As nossas empresas estão hoje mergulhadas em nevoeiro. Não se trata de uma ligeira bruma; é mesmo uma versão perversa daquele “smog”, a espessa mistura de fumo e névoa a que os britânicos chamam “sopa de ervilhas”. Não se vê mesmo nada!
POR JOÃO CÉSAR DAS NEVES
A origem desta terrível cegueira é uma das mais destruidoras forças económicas e sociais, a arbitrariedade. As razões da prepotência são várias, da arrogância dos líderes políticos ao alarmismo de ativistas de múltiplas causas, passando pelo crescendo de preocupações não-económicas, ou até antieconómicas, como ambiente, pandemias, demografia, guerras, etc. O resultado comum de todas estas influências, de naturezas tão diversas, é que os pilares em que se baseou a prosperidade das últimas décadas ‒ democracia, capitalismo e paz ‒ estão a ser crescentemente postos em causa. Muitos dos que os atacam afirmam estar a defender e a promover a mesma prosperidade, mas a verdade é ela ameaça desabar.
Velhas alianças são postas em causa, novas barreiras surgem em mercados antes integrados, tecnologias revolucionárias são anunciadas e a antiga honradez política e comercial é substituída por um descarado oportunismo, que impõe modos interesseiros onde havia boa-fé. Mesmo quando isto é feito em nome de uma atitude negocial aplicada à governação e diplomacia, a verdade é que os empresários ficam sem saber aquilo com que podem contar.
Todos os dias ouvimos notícias que põem em causa os princípios e valores em que fomos educados e que regeram a produção e mercados desde 1945. O efeito é uma gigantesca incerteza, veneno para os negócios e adubo para a especulação. A melhor forma de resumir as consequências desta situação é que hoje a atividade empresarial funciona dentro de uma bruma compacta.
Como é que se vence um nevoeiro? O mais perturbador é que a luz, cintilação que vence as trevas, é impotente contra a neblina. O sol continua a brilhar lá em cima, as verdades eternas e os princípios delas resultantes permanecem perfeitamente válidos, mas pouco nos ajudam a encontrar o caminho.
Só há uma coisa que penetra a opacidade: a palavra. Se ouvirmos a voz da razão, rapidamente compreendemos como muito destes eflúvios que nos perturbam são realmente espúrios. Vivemos hoje mergulhados em promessas, programas, medidas, notícias, muitas delas “fake”, mas nada disto altera, de facto, a realidade económica.
As necessidades dos consumidores continuam iguais, as capacidades produtivas das empresas mantêm-se, até os canais de distribuição, apesar de toda a mutação, são muito parecidos. Ninguém vislumbra o tal “mundo novo” que tantos apregoam. Se avançarmos através da névoa que tantos insistem em gerar, sentimos o mesmo caminho debaixo dos pés.
No meio do nevoeiro, os bons empresários devem esquecer comentários e retóricas e olhar diretamente para as condições concretas da sua atividade: fechar o jornal e abrir o correio, apagar a televisão e escancarar a janela. Dar mais atenção às informações dos fornecedores que aos palpites dos analistas; confiar mais nos desejos dos clientes que nas garantias dos governantes; até atender mais às ações dos concorrentes que às certezas dos jornalistas. Esquecendo a gigantesca encenação da conjuntura que tudo ensombra, as velhas certezas continuam a aplicar-se.
As principais forças a gerar fumos e nuvens, as enormes ameaças contra a democracia, o capitalismo e a paz que surgem todos os dias à nossa volta, não conseguem negar a superioridade indiscutível da democracia na política, do capitalismo na economia e da paz na sociedade. Hoje, talvez mais do que nas décadas recentes, mas não mais que a tradição histórica, surgem iluminados que dizem ter alternativas excelentes a esses três pilares do progresso.
A favor das suas sugestões invocam todos aqueles problemas que todos encontramos nesses mesmos pilares. Mas a verdade é que as suas propostas nada conseguem resolver, e pioram gravemente os males de que nos queixamos. Por muito que protestemos sobre aquilo que temos, as pessoas e as sociedades sentem bem a vacuidade das novas soluções.
Todos conhecemos os vícios e falhanços da nossa democracia, as injustiças e poluições do nosso capitalismo, as corrupções e abusos da nossa paz. Mas a verdade é que assim que abandonamos qualquer um dos três, como nos dizem as notícias, as coisas ficam, logo muito pior. Por isso é que as realizações dos inovadores serão sempre menos que as suas declarações.
Se a palavra é a única que penetra no nevoeiro, só há uma coisa que o afasta de vez: o vento. O Sopro do Espírito, a única verdadeira vitória sobre a nebulosidade do mal, chama-se Esperança. A Esperança não é o otimismo de achar que tudo vai correr bem; nem sequer a coragem de olhar positivamente o que quer o que venha. A Esperança é a certeza de que aquilo que realmente interessa está nas mãos d’Aquele que não falha: «O Senhor deu, o Senhor tirou; bendito seja o nome do Senhor. (…) Se aceitamos os bens da Mão de Deus, porque não havemos de aceitar também os males?» (Job 1, 21; 2, 10 b).
Nota: João César das Neves será um dos oradores no Congresso Nacional da ACEGE, a ter lugar nos dias 28 e 29 de Março sob o tema “Construtores da Esperança”. Caso esteja interessado em participar, consulte o programa aqui.
Economista, professor catedrático na Universidade Católica e Coordenador do Programa de Ética nos Negócios e Responsabilidade Social das Empresas