Embora o conceito ESG não esteja “a morrer” em sentido literal, existe um movimento de revisão, mais crítico e menos idealista, no qual empresas e investidores procuram que o mesmo seja mais prático, transparente e financeiramente sustentável. No entanto, um estudo recente realizado nos Estados Unidos, Canadá, Europa e região Ásia-Pacífico apresenta dados que demonstram que as estratégias de ESG, apesar das diferenças regionais, estão cada vez mais integradas na estratégia das empresas. Já em Portugal, os esforços para tal ficam muito aquém do desejado
POR HELENA OLIVEIRA
No Barómetro RH 2024, realizado pelo Kaizen Institute em parceria com a Hays Portugal e embora a implementação de políticas de ESG seja cada vez mais reconhecida como um factor de criação de valor crucial para a estratégia corporativa, os dados revelam que 36% das empresas ainda se encontram num estágio básico de maturidade em termos de práticas de sustentabilidade e ESG. Além disso, 8% dos inquiridos indicam possuir apenas algumas iniciativas de ESG e um relatório de sustentabilidade, mas sem uma plena integração dessas práticas na estratégia global da empresa. Estes dados revelam que a maioria das organizações ainda está nos estágios iniciais da implementação de práticas sustentáveis, focando-se no cumprimento de requisitos mínimos ou em iniciativas pontuais, sem uma incorporação completa na estratégia corporativa. Apenas uma minoria tem práticas consolidadas e relatórios de sustentabilidade bem estruturados.
Ainda no campo do ESG, e de acordo com o mesmo barómetro, a área de Recursos Humanos deve ser uma parceira chave na promoção de uma cultura organizacional que valorize e implemente práticas ESG de forma estratégica e abrangente. Os dados revelam que o papel do departamento de RH na implementação de práticas de sustentabilidade varia significativamente entre organizações. Enquanto 46% das empresas já integram os RH de forma robusta no desenho e implementação da estratégia de ESG, outras têm ainda uma abordagem mais limitada, focando a participação de RH em iniciativas pontuais, como políticas de diversidade. Outras empresas não envolvem sequer esta área no processo.
Estes dados mostram que Portugal tem ainda um longo caminho a percorrer em matéria de ESG, sendo contrariado pelos resultados de um outro inquérito, que incluiu os Estados Unidos, a Europa e a região Ásia-Pacifico e que garante que o debate em torno das estratégias ESG (ambiental, social e de governação) continua aceso. Isto apesar de o Financial Times ter publicado recentemente um artigo com o título provocatório “Quem matou o ESG?”, apresentando uma série de entrevistas na tentativa de entender por que motivo, de uma hora para outra, o tema foi do céu ao inferno na agenda do mercado financeiro. A partir de então, foram muitos os especialistas que seguiram a “onda”, afirmando que as questões ambientais, sociais e de governo corporativo a ter em conta na decisão de investir em empresas está moribunda (v. Nota).
Todavia e de acordo com o terceiro inquérito anual global “Sustainability in the Spotlight: The Balancing Act of ESG”, conduzido pela Spencer Stuart e pelo Diligent Institute, que questionou 801 membros dos conselhos de administração de empresas públicas e privadas de todos os sectores e regiões geográficas sobre as estratégias de sustentabilidade e supervisão das suas empresas, as questões globais que o ESG pretende abordar – alterações climáticas, direitos humanos e equidade, entre outras – são de importância extrema, estando a tornar-se cada vez mais complexas.
Isto porque, na sua definição mais ampla, o ESG reflecte um conjunto de objectivos comuns a todas as empresas – desde a gestão do risco, passando pelo papel na resolução de questões sociais, até à identificação de oportunidades de crescimento e de criação de valor. A vontade e os esforços das empresas para enfrentar estas oportunidades e desafios parecem estar a aumentar, e não a diminuir.
Para este estudo em particular, foi pedido aos inquiridos que fornecessem as suas perspectivas e envolvimento na definição da visão e estratégia ESG da sua organização, bem como o seu papel na supervisão dos resultados. Para tal, procurou-se obter respostas dos representantes a uma panóplia de questões, entre as quais se destacam as seguintes:
- Visão organizacional: Quais das principais questões da agenda de sustentabilidade são mais importantes para a sua organização? Onde é que o ESG proporciona o maior valor? Quais são as suas ambições para o ESG?
- Foco estratégico e integração: Quais os stakeholders que orientam a estratégia e as acções ESG? Que objectivos e métricas ESG estão em vigor? Quais são os maiores obstáculos ao ESG?
- Supervisão do conselho de administração: A responsabilidade do conselho de administração pela supervisão de ESG mudou no último ano? Qual o nível de prioridade que o conselho atribui ao ESG? Quem reporta ao conselho de administração sobre ESG? Que conhecimentos são necessários para melhorar a supervisão?
Como já referido, este relatório contém uma análise global que compara as respostas dos administradores de empresas sediadas na América do Norte (Estados Unidos e Canadá), na Europa e na região Ásia-Pacífico. Não sendo possível relatar todas as respostas e informação contida neste estudo, o VER apresenta algumas das suas principais conclusões.
Mitigação de riscos e gestão de oportunidades
O inquérito deste ano revela que são poucos os conselhos de administração (CA) e empresas que estão a recuar nas suas visões e ambições em termos de ESG. Em vez disso, os membros dos CA estão a pedir mais especificidade relativamente às questões materiais que as suas organizações enfrentam e aos riscos e oportunidades que as acompanham, na procura de estratégias ESG que ofereçam um melhor equilíbrio entre a mitigação de riscos e a gestão de oportunidades.
Como já acima enunciado e apesar das manchetes recentes que proclamam o fim do termo ESG, as organizações estão a adoptá-lo como uma narrativa cada vez mais abrangente para um conjunto de iniciativas que vão para além das alterações climáticas e de outras preocupações ambientais. De facto, a maioria dos inquiridos (56%) continua a utilizar o termo “ESG” para descrever os seus esforços nestas áreas em vez de “sustentabilidade” (44%). Reflectindo o âmbito alargado do ESG, 63% dos inquiridos deste ano afirmaram que a diversidade e a inclusão (DEI, sigla para Diversidade, Equidade e Inclusão) é a questão de sustentabilidade mais importante para a concretização da estratégia empresarial da sua organização.
Por seu turno, as alterações climáticas continuam a ser uma questão de elevada prioridade, mas um número ligeiramente inferior de inquiridos (59%) indicou-a como uma das três questões de sustentabilidade mais importantes para as suas organizações. A utilização de recursos completa este top 3, com 40% dos inquiridos a escolherem esta opção.
Quando analisados estes resultados por região, o estudo verificou que a prevalência da DEI é impulsionada, em grande parte, por empresas sediadas na América do Norte. Os inquiridos de organizações sediadas na Europa e na Ásia-Pacífico têm uma probabilidade ligeiramente superior de apontar as alterações climáticas como uma das principais questões de sustentabilidade que têm em mãos. As alterações climáticas também mantiveram uma ligeira vantagem sobre a DEI como a principal questão entre os inquiridos de empresas privadas. Desta forma e resumindo, a DEI, as alterações climáticas e a utilização de recursos são então as três questões de sustentabilidade mais importantes que afectam a estratégia empresarial na actualidade.
Mais de metade das empresas aspira a ser líder em sustentabilidade no seu sector
Os conselhos de administração e as empresas não só deram prioridade ao ESG, como também têm grandes ambições para as estratégias que o envolvem. Mais de metade dos inquiridos (53%) afirmam que as suas empresas aspiram a ser vistas como líderes de sustentabilidade nos seus sectores ou na comunidade empresarial em geral. Um pouco mais de um terço (35%) está concentrado em acompanhar a evolução das normas voluntárias e menos de 10% dos inquiridos afirmam que as suas empresas se contentam em cumprir as normas regulamentares e legais mínimas em matéria de ESG. Isto sugere que a fasquia competitiva para o desempenho ESG vai ficar cada vez mais elevada: a posição de liderança de hoje é susceptível de ser a aposta de amanhã, diz o relatório.
A análise regional realizada pelo estudo mostra igualmente que as empresas europeias e da região Ásia-Pacífico são mais propensas a aspirar à liderança da sustentabilidade na comunidade empresarial global. Por seu turno, as empresas norte-americanas têm, no geral, menos ambições nesta matéria, com uma percentagem mais elevada de representantes dos CA a declarar que aspiram, ao invés, à liderança no seu sector de actividade. As empresas públicas também tendem a ter ambições de nível mais elevado do que as empresas privadas.
A maioria das empresas (41%) adopta uma abordagem ESG que engloba tanto a atenuação dos riscos como a criação de valor
As organizações são menos propensas a ver a sustentabilidade em termos de oportunidade do que eram em 2023, estando agora mais inclinadas para a adopção de uma “lente de risco”. Apenas 26% dos respondentes declararam que as suas empresas pensam actualmente em ESG mais em termos de oportunidades do que de riscos, em comparação com 40% em 2023. Adicionalmente, um terço (33%) – contra 25% em 2023 – colocou uma maior ênfase no risco.
Mas e de acordo com o relatório, a pluralidade de inquiridos pretende encontrar um equilíbrio entre as perspetivas de risco e de crescimento (41% em 2024 contra 35% em 2023). Com a mudança no sentido de uma maior ênfase na gestão do risco per se, os inquiridos de todas as regiões estão mais concentrados na atenuação dos riscos do que no ano passado. Mesmo na Europa, onde as oportunidades de crescimento continuam a definir a principal abordagem em matéria de ESG, a ênfase no risco aumentou.
A tendência para o risco pode ser o resultado mais proeminente do retrocesso em termos de ESG, o qual trouxe consigo a percepção de que mesmo as acções empreendidas com as melhores intenções têm riscos. Esta ideia é apoiada pelas respostas dos inquiridos quando lhes foi pedido que identificassem o valor proporcionado pelas suas iniciativas de ESG. Quase dois terços indicaram o ESG como a principal fonte de capital reputacional, sendo a sua primeira escolha. Quase 60% priorizaram a atracção de talentos e pouco mais de metade dos inquiridos nomeou a satisfação das expectativas dos clientes (52%) como as principais fontes de valor. As novas oportunidades de receitas ficaram em quinto lugar, obtendo apenas 26% das respostas.
Integração estratégica
O inquérito deste ano revela ainda que as estratégias ESG estão a avançar rapidamente. Os membros dos CA entrevistados declaram que, na sua maioria, os conselhos de administração e a direcção estão a conduzir as suas estratégias ESG, que não existem obstáculos substanciais no seu caminho e que os indicadores e objectivos ESG estão cada vez mais integrados nas suas organizações. Além disso, não prevêem que se afastem das estratégias ESG existentes num futuro previsível.
O relatório refere também que qualquer pessoa que tenha testemunhado a vontade dos líderes empresariais de liderar iniciativas de sustentabilidade em reuniões das Nações Unidas, no Fórum Económico Mundial e noutras instâncias globais não ficará surpreendida ao saber que os inquiridos no estudo em causa apontem os conselhos de administração e a direcção como os principais impulsionadores da estratégia ESG nas suas organizações. Os reguladores e os accionistas são mencionados com menos frequência (por 31% e 32% dos inquiridos, respectivamente). Dado o facto de os representantes dos CA considerarem que o ESG proporciona um valor significativo no mercado altamente competitivo de talentos, é mais surpreendente que apenas 16% dos inquiridos tenham nomeado os funcionários como impulsionadores da estratégia ESG.
Por outro lado, e dado que o que é medido é gerido, é significativo que a utilização de métricas ESG esteja a aumentar de forma constante nas organizações. As métricas ESG mais utilizadas pelos inquiridos estão relacionadas com as pegadas de carbono (citadas por 65% dos inquiridos), seguidas do plano estratégico da organização (45%) e das instalações e operações (45%).
A utilização de métricas é ligeiramente mais elevada este ano do que no ano passado, indicando que a aposta ESG está a ser cada vez mais integrada no tecido organizacional. Mais significativamente, a percentagem de entrevistados que relataram que suas organizações não usam métricas ESG caiu de 10% em 2023 para 6% em 2024. Ou seja, parece claro que o ESG está a tornar-se cada vez mais uma faceta estabelecida de “como fazemos negócios” num número crescente de organizações.
As empresas europeias estão a liderar a utilização de métricas ESG, com as empresas norte-americanas a ficarem atrás das europeias e das da Ásia-Pacífico.
A importância da transparência
Uma grande maioria dos conselhos de administração e das empresas (89%) está a tomar medidas em matéria de ESG em resposta à regulamentação. A maior parte destas acções está relacionada com a transparência: 62% dos inquiridos afirmam que as suas organizações estão a melhorar as divulgações, relatórios e registos ESG. Um número substancial de inquiridos refere que também estão a ser envidados esforços para melhorar a capacidade dos conselhos de administração para supervisionar as questões ESG.
Um terço dos entrevistados afirma que estão a ser implementadas soluções que permitem ao conselho de administração monitorizar as questões ESG e 30% afirmam que os seus membros estão a receber formação sobre estas questões.
A nível regional, os conselhos de administração das empresas europeias têm mais probabilidades de actuar em matéria de ESG do que os da América do Norte (96% contra 84%). Os conselhos de administração das empresas públicas também têm maior probabilidade de tomar medidas do que os conselhos de administração das empresas privadas. Enquanto um quinto (21%) dos inquiridos de empresas privadas indicaram que não estão a tomar medidas à luz da regulamentação ESG, apenas 5% dos representantes dos CA de empresas públicas responderam da mesma forma. Assim e de um modo geral, os inquiridos das empresas públicas têm mais probabilidades de implementar cada uma das medidas enumeradas do que os inquiridos das empresas privadas.
Em suma, o inquérito “Sustainability in the Spotlight” deste ano revela que as empresas, em geral, continuam empenhadas em matéria de ESG. Os membros dos conselhos de administração referem que as ambições ESG das organizações que supervisionam são elevadas – apesar de algumas serem ligeiramente menos propensas a divulgá-las – e que estão optimistas quanto às perspectivas de concretização das suas estratégias nesta área. Em linha com este forte compromisso, procuram obter os conhecimentos necessários para afinar as estratégias ESG – assegurando que estas mitigam os riscos e captam oportunidades de crescimento.
Além disso, as estruturas de supervisão do conselho de administração relativas ao ESG continuam a evoluir, e as métricas e relatórios continuam a tornar-se mais expansivos e integrados nas suas organizações. Continuam a existir algumas diferenças significativas na forma como o ESG é percepcionado e prosseguido entre as diferentes regiões e entre as empresas públicas e privadas.
De um modo geral, as empresas europeias tendem a estar à frente das empresas norte-americanas em termos de ESG, e as empresas públicas tendem a estar à frente das empresas privadas. No entanto, mesmo que os esforços e objectivos ESG se tornem cada vez mais lentos, a apetência para os perseguir e alcançar entre os conselhos de administração e as organizações de todo o mundo é forte. E esperemos que Portugal dê passos em frente nesta área.
Nota: Para além do ESG: porque precisamos de uma nova abordagem (artigo em inglês)
Imagem: : © Pixabay
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