O trabalho de consultoria social é muitas vezes estereotipado como sendo realizado por pessoas em modo remoto, com a leitura de muitos documentos e redação de relatórios, e sem ir ao terreno, nem escutar as pessoas. A verdade é, frequentemente, o oposto
POR CLÁUDIA PEDRA

Ianda Guiné Djuntu! O projeto implementado pelo Instituto Marquês de Valle Flôr (IMVF) é um exemplo extraordinário de desenvolvimento local. O que o faz extraordinário são várias coisas diferentes – o processo que não só empodera as comunidades, como as estimula a ação, não só promove a coesão social, como estimula o papel das mulheres nas suas comunidades, não só capacita, como torna as comunidades os verdadeiros protagonistas da ação.

Entre as várias ideias extraordinárias do método desenvolvido no contexto da Guiné-Bissau, constava um mecanismo de aprendizagem contínuo: espaços de aprendizagem. Estes espaços permitiam que todos os stakeholders pudessem propor mudanças, de modo a maximizar o impacto do método no terreno. O papel da Stone Soup Consulting era fazer observação sistémica do método, e propor alterações, de modo a garantir que o método era bem recebido, entendido e implementado no terreno, e que as comunidades se comprometiam a segui-lo para obter os benefícios que daí decorriam.

Aqui importa explicar que as nove regiões da Guiné-Bissau têm vários constrangimentos à ação – terreno de difícil acesso, comunidades isoladas, ausência de energia elétrica, falta de acesso a água potável, baixa literacia da população, línguas múltiplas (mais de 30), componentes culturais e religiosas diferenciadas, discriminação de género, subnutrição e pobreza extrema, entre outras.

É também um país com uma longa tradição de atores de cooperação que impõem soluções para as comunidades, sem ouvir a sua opinião sobre elas. Por outro lado, tem também muitas características positivas: comunidades investidas no bem-estar comum, coesão social apesar da diversidade linguística, cultural e religiosa, dirigentes (homens e mulheres) com fantásticas soluções para as suas comunidades, jovens investidos em aumentar o seu acesso a educação de qualidade e emprego digno.

Para a equipa da Stone Soup, participar no Djuntu implicou percorrer as nove regiões, na pegada dos técnicos do projeto, observar as comunidades em ação, ver as suas reações às explicações, perceber o que precisavam, ouvi-las. Falar com régulos, chefes de tabanca, líderes de base comunitária, crianças, homens e mulheres. Navegar pelas comunidades, com e sem a presença do IMVF, para perceber os impactos gerados e perceber se seriam duradouros. Ouvir chefes de tabanca expressarem o seu apreço pelas soluções desenhadas por mulheres, afirmando que doravante as ouvirão sempre, porque eram as soluções que melhor tinham em conta o bem-estar de toda a comunidade. A beleza inegável desta afirmação, num país em que recorrentemente as mulheres são afastadas do processo de decisão e a sua opinião é desvalorizada.

O terreno difícil da Guiné-Bissau, com estradas esburacadas e alagadas e barcos lentos e insuficientes que passam ao lado das dezenas de ilhas das Bijagós, é também um terreno verdejante com serenos campos de arroz e rios frondosos, abraçado por gigantes árvores majestáticas. Um país com cores intensas e comunidades vibrantes, cujo sorriso e acolhimento provoca no /na consultor/a um intenso bem-estar.

Como será compreensível, os consultores não são seres isentos de emoções, nem indiferentes a tudo o que os rodeia. É evidente que essa beleza os contagia e os envolve. Como parte da equipa da Stone Soup percorri essa imensidão da Guiné-Bissau algumas vezes. Assisti ao projeto nas suas fases iniciais, quando ainda estávamos de máscara facial e a garantir o distanciamento social, até momentos mais tardios em que o abraço e os beijos eram frequentes.

Numa das viagens fui a uma tabanca bastante remota numa das ilhas dos Bijagós. Para chegar lá tinha passado por uma ondulante viagem de barco durante mais de duas horas, um salto para a costa que não tem porto, uma caminhada de seis quilómetros (na sua grande maioria em areia), protegida do sol escaldante pelas centenárias árvores. Quando lá cheguei sentei-me ao pé de uma mulher que me disse: “Agora já não passamos fome. Temos uma máquina para debulhar o arroz. O Djuntu ajudou-nos muito.” Com as pernas e as costas cansadas do percurso, sorri. Pensei no papel que tínhamos tido, para que aquela mulher iletrada (que assinou com uma cruz) pudesse não só entender este método, mas usufruir dos seus benefícios. E é por isso que somos consultores.

Managing Partner da Stone Soup Consulting e Directora da Associação de Estudos Estratégicos e Internacionais (NSIS - Network of Strategic and International Studies)