Julio, Fatima e Inji vêm de mundos e trajetórias profissionais muito diferentes — das finanças corporativas à inovação social — mas partilham um ponto de encontro: a vontade profunda de contribuir para um mundo melhor. Três histórias inspiradoras que mostram que nunca é tarde para alinhar carreira e propósito, e que mudar de rumo, por mais desafiante que pareça, pode ser o caminho certo para uma vida com mais sentido
POR SANDRA COSTA

A história de Julio

Aos 54 anos, Julio Alonso Gil inscreveu-se num seminário de orientação de carreira. Para trás deixava 25 anos bem-sucedidos na área financeira, que lhe trouxeram reconhecimento, estabilidade financeira e a oportunidade de trabalhar fora de Espanha. Foram gratificantes os anos que trabalhou em Nashville (EUA), com a família, entre 2012 e 2015. Foram extenuantes os seis meses seguintes, em Paris, com viagens semanais para visitar a família, no sul de Barcelona. Julio decidiu mudar de vida. Chegou a acordo com a empresa onde trabalhava e saiu.

Fez uma pausa sabática, que se prolongou por um ano, para refletir sobre o rumo que queria seguir. Sabia que não queria voltar a «entrar na roda». Descobriu que queria usar a sua experiência em gestão e finanças para criar valor social. «Era um mundo desconhecido», reconhece.

Foi nesta altura que se tornou consultor na área da mudança organizacional e o seu caminho se cruzou com o da Stone Soup Consulting.  Não teve medo nem dúvidas. «Tinha ótimas referências da Stone Soup e o acordo com a minha empresa permitia-me assumir riscos. Não podia estar sem trabalhar, mas ganhar dinheiro não era a prioridade».

Oito anos depois, sente-se feliz e orgulhoso. «Aprendi muito, conheci gente interessante, participei em projetos muito bonitos. Alcancei o meu propósito!», diz com satisfação. O trabalho remoto trouxe-lhe qualidade de vida. Acredita que o seu exemplo mostrou aos filhos que «é importante trabalhar duro, mas não esquecer que o trabalho serve para viver e não o contrário».

Em maio, Julio reforma-se-se, aos 63 anos. Inaugura esta etapa com uma viagem de moto, sozinho, a Cabo Norte, na Noruega. Continua a colaborar como consultor pro bono da ESADE (ESADE Alumni Social), de que é antigo aluno, e entra na Serendipity Network da Stone Soup, que agrega antigos consultores. «Há muita coisa de que ainda quero desfrutar, para além do trabalho», garante.

A história de Fatima

Quando Fatima Gholem escolheu estudar Economia e Finanças, na Universidade Católica de Paris, e depois Estudos Europeus, na Universidade de Sorbonne, já sabia que queria trabalhar em organizações internacionais: Nações Unidas, União Europeia ou Organizações Não Governamentais. Gostou do estágio que fez na ONG francesa Frères des Hommes mas, um ano depois, o setor privado falou mais alto. Um head hunter propôs-lhe uma posição na indústria de hedge funds, embrulhada em benefícios que incluíam carro, férias na neve e outras promessas. Ela disse sim.

O desejo de dar o salto do setor financeiro privado para a indústria de impacto social demorou mais de uma década a concretizar-se. Fatima experimentou várias empresas e funções, trabalhou no Luxemburgo e nos EUA. Oscilava entre o orgulho de ser uma profissional muito competente e a insatisfação de trabalhar com o propósito de fazer clientes privilegiados ganhar dinheiro. «Era lisonjeador para o ego, mas eu não era feliz, não me sentia útil à sociedade, estava a trair-me».

Um dos momentos mais duros aconteceu durante a crise do Subprime, quando testemunhou clientes perderem tudo. Como forma de terapia, Fatima começou a escrever sobre «as situações loucas que vivia». Iniciou um blogue, que manteve sob pseudónimo enquanto permaneceu no setor, e depois publicou, assumindo a autoria, na Amazon: “Finance Whore: What is your price?”.

Foi também em 2017 que lançou a sua empresa, Wise and Wired, para fazer angariação de fundos para fundações e ONG. Foi possível graças ao subsídio de desemprego que usufruiu durante um ano, na sequência da reestruturação da empresa para a qual trabalhava. Durante a pandemia trabalhou em educação online. Em 2022, começou a colaborar com a ESSEC Business School como consultora e formadora em avaliação de impacto social. Há um ano, tornou-se consultora da Stone Soup, e colabora a partir de Biarritz, onde vive.

«Levou tempo, mas consegui. O sucesso não é uma estrada linear!». Fatima adquiriu novas aptidões e sente-se reconhecida pelos pares. «Sinto-me preenchida, alinhada e orgulhosa», assegura. Continua a escrever, já tem em mente o tema do terceiro livro. Em 2023 publicou “Les Cendres et les Papillons”, sobre a busca da identidade, ela que tem raízes argelinas. Hoje, trabalha para aprofundar os conhecimentos da língua árabe e sobre as culturas do Médio Oriente, para trabalhar em projetos de empoderamento de mulheres na região do Médio Oriente e Norte de África.

A história de Inji

Ao contrário de Julio e Fatima, Inji Elabd sempre trabalhou no setor da inovação social. Ter estudado numa escola católica para raparigas no Cairo, onde cresceu, e o convívio com a avó, voluntária numa ONG, fomentaram nela a empatia desde tenra idade.

Gostava de ter estudado Tradução, acabou por optar por Economia e gostou. Após trabalhar em projetos de macroeconomia para o governo egípcio, foi a experiência como intérprete que lhe abriu as portas para a área do desenvolvimento. Fez o mestrado em Estudos Económicos e para o Desenvolvimento, em Espanha, em 2006, e um ano depois, de regresso ao Cairo, trabalhou no Global Development Network, do Banco Mundial, e na Ashoka Empreendedores Sociais. Desde 2011 é consultora freelance, há quatro anos colabora com a Stone Soup a partir da cidade do México, onde vive.

Inji sempre gostou de trabalhar com organizações da sociedade civil. Aprecia a simpatia dos profissionais, o espírito colaborativo, o trabalho no terreno, a interação com as comunidades beneficiárias. Participou em projetos muito interessantes, viajou muito. «É uma das coisas que agradeço ao setor». No reverso da medalha, enquanto consultora freelance, lida desde sempre com a insegurança financeira e pedidos constantes para trabalhar pro bono. «Amamos o setor, mas o setor não nos ama de volta», desabafa.

Quando o filho nasceu, em 2018, decidiu trabalhar no setor privado. «Queria dar-lhe uma boa educação e estabilidade». Durante dois anos foi consultora em duas empresas do setor energético, na área de análise de impacto e mitigação de riscos. Não gostou. Sentiu que não existia um real interesse em escutar as necessidades das comunidades e melhorar as suas condições de vida. «Não tinha nada a ver com ambiente e pessoas, era apenas uma estratégia de mitigação de risco e minimização de riscos reputacionais». Inji continua interessada no setor privado, mas, para colaborar profissionalmente, têm de ser «empresas com uma verdadeira componente de responsabilidade social».

Inji, Fatima e Julio conheceram-se, fora do ecrã dos seus laptopts, num retiro para consultores da Stone Soup em maio de 2024, nos arredores de Madrid. Durante dois dias, 29 consultores de Espanha, França, Portugal, Tunísia e México partilharam percursos de vida, projetos e aspirações profissionais. Havia a curiosidade genuína de perceber o que os une, uma identidade comum. «É uma comunidade encantadora, as pessoas têm o coração cá dentro. Não participam pela visibilidade ou porque está na moda fazer trabalho social», lança Inji. Julio gosta do profissionalismo, Fatima destaca a diversidade, o espírito aventureiro, a mente aberta. Todos apreciam a existência de projetos em múltiplos países.

Das conversas sob as sombras das árvores sobressaiu um elo comum: a vontade de contribuir para um mundo melhor. Será essa a principal motivação de quem decide trabalhar para fortalecer a sociedade civil. Julio desafia quem sonha mudar, como ele fez: «Não tenham medo, se realmente querem, procurem a forma de fazê-lo». Inji sugere que «cheguem de coração aberto, com humildade e vontade de aprender, sem querer impor soluções». Fatima lembra a importância de ter paciência: também as mudanças pequenas e progressivas são válidas. «Se tens uma família para alimentar, um empréstimo para pagar, não tens de desistir do teu emprego corporativo amanhã. Começa por comprometer-te com a mudança, faz voluntariado, envolve-te na tua comunidade, torna-te um bom vizinho. Já é um bom início».

IMAGEM: ©Javier Allegue Barros/Unsplash.com

Consultora na Stone Soup Consulting, é licenciada em Ciências da Comunicação e pós-graduada em Ciências Políticas e Relações Internacionais. Trabalha como jornalista há quase 30 anos e está ligada ao setor sem fins lucrativos desde 2001.

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