Portugal tem hoje a geração mais qualificada de sempre, mas há que repensar o seu valor no mercado de trabalho, adequando a formação de base dos jovens às necessidades reais das empresas. Face aos enormes desafios, Alexandre Relvas, da Logoplaste e Rui Diniz, da Efacec, defendem que é preciso criar “uma nova visão sobre os jovens” e “evoluir para uma nova lógica”, sensibilizando o sector empresarial a olhar para os seus RH com uma “dinâmica de substituição geracional” que reconheça o talento Portugal vive não só um problema grave de desemprego – particularmente entre a população jovem – mas, e como revela o estudo da McKinsey apresentado na Conferência “O Trabalho e o Emprego em Portugal”, realizada a 25 de Janeiro, em Lisboa, um preocupante “desencontro entre as forças disponíveis no mercado de trabalho e as necessidades das empresas que o procuram”: cerca de 30% dos empregadores não preenchem as vagas que têm disponíveis, por não encontrarem as qualificações e competências pretendidas. Apesar de, como é já um lugar-comum, termos hoje a geração mais qualificada de sempre em Portugal, há que repensar o seu valor, ao nível de colocação no mercado de trabalho, questionando que expectativas podem ter os jovens na actualidade, como sublinha o moderador do painel “O Emprego: Que perspectivas para as novas gerações?”, Pedro Guerreiro. É que, neste “vale do desemprego”, existem 147 mil pessoas com menos de 25 anos e 370 mil, até aos 35 anos, desempregadas – o que significa que um em cada cinco jovens que integram a população activa não tem emprego. O alerta é reforçado por Alexandre Relvas, para quem o que mais impressiona nos dados da McKinsey relativos a Portugal é saber que 40% dos que trabalham dizem fazê-lo transitoriamente, isto é, em part-time, de forma intermitente, ou num emprego abaixo das suas qualificações, por exemplo.
Para o CEO da Logoplaste o desemprego jovem não é um tema actual, da crise económica, mas antes um “problema estrutural”, e prova disso é que muito antes da crise económica que assolou o País, em 2008, já a média do desemprego jovem era bastante superior à do total de população activa que não tinha emprego. Conclui-se, pois, que o crescimento económico, que aumentará naturalmente a empregabilidade entre a geração mais nova, “não terá um impacto suficiente” para colmatar as dificuldades que os jovens enfrentam em Portugal, a este respeito. De resto, o problema não se traduz apenas em números, demonstra também o estudo apresentado. Como sublinha Alexandre Relvas, grande parte da formação de base não corresponde às necessidades que as empresas têm, já que não integra um conjunto de competências, como capacidades de comunicação, de liderança e de trabalho em equipa ou conhecimentos da língua inglesa e das novas tecnologias, “que muitos jovens não têm”, reconhece: “há um desfasamento profundo entre a percepção dos jovens e a percepção das empresas face às qualificações e competências” mais valorizadas. “Não tinha ideia deste gap”, comenta. Acresce que a grande maioria destes jovens “não tem qualquer experiência profissional, porque a Universidade não a dá”. E é assim, sem terem adquirido “competências de formação que preparam para o mercado de trabalho”, que os jovens concordam mais com as empresas do que com as universidades, no que concerne à adequação dos cursos ao mercado de trabalho (como revela o estudo da McKinsey, pouco mais de 30% do sector empresarial encontra esta correspondência, percentagem que mais do que duplica no caso das universidades – 80%. Quanto aos estudantes, somente 48% acredita ter as competências requeridas no mercado de trabalho). Caso para dizer que “as empresas devem ter razão”, conclui o CEO da Logoplaste. “Somos um país que trata mal os seus filhos”
Face à ineficiência ao nível da formação, existem iniciativas, principalmente quick wins, que deveriam ser valorizadas, acrescenta. Por exemplo, deveria haver uma “sensibilização por parte das escolas secundárias para dar consciência das saídas dos cursos, versus o mercado de trabalho”. Mas a verdade é que apenas 24% dos estudantes têm informação sobre as valências possíveis em cada curso. Concretamente em relação ao ensino pós-secundário ou profissional, o CEO da Logoplaste acredita que em Portugal há que “pensar numa perspectiva muito mais ampla, logo desde o nascimento”. É que, se há “estatísticas que me envergonham, são as da juventude e do seu desenvolvimento”, explica Relvas e, nesse sentido, é premente criar “uma nova visão sobre os jovens”, que implica “olhar mais para o secundário”. Perceber isto é, simplesmente, pensar que um em cada dois alunos tende a não concluir o 9º ano de escolaridade. Ou que quase um milhão dos jovens até aos 35 anos não terminou o nível de ensino secundário. Por outras palavras, que apenas 56% o concluíram. Ora, questiona o gestor, como se preparam estes jovens que caíram no “drama do abandono escolar” para o mundo laboral? ”Seguramente estão mal preparados para a vida profissional”. Provavelmente “vão ficar também pelo caminho”, lamenta.
No que diz respeito às gerações mais novas, os números que envergonham estendem-se ao flagelo da pobreza, que vai atingindo sempre em mais algumas décimas os jovens, face à média nacional; e às dificuldades que as famílias enfrentam em consequência da crise económica, com cerca de 40% dos jovens a pertencerem a núcleos familiares que vivem abaixo do limiar da pobreza ou em situação de carência, analisa Alexandre Relvas. “A pobreza infantil é brutal”, acusa, e esta realidade “implica reflexão”. E é assim que “somos um país que trata mal os seus filhos”, conclui o gestor. Um país que, a par dos “programas inclusivos de pobreza infantil ou de abandono escolar” que já tem, precisa de saber proporcionar “uma formação técnica e especializada” a estes jovens mais vulneráveis, dando-lhes assim “uma segunda oportunidade”, conclui. Esta deverá ser “uma das primeiras respostas a dar” a quem, abaixo dos 35 anos, “está desempregado” e procura reintegrar-se no mercado de trabalho. Geração qualificada tem de “evoluir para uma nova lógica”
Porque se, em termos económicos, estamos perante uma questão de médio e longo prazo, que implica “encontrar soluções que permitam a resolução dos problemas de forma estrutural”, esta perda de toda uma geração qualificada requer igualmente uma intervenção “num tempo que é o de hoje”, capaz de solucionar “um problema que é imediato”, mas que “se autoperpetua”, diz Rui Diniz. Assim, a pergunta que se impõe é: “num plano de curtíssimo prazo, como se podem desenvolver estas pessoas?” Como aponta o estudo da McKinsey, deve-se promover um match no que respeita à formação, isto é, entre as qualificações fornecidas pelas universidades e as requeridas pela empresas. Neste contexto, a ênfase dada à geração mais qualificada de sempre deveria ser transferida, no entender do vice-presidente da comissão executiva da Efacec, para a discussão sobre “quais são as qualificações mais adequadas, quer no mercado de trabalho, quer para as pessoas, individualmente”. A questão pode ser colocada, a nível semântico, na valorização “das competências certas”, em detrimento da aquisição de muitas competências. Contudo, a formação superior é ainda encarada como essencial entre os portugueses. Razão pela qual “muitos jovens” pensam enveredar por um curso técnico ou profissional, quando “aos 13, 14, 15 anos, discutem o assunto com os pais”, mas depois (em 56% dos casos, segundo o estudo da McKinsey), “acabam por seguir um curso universitário”. Certo é que, em família, tendencialmente “falamos aos nossos filhos não da profissão (que irão ter) mas do curso” que seguirão. Para Rui Diniz, “temos de pensar não só a nível do País mas também a nível individual, trazendo para o primeiro plano do sucesso outras profissões que não apenas a do médico ou a do advogado”. Até porque existem em Portugal pessoas muito capazes, com cargos técnicos, “mas que numa primeira escolha não são valorizadas”, admite. Neste aspecto, a Efacec é um exemplo, na medida em que, face à sua grande capacidade fabril, “recruta mais pessoas de cursos técnico-profissionais do que engenheiros. E com boa experiência”, garante. Sendo que a realidade nacional demonstra que um jovem recém-licenciado em Engenharia continua, na maioria dos casos, “sem emprego aos 25, 26 anos”, enquanto um estudante que seguiu a formação técnica encontra geralmente uma colocação ao cabo de alguns meses (seis, em média). Perante esta evidência, “há que evoluir para uma nova lógica”, que acabe com o grande estigma que existe em relação à formação profissionalizante, a qual “não tem o devido reconhecimento na sociedade”, nem por parte das instituições, nem por parte das famílias. Rui Diniz defende assim que se possa “associar figuras relevantes a estes cursos”, demonstrando que “há caminho a fazer” na área da formação vocacional e gerando, no momento da escolha do percurso profissional, um “leque mais amplo de oportunidades”. A divulgação do sucesso das profissões técnicas é uma das vias para que mais jovens façam carreira a partir deste tipo de formação. “Há que dar bons exemplos” e a Efacec já o faz, atribuindo distinções de mérito aos operários da sua fábrica, adianta. De qualquer modo, hoje existem cerca de 140 mil estudantes no ensino profissional e dual, graças “ao trabalho extraordinário que tem vindo a ser feito nos últimos dez anos”, nestas áreas, e “em breve cerca de 50% dos alunos frequentarão este ensino”, prevê Alexandre Relvas, o que demonstra “um matching maior” entre o perfil da formação e as necessidades do mundo laboral. Soft skills devem ser valorizadas Por outro lado, que papel cabe às empresas no que respeita a atrair jovens talentos? Considerando as diferentes capacidades que PME e grandes empresas têm para investir no futuro, não deverão todas elas integrar as questões do desemprego nas suas políticas de Responsabilidade Social, como questiona o director-executivo do “Expresso”?
Na opinião de Alexandre Relvas, o problema do desemprego – complexo tanto nas causas como nas consequências – “ultrapassa o âmbito das iniciativas” desta natureza. As empresas podem (e devem) integrar a realização de estágios na sua política de RS, afirma, mas “a resposta (ao desemprego) em termos de gestão é muitíssimo mais profunda: qualquer acção de RS terá um impacto limitado e não estrutural”, acredita. O que é estrutural, defende Relvas, é sensibilizar as empresas para olharem para os seus recursos humanos de uma outra forma, para além do factor base da competitividade – o conhecimento -, isto é, com uma “dinâmica de substituição geracional” que reconheça o talento, abrindo novas oportunidades aos jovens. Outro factor determinante será o de business sofistication, sobre o qual Portugal enfrenta “carências fortes”, seja no marketing ou ao nível da capacidade de inovação, de internacionalização ou de gestão da cadeia de valor, entre outros aspectos. Em conclusão, só a conjugação da atenção aos valores dos jovens com a atenção a estas “áreas de carência” permitirá atacar o problema na base, defende o CEO da Logoplaste. Estrutura remuneratória por competências Com algum optimismo, Alexandre Relvas acredita que “o próprio mercado vai resolver parte dos problemas (da crise)”, e recorda que “as próprias famílias e organizações sociais já absorveram uma parte importante do desemprego”. Outro dado positivo são os números animadores das exportações: “crescer 3 mil milhões (de Euros) é extraordinário, e equivale ao dobro do total de vendas na Auto-Europa, compara, sendo que este aumento do valor das exportações está a verificar-se em sectores como o dos serviços, mas também em alguns “ não esperados”, como o das máquinas e equipamentos ou o dos produtos de valor acrescentado”. Por outro lado, “muito do esforço face ao desemprego está a ser feito a nível regional”, envolvendo empresas e sociedade civil na criação de projectos empreendedores em nichos de mercado, com novas empresas a nascerem em parceria com pólos universitários e associações empresariais, sublinha. Quanto ao Estado, e não obstante os programas de incentivo ao emprego jovem que já tem em acção, exige-se “uma reflexão que o faça propor um “contrato intergeracional em Portugal”, a exemplo do que sucede já na União Europeia onde, graças ao Programa Garantia Jovem, qualquer pessoa tem de estar ocupada quatro meses depois de finalizar a sua formação escolar ou de ter caído no desemprego, seja através de um estágio ou de um posto de trabalho. Com ou sem apoios estatais, “vale a pena arriscar e correr o risco de falhar”, remata o CEO da Logoplaste, desde logo porque, como refere o moderador, (citando o Patriarca de Lisboa, quando afirmou que “o melhor de Portugal não passa nas televisões”), “há jovens que estão a fazer nascer o futuro”. E esses não passam na TV.
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Jornalista