para obter os resultados mais úteis, dê à IA um contexto claro para os resultados de que necessita. Quanto mais pormenores e informações puder fornecer numa mensagem, melhor a IA poderá fazer as previsões adequadas para gerar resultados úteis para a tarefa que lhe for solicitada.
Partir do princípio de que esta é a pior IA que alguma vez utilizará: À medida que as suas capacidades aumentam, a IA atual parecerá primitiva em retrospectiva. Ao compreendê-la e começar a utilizá-la hoje, temos a oportunidade máxima de aumentar a sua própria sofisticação à medida que a tecnologia avança ao longo do tempo.
Mas de que se trata a co-inteligência?
“Inventámos tecnologias, desde machados a helicópteros, que aumentam as nossas capacidades físicas; e outras, como folhas de cálculo, que automatizam tarefas complexas; mas nunca construímos uma tecnologia de aplicação geral que possa aumentar a nossa inteligência”; escreve Mollick explicando o que está por detrás do conceito de co-inteligência.
Para o autor, “chegámos a um ponto em que a IA pode ser descrita como uma tecnologia emergente, exibindo uma inteligência e criatividade semelhantes às humanas. Em termos práticos, temos uma IA cujas capacidades não são claras, tanto no que respeita às nossas próprias intuições como para os criadores dos sistemas. Uma IA que, por vezes, excede as nossas expectativas e que, noutras ocasiões, nos desilude com fabricações. Uma IA que é capaz de aprender, mas que muitas vezes não se lembra de informações vitais. Em suma, temos uma IA que se comporta de forma muito semelhante a uma pessoa, mas de maneiras que não são totalmente humanas. Algo que pode parecer senciente, mas não o é (tanto quanto podemos dizer)”. Em suma, “inventámos uma espécie de mente alienígena”, declara.
No seu livro, o professor da Wharton School of Business introduz também uma metáfora adequada, comparando os utilizadores humanos ou a ciborgues ou centauros, descrevendo diferentes abordagens para a adopção da IA. Os utilizadores mais bem-sucedidos, ou ciborgues, trabalham alternadamente misturando tarefas humanas e de IA sem problemas, enquanto os “centauros” mantêm uma divisão mais clara entre as suas funções. E observa: “Em todos os domínios, estamos a descobrir que um humano que trabalha com uma co-inteligência de IA tem um desempenho superior ao dos melhores humanos que trabalham sem IA”.
Recordando que a IA é excelente em tarefas como a análise de dados, a criação de conteúdos e a personalização, o que pode poupar imenso tempo e fornecer informações que os humanos poderiam ignorar, é preciso não esquecer que o pensamento crítico humano é absolutamente necessário para o planeamento estratégico, a direção criativa e as tarefas que exigem inteligência emocional.
E para manter o ser humano no centro das decisões, os profissionais precisam de aprender a utilizar a IA como uma ferramenta para melhorar o seu trabalho: gerando mais ideias de conteúdo e combinando ideias de novas formas, optimizando processos e automatizando tarefas repetitivas. Todavia, e como alerta Mollick, nenhum resultado da IA deve passar sem análise, revisão e aprovação humana para garantir que o conteúdo/resposta é verdadeiro e correcto e que está alinhado com a voz, os objectivos, os valores e os padrões de qualidade ditados pelos humanos. Como a IA é de fabrico humano, tem preconceitos humanos e a sua “mente alienígena” deve estar alinhada com os nossos interesses, ética e moralidade.
Como seria de esperar, o autor debruça-se igualmente sobre o “problema do alinhamento”, isto é, garantir que a IA serve, e não prejudica, os interesses humanos, a par do receio da “singularidade”, o momento em que a IA nos destrói. Mas existem também preocupações legais e éticas mais imediatas, como a utilização de material protegido por direitos de autor nos dados de treino [da IA]. “Mesmo que o pré-treino seja legal, pode não ser ético”, diz, dando o exemplo da capacidade dos geradores de imagens de IA para criar arte ao estilo de artistas nomeados, o que nos leva à questão ética de para quê pagar a um artista pelo seu tempo e talento quando a IA pode fazer algo semelhante gratuitamente em segundos, e acrescentando ainda que já não podemos confiar se o que vemos, ouvimos ou lemos não foi criado por IA.
O autor defende igualmente que as limitações da IA não nos devem dissuadir de procurar todas as formas éticas de a utilizar. Mas, e ao mesmo tempo, não podemos ficar paralisados perante as suas capacidades em expansão e melhoria e simplesmente assistir à migração de tarefas da responsabilidade dos humanos para a automação. Em vez disso, os profissionais devem seguir o conselho de Mollick para encarar a IA como o colaborador criativo e útil que pode ser – e concentrar-se em aumentar os nossos conhecimentos humanos individuais para serem relevantes ao longo de qualquer que seja o processo.
Como a IA pode assumir diferentes “personalidades”
O livro de Ethan Mollick apresenta igualmente cinco perspectivas ou personas para explorar a IA, ou seja, encarando-a como uma pessoa, um criativo, um colega de trabalho, um tutor e um coach. E como diz o autor “o ponto aqui é que a IA pode assumir diferentes personas de forma rápida e fácil”, o que leva a questões importantes. Se a IA já escreve melhor e é mais criativa do que muitas pessoas, o que é que isto significa para o futuro do trabalho criativo?
Mollick não tem dúvidas de que a IA irá afectar o nosso trabalho – a menos que sejamos bailarinos, atletas, psicoterapeutas, advogados, cientistas, relações públicas, entre outras profissões mais “humanas” – mas embora possa automatizar parte do nosso trabalho, livrarmo-nos de algumas tarefas não significa que o trabalho desapareça. Como escreve, “da mesma forma que as ferramentas eléctricas não eliminaram os carpinteiros, tornando-os antes mais eficientes e as folhas de cálculo permitiram que os contabilistas trabalhassem mais depressa, mas não eliminaram os contabilistas, o que já está a acontecer e será cada vez mais normal é que a IA sirva simplesmente para melhorar o nosso trabalho.
Para testar este cenário, Mollick colaborou com uma equipa de académicos e com o Boston Consulting Group para comparar o trabalho de um grupo aleatório de consultores de gestão com outro grupo que trabalhava com o ChatGPT-4 numa série de tarefas criativas e persuasivas. E a conclusão foi clara. O grupo que trabalhou com a IA teve um desempenho significativamente melhor do que os consultores que não trabalharam com a IA. Os consultores que trabalharam com a IA foram mais rápidos e o seu trabalho foi considerado mais criativo, mais bem escrito e mais analítico do que o dos seus pares. Todavia, o Boston Consulting Group criou mais uma tarefa que seria difícil de realizar pela IA. Nesta tarefa, os consultores humanos superaram os que tinham trabalhado com a IA.
É por estes motivos que temos de saber distinguir entre as tarefas que a IA faz bem e aquelas para as quais os humanos estão equipados de forma única (o autor denomina-as como tarefas “Just Me”). Mollick cita o exemplo de inventar anedotas, mas também a escrita do seu livro. “A IA é boa a escrever, mas não tão boa a escrever com um estilo pessoal”, afirma, não deixando de acrescentar, contudo, que esta pode ser uma situação temporária.
Na verdade e à medida que navegamos na relação cada vez mais interligada entre a inteligência humana e a inteligência das máquinas, talvez seja bom aplicar o ditado “se não a podes vencer, junta-te a ela”.
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