Depois de décadas de avanços contínuos, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) global regista o seu crescimento mais lento desde 1990. No Relatório de Desenvolvimento Humano 2025, centrado na ascensão da inteligência artificial, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento traça um retrato preocupante: desigualdades em alta, ameaças climáticas persistentes e o risco de a tecnologia reforçar as injustiças existentes. Mas também aponta caminhos — se as escolhas forem feitas com as pessoas no centro
POR HELENA OLIVEIRA
“Podemos resistir à tentação de atribuir características humanas à inteligência artificial, mas, em muitos aspectos, ela funciona como um espelho — reflectindo e amplificando os valores, as estruturas e as desigualdades das sociedades que a moldam. A IA não actua de forma independente: ela evolui com base nas nossas decisões e prioridades. Se não enfrentarmos as injustiças e os desequilíbrios que persistem no presente, a IA tenderá apenas a aprofundá-los. Mas, se apostarmos no desenvolvimento das capacidades humanas e assumirmos um compromisso com maior equidade, a IA poderá potenciar o melhor que a humanidade é capaz de alcançar. No fundo, o Relatório de Desenvolvimento Humano de 2025 sobre a IA não trata de tecnologia — trata de pessoas e da nossa capacidade de nos reinventarmos perante transformações profundas”.
Achim Steiner, Administrador do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
Depois de décadas de avanços consistentes, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) global registou em 2023 o seu crescimento mais lento desde 1990, à excepção do colapso pandémico. Esta estagnação prolongada, revelada no Relatório de Desenvolvimento Humano 2025 do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), está longe de ser um mero contratempo estatístico: reflecte desequilíbrios estruturais, crises acumuladas e uma trajectória de risco para o futuro do desenvolvimento humano.
Intitulado “Uma Questão de Escolha: Pessoas e Possibilidades na era da Inteligência Artificial”, o relatório analisa o progresso do desenvolvimento com base num conjunto de indicadores reunidos no Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que integra conquistas nas áreas da saúde, educação e rendimento. As projecções para 2024 revelam uma estagnação do progresso em todas as regiões do mundo, com a análise de dados de 193 países e territórios.
De facto, o crescimento global do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) projectado para 2024 é o menor desde 1990, se excluirmos os anos de queda durante a pandemia. Todas as regiões do mundo apresentaram progresso estagnado em termos de IDH, rompendo a trajectória de melhoria contínua que se esperava antes das recentes crises. Segundo Achim Steiner, Administrador do PNUD, essa desaceleração representa “uma ameaça real ao progresso global” e, caso o fraco avanço actual se torne o “novo normal”, a meta de alcançar um nível elevado de desenvolvimento humano até 2030 poderá ser adiada por décadas.
Em suma, o relatório conclui que o mundo está a atravessar um momento crítico, exigindo acções decisivas para reverter a estagnação e evitar retrocessos no desenvolvimento humano. Por outro lado, o documento também destaca oportunidades: ao enfatizar o tema da Inteligência Artificial (IA), o PNUD explora como esta pode ser aproveitada para reactivar o desenvolvimento e ampliar as possibilidades das pessoas, desde que sejam feitas as escolhas certas em termos de políticas inclusivas.
Situação do desenvolvimento humano e queda do IDH
O relatório oferece uma análise detalhada da situação do desenvolvimento humano recente em 193 países. O IDH global atingiu 0,756 em 2023, valor que representa o menor progresso anual já registado desde 1990. Por outras palavras, de acordo com os últimos dados disponíveis, o IDH apresenta um cenário de estagnação, marcando a taxa de crescimento mais baixa em 35 anos. Após as quedas ocorridas durante a pandemia de Covid-19 (2020-2021), o índice não retomou a trajectória de crescimento pré-pandemia como era esperado, mantendo-se aquém do ritmo observado em décadas anteriores. Essa desaceleração é generalizada, afectando todas as regiões do globo, e indica que o choque das crises recentes teve efeitos persistentes.
Conforme enfatiza o PNUD, a continuidade desse baixo crescimento pode atrasar em décadas a concretização de um mundo de desenvolvimento humano mais elevado que se almejava atingir até 2030. Em suma, o RDH 2025 evidencia que o desenvolvimento humano global estagnou num nível preocupantemente baixo, exigindo esforços renovados para recuperar o ímpeto perdido.
Desigualdades globais e regionais
O relatório oferece uma avaliação clara sobre a desigualdade global e regional no desenvolvimento humano. Pelo quarto ano consecutivo, aumentou a disparidade entre países de baixo IDH e países de IDH muito alto, revertendo assim uma tendência de longo prazo de redução dessas diferenças. Por outras palavras, os países no topo do ranking – liderado pela Finlândia e com Portugal no 40ª lugar (v. Caixa) – continuam a avançar mais rapidamente que os países na base, aprofundando o fosso de desenvolvimento.
O PNUD sublinha que os desafios enfrentados pelos países com menores índices de desenvolvimento são especialmente severos, o que ajuda a explicar esse quadro: estas nações encaram obstáculos como tensões comerciais crescentes, agravamento de crises da dívida e um processo de industrialização que não gera empregos suficientes.
Estes factores estruturais têm dificultado que países de baixo desenvolvimento alcancem o ritmo de progresso dos mais ricos, ampliando as diferenças entre regiões do mundo. Além disso, mesmo dentro de regiões ou países, persistem desigualdades marcantes – por exemplo, o relatório nota que disparidades de género e de acesso a oportunidades internas ainda limitam o desenvolvimento inclusivo em diversos contextos. O panorama apresentado no RDH 2025, portanto, é de desigualdade em alta, tanto entre países quanto, em certa medida, dentro deles, o que compromete os ganhos colectivos em desenvolvimento humano e exige políticas focadas na equidade para corrigir essa trajectória.
Alterações climáticas: impactos e advertências
As mudanças climáticas aparecem no relatório como um factor de grande preocupação, com impactos directos e indirectos sobre o desenvolvimento humano. Em regiões como a Ásia e o Pacífico, por exemplo, o PNUD descreve a mudança do clima como uma “ameaça existencial profunda”, dada a intensificação de eventos climáticos extremos que podem desfazer décadas de progresso, agravar a pobreza e gerar riscos crescentes à saúde pública.
Globalmente, Achim Steiner alerta que a actual desaceleração no desenvolvimento humano torna o mundo “mais vulnerável a choques económicos e ecológicos”. Esta referência a choques ecológicos indica que desastres ambientais e climáticos – como ondas de calor, secas, inundações e tempestades cada vez mais intensas – podem ter impactos cada vez mais devastadores num contexto de sociedades fragilizadas pelo baixo crescimento e pela desigualdade.
O relatório, embora centrado na era da IA, enfatiza que as alterações climáticas impõem, com urgência, advertências sérias: sem uma acção mais efectiva para a mitigação e adaptação climática, os ganhos de desenvolvimento alcançados podem ser comprometidos ou revertidos pelas crises ambientais. Em suma, o RDH 2025 reforça que o desafio climático está intrinsecamente ligado ao desafio do desenvolvimento – exigindo respostas integradas para tornar as comunidades mais resilientes e proteger o progresso humano das ameaças do aquecimento global.
O duplo potencial da Inteligência Artificial
Com o título “Uma questão de escolha: pessoas e possibilidades na era da inteligência artificial”, o relatório de 2025 coloca a tecnologia no centro do debate sobre o desenvolvimento humano. A inteligência artificial, longe de ser neutra, reflecte e amplifica os sistemas de valores e estruturas sociais que a produzem. “A IA age como um espelho”, refere o relatório, “e o que ela devolve depende daquilo que projectamos nela”.
Embora seja um instrumento poderoso, a IA não actua isoladamente: evolui a partir das decisões humanas, das prioridades políticas e das assimetrias globais. O relatório apresenta um dado revelador: dois terços das pessoas nos países de baixo desenvolvimento esperam usar IA para melhorar o acesso à saúde, à educação ou ao trabalho. Contudo, sem infra-estruturas básicas — como electricidade ou internet —, muitos desses potenciais utilizadores estão excluídos à partida.
Neste sentido, a inteligência artificial pode ser tanto uma alavanca de inovação inclusiva como um catalisador de desigualdades. A diferença estará nas escolhas éticas, sociais e políticas que orientarem a sua integração no desenvolvimento.
A urgência de políticas centradas nas pessoas
Diante dos desafios identificados – desaceleração do IDH, desigualdades crescentes e riscos climáticos –, o relatório enfatiza a necessidade de “explorar urgentemente novas formas de impulsionar o desenvolvimento” no turbulento cenário global actual. Em particular, a edição de 2025 destaca a oportunidade de aproveitar a Inteligência Artificial de forma inclusiva e centrada no ser humano como estratégia para impulsionar o progresso. Três áreas críticas de acção são delineadas pelo PNUD.
Colaborar com a IA, em vez de competir com (ou contra) ela
- Construir economias e ambientes de trabalho onde as pessoas trabalhem em conjunto com as tecnologias de IA, tirando proveito complementar das máquinas ao invés de substituí-las ou “confrontá-las”. Isso significa orientar a inovação tecnológica para criar empregos e aumentar a produtividade humana, ao invés de simplesmente se apostar na automatização em detrimento dos trabalhadores.
Incorporar a agência humana em todo o ciclo de vida da IA
- Garantir que os valores humanos, a supervisão e o controle humano estejam presentes desde o design até a implementação dos sistemas de IA. Por outras palavras, as pessoas devem manter poder de decisão sobre a tecnologia – definindo princípios éticos, regulando algoritmos e assegurando transparência – para que a IA sirva o bem público e não aprofunde desigualdades.
Modernizar os sistemas educacionais e de saúde para o século XXI
- Actualizar políticas e investimentos em educação e saúde de modo que as populações estejam preparadas para as exigências da era digital. Isso inclui tanto a formação de cidadãos com as habilidades necessárias para utilizar e coexistir com a IA, quanto aplicar tecnologias emergentes para melhorar a prestação de serviços de saúde e educação, tornando-os mais acessíveis e eficazes.
Além destas frentes, o relatório salienta a importância de democratizar o acesso às tecnologias. Como já enunciado, dois terços das pessoas em países de baixo desenvolvimento esperam usar a IA em breve em áreas como educação, saúde ou trabalho, o que torna urgente fechar as lacunas de acesso à electricidade e à internet para que ninguém fique excluído dessas novas possibilidades. No entanto, o PNUD adverte que somente expandir o acesso não basta: é crucial garantir que a difusão da IA reduza, e não aumente, as desigualdades, complementando as capacidades humanas em vez de concentrar benefícios apenas para alguns.
Em termos mais amplos, o relatório defende uma abordagem centrada nas pessoas para todas as políticas de desenvolvimento – seja na adopção da IA, no enfrentar da crise climática ou na redução das desigualdades. Adicionalmente, o PNUD salienta que as escolhas que fizermos nos próximos anos definirão o legado desta transição tecnológica para o desenvolvimento humano e, com as políticas certas e foco nas pessoas, a IA poderá ser uma ponte crucial para novos conhecimentos, competências e ideias, conferindo maior poder tanto a agricultores como a pequenos empreendedores.
Em conclusão, as propostas do PNUD no RDH 2025 apelam aos formuladores de políticas para agirem rapidamente e de forma inovadora, aproveitando o potencial transformador da tecnologia e implementando medidas inclusivas que protejam o planeta e promovam o bem-estar de todos, para que possamos retomar o caminho do desenvolvimento humano sustentável.
Num ‘ranking’ liderado pela Islândia, Portugal ocupa agora a 40ª posição face à 42ª registada no relatório anterior
Portugal ocupa a 40ª posição no ranking global do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 2025, tendo subido duas posições face à edição anterior. Classificado como país de desenvolvimento elevado, Portugal apresenta progressos consistentes nas áreas da saúde, educação e rendimento. O relatório destaca ainda a presença crescente do país no campo da inteligência artificial, referindo que Portugal figura entre os 30 países que mais talento em IA atraíram em 2023, ocupando o 24.º lugar no acolhimento de profissionais especializados. Ainda assim, persistem desafios importantes, como o envelhecimento demográfico, as disparidades regionais e a necessidade de modernizar os sistemas de educação e saúde para responder às transformações tecnológicas e sociais em curso.
Fontes:
https://hdr.undp.org/system/files/documents/global-report-document/hdr2025reporten.pdf
https://hdr.undp.org/data-center/specific-country-data#/countries/PRT
Imagem: © Mustafa Bepari/Unsplash.com
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