Durante doze anos, os associados habituaram-se a seguir as suas orientações. Aprenderam a ver no Papa alguém que os levava sempre ao essencial, sem nunca perder uma oportunidade para salvar. É claro que, neste momento supremo — em que Francisco se junta ao Pai, para acompanhar a sua Igreja de uma forma mais total —, ele certamente terá algo de especial a dizer-lhes. Terá de ser inesperado, provocador, imensamente iluminante. Que tem o Papa a dizer, com a sua morte, aos associados da ACEGE?
POR JOÃO CÉSAR DAS NEVES
Perante a notícia inesperada do falecimento do Papa Francisco têm-se multiplicado as reações, quase todas de pesar e louvor. Muitos disseram coisas bonitas, inspiradoras e verdadeiras, mas quase ninguém nos falou como Francisco falava. Quem voltará a falar-nos como Francisco? Não é nessas afirmações que se vai conhecer a última lição do Papa. Aprendemos, ao longo destes doze anos, que se deve escutar o que o Pontífice diz, e não as opiniões daqueles que se pretendem seus interpretadores oficiais, que frequentemente lhe desviam o pensamento para a sua agenda particular. Há que saber aquilo mesmo que o Papa ensina.
Isso, nem sempre foi fácil. A ACEGE, ao longo da sua história, já seguiu muitos Papas; só que, no meio dessa rica variedade, o período de Francisco foi particularmente exigente. De múltiplas maneiras, o Papa picou, desafiou, desinstalou. Todos ainda se lembram do grito inicial, logo em novembro de 2013: «Esta economia mata.» (Evangelii Gaudium 53). Foi a provocação original que, de certo modo, se manteve pedra de tropeço incontornável até ao fim. Nunca se tinha ouvido um Papa falar assim a empresários.
Seguiram-se muitas outras semelhantes: «Se tu escolhes o caminho do dinheiro, no fim serás um corrupto» (Homilia, 20/9/2013); «O dinheiro é o esterco do diabo» (Discurso à Confederação das Cooperativas Italianas, 28/2/2015 e ao II Encontro mundial dos movimentos populares, 9/7/2015). Que queria ele dizer com coisas destas? Demorou tempo e não foi fácil de entender. Tivemos de suportar múltiplos inimigos da economia, apresentando-se como donos do pensamento papal, glosando esta tese. Vimos até muitos dos nossos que se afastaram, considerando o Pontífice como anti-empresários.
Felizmente a ACEGE soube sempre tomar a posição do verdadeiro discípulo, que segue o pastor, procurando sempre obedecer ao seu significado profundo. Ouviu o Papa repetir que aquilo que dizia era apenas o que ensinava a Doutrina Social da Igreja, colocando-se na sequência dos seus antecessores. Por outro lado, as suas declarações coloridas e cortantes lembravam que essa Doutrina está longe de ser a versão inócua que tantos apregoam.
Como o próprio Francisco sempre lembrou, o seu tipo de retórica vem desde os primórdios da Igreja. Ainda cardeal, afirmou: «Alguns, quando leem coisas da opção preferencial pelos pobres dizem: “que comunistas, que revolucionários!”. Leiam os Santos Padres. Leiam São Jerónimo, dos séculos II, III, IV, V. Nós, nas expressões, somos menos selvagens do que eles. Eram duríssimos neste ponto, na opção pelos pobres» (Discurso à Assembleia Nacional da Caritas, 23/5/2009). Será preciso lembrar que o próprio Mestre do Papa disse coisas ainda mais contundentes? «Ai de vós, os ricos, porque recebestes a vossa consolação! Ai de vós, os que estais agora fartos, porque haveis de ter fome!» (Lc 6, 24-25). «É mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus!» (Mt 19, 24; Mc 10, 25; Lc 18, 25).
Esse regresso ao Evangelho “puro e duro”, unanimemente apresentado com um dos traços mais marcantes do Pontificado, é também a grande mensagem do Papa tanto para a ACEGE, como para todos os empresários. Todas as vezes que nos sentirmos contentes connosco próprios e acomodados nas interpretações mansas da Doutrina, é preciso regressar ao choque do Sermão da Montanha: “Bem-aventurados os pobres… os que choram…” (cf. Mt 5, 3-4).
Estas foram as lições da vida do Papa Francisco, lições que perdurarão no futuro para todos os que as ouvirem. Mas o que quer o Papa Francisco dizer com a sua morte? Para lá dos seus textos e ensinamentos, que mais tem o Papa a dizer-nos? A resposta, certamente, só pode estar nas suas palavras. O Senhor, que o levou no dia a seguir à Sua ressurreição, permitiu que o seu servo, já moribundo, ainda viesse à janela, desse a bênção e passasse por meio do povo, como fizera tantas vezes antes. Em sofrimento evidente, aquilo que Francisco nos tinha a dizer era: “Boa Páscoa”.
Os associados na ACEGE não precisam de saber mais nada. Aquilo que o Papa lhes quis dizer com a sua morte é que devem levar uma boa Páscoa às suas empresas.
Economista, professor catedrático na Universidade Católica e Coordenador do Programa de Ética nos Negócios e Responsabilidade Social das Empresas