POR GABRIELA COSTA
Foi com a mira numa “visão pós-troika de desenvolvimento de longo prazo” que o Governo apresentou em Setembro, pela mão do Ministro do Ambiente, Ordenamento do Território e Energia, a proposta de Compromisso para o Crescimento Verde. O plano estratégico definido no âmbito “de um novo ciclo de reformas estruturais e de investimentos produtivos em áreas estratégicas, como a economia verde”, foi liderado entusiasticamente por Jorge Moreira da Silva. E traçado na sequência do debate realizado pela Coligação para o Crescimento Verde, que reúne, desde Fevereiro de 2014, os esforços de quase uma centena de organizações das áreas empresarial, científica, financeira, organismos públicos, fundações e ONG.Na semana em que os EUA e a China estabelecem um acordo histórico para o clima, tanto em metas futuras como em união de esforços, e poucos dias depois de os líderes europeus chegarem a um entendimento sobre as medidas do ‘pacote Energia-Clima’ até 2030, (ver Caixa), a estratégia do Governo para a Economia verde ganha um novo alento, face ao objectivo de posicionar Portugal como líder desta nova tendência global.
[pull_quote_left]O grande objectivo é impulsionar o crescimento e o emprego através da aposta na Economia verde[/pull_quote_left]
Aberto à discussão pública por parte de empresas, partidos políticos, organizações da sociedade civil, e quem mais quiser contribuir com ideias e propostas, com vista a “envolver todos os agentes deste processo de transição” na concretização das iniciativas projectadas, o documento defende que o País já tem “uma posição privilegiada” no que concerne à sinergia entre crescimento económico e sustentabilidade, mas tem de apostar nas suas vantagens competitivas, “tirando partido dos recursos naturais, das infra-estruturas e dos talentos para competir e vencer à escala global”.
Reconhecendo que qualquer estratégia pós-troika implica “a manutenção do indispensável comprometimento duradoiro de responsabilidade orçamental”, o Governo espera promover, de uma forma sustentável, o crescimento e o emprego, através da Economia verde.
Valor partilhado entre Economia e Ambiente
Água, Resíduos, Agricultura e Floresta, Energia, Transportes, Indústria Extractiva e Transformadora, Biodiversidade e Serviços dos Ecossistemas, Cidades e Território, Mar e Turismo. São estes os dez sectores de actividade para os quais o Compromisso para o Crescimento Verde lança um conjunto alargado de iniciativas (83, em concreto) que pretendem contribuir para o desenvolvimento sustentável do País, “numa lógica de criação de valor” partilhado entre a Economia e o Ambiente.
Em causa está aumentar o PIB e criar emprego através da aposta nas actividades económicas verdes, promovendo, simultaneamente, uma gestão de recursos (naturais, energéticos, hídricos, etc.) mais eficiente, a redução das emissões de CO2, as energias renováveis e os ecossistemas. Tudo por um crescimento económico sustentável, portanto.
A estratégia visa reforçar a competitividade de Portugal e a sua afirmação internacional, enquanto país de referência em matéria de crescimento verde, para o qual dispomos de um “elevado potencial”, como concluem os especialistas que elaboraram o documento, e como demonstram alguns factos: somos o terceiro melhor país do mundo em política climática (segundo dados de 2013 do CCPI – Climate Change Performance Index); um dos mais ricos da Europa em biodiversidade; e dispomos de abundantes recursos energéticos renováveis.
Para tanto, são fixados 13 objectivos a atingir até 2020 e 2030: aumentar o VAB (Valor Acrescentado Bruto) “verde” para 3 mil milhões de euros em 2020, e 5100 milhões de euros em 2030; incrementar as exportações “verdes” para 700 milhões de euros em 2020, e 1200 milhões de euros em 2030; garantir a existência de 95 mil postos de trabalho “verdes” em 2020, e 140 mil 2030; aumentar a produtividade dos materiais, assegurando o objectivo europeu de crescimento de 30% até 2030; aumentar a incorporação de resíduos (reciclados, etc.) na economia para uma taxa de 68% em 2020, e de 87% em 2030; privilegiar a reabilitação urbana (em 17% face ao número de obras novas em 2020, e 23% face a obras novas em 2030); aumentar a eficiência energética (134 tep/milhão de euros-PIB em 2020 e 107 tep/milhão de euros-PIB em 2030); aumentar a eficiência hídrica (atingindo um máximo de 25% de água não facturada no total da água colocada na rede em 2020, e de 20% em 2030); reduzir as emissões de CO2 entre 68 e 72 milhões de toneladas em 2020, e entre 54 e 60 milhões de toneladas CO2 em 2030; reforçar o peso das energias renováveis para 31% no consumo final de energia em 2020, e para 40% em 2030; garantir que 72% das massas de água passam de qualidade «Inferior a Boa» a «Boa ou Superior» em 2020, e na totalidade em 2030; melhorar a qualidade do ar, com limites máximos de nove dias com Índice de Qualidade do Ar «fraco» e «mau» em 2020, e de dois dias em 2030; e valorizar a biodiversidade (126 espécies e 96 habitats com estado de conservação «favorável» estabelecido por região biogeográfica em 2020 e 158 espécies e 144 habitats em 2030).
O novo ciclo de reformas da “visão pós-troika”
A Economia verde representa, globalmente, quatro mil milhões de euros, crescendo 4% ao ano. Em 2010, os sectores verdes já representavam 2,5 % do PIB global da EU, e estima-se um crescimento anual de cerca de 30%, até 2025. O investimento em energias limpas atingiu 300 mil milhões de dólares, e a UE é responsável por 25% do mesmo. O emprego verde demonstrou “resiliência à recessão” europeia, aumentando 20% desde o seu início (7,3% em Portugal).
O futuro parece assim um pouco mais promissor, mas a crise ambiental é e será um dos mais complexos desafios globais que a humanidade – muito mais que o planeta – enfrenta. Os efeitos das alterações climáticas fazem-se sentir já no quotidiano, e hoje é certo que Portugal será “substancialmente mais afectado do que a média europeia” pelas consequências das mudanças no clima”, nomeadamente, e segundo o 5.º Relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), nos recursos hídricos e no litoral.
Degradação e escassez de recursos hídricos, perda de biodiversidade, e aumento exponencial do consumo de alimentos (50%), energia (45%) e água (30%) até 2030, devido aos efeitos demográficos, são algumas das perspectivas pouco animadoras do painel de especialistas coligado para alavancar esta ”aposta estratégica e prioritária” no crescimento verde.
[pull_quote_right]Qualquer estratégia pós-troika implica “a manutenção do indispensável comprometimento de responsabilidade orçamental”[/pull_quote_right]
Para além de constituir uma resposta ao agravamento dos sinais globais de crise climática, o Compromisso Crescimento Verde surge para colmatar os constrangimentos estruturais que persistem em limitar o “elevado potencial” dos recursos naturais no País, e para explorar as oportunidades económicas e de geração de emprego que resultam do aumento da procura de bens e serviços verdes, à escala global.
Concluído o Programa de Assistência Económica e Financeira monitorizado pela troika, o Governo diz que chegou a hora de perspectivar “num quadro temporal mais alargado do que uma legislatura” um conjunto ambicioso de reformas estruturais nas áreas do ambiente, energia, ordenamento do território, mar, transportes, reabilitação urbana, habitação, ciência e inovação.
Tal ambição inclui os objectivos do crescimento verde, os quais são “totalmente consistentes com os grandes desafios colocados à sociedade portuguesa” – crescimento, emprego, redução da dependência do exterior, fiscalidade inteligente e qualidade de vida – e podem “contribuir decisivamente para a sua obtenção”.
Aberto a consulta pública até 15 de Janeiro, o Compromisso em torno de políticas, objectivos e metas que impulsionem um modelo de desenvolvimento capaz de conciliar o indispensável crescimento económico com uma visão integrada e transversal das áreas e sectores com potencial de crescimento verde, encontra na vulnerabilidade do País em manter “um exercício inteligente de responsabilidade orçamental”, o seu maior constrangimento. É que, na actual conjuntura económica, o financiamento da Economia verde é ainda um desafio gigantesco, mesmo com o fôlego que o novo ciclo de fundos comunitários lhe poderá dar. Como alerta em entrevista, nesta edição do VER, o professor e especialista em Filosofia e Política do Ambiente, Viriato Soromenho-Marques.
Clima
EUA e China juntam-se aos esforços da União Europeia
Os Estados Unidos e a China chegaram esta quarta-feira a um acordo sem precedentes, para a redução de emissões de dióxido de carbono. Num anúncio à margem da cimeira da APEC (Fórum para a Cooperação Económica da Ásia-Pacifico), Barack Obama e Xi Jinping comprometeram-se com metas que estão a ser encaradas pela comunidade internacional e científica como um meio de pressão sobre outros países para o debate sobre emissões poluentes, e como um incentivo para garantir um acordo mundial no próximo ano, para reduzir as emissões depois de 2020 e limitar o aquecimento global a 2°C.
Os dois países, que produzem em conjunto quase 45% do dióxido de carbono mundial, são vitais para a obtenção desse compromisso e unem finalmente esforços, depois de anos e anos sem demonstrarem vontade de colaborar na resolução do problema, embora tanto o presidente americano como o chinês tenham feito do combate à poluição e da aposta nas energias renováveis prioridades nas suas administrações.
As metas anunciadas implicam esforços adicionais dos dois lados, que já suscitaram reacções internas que podem dificultar a sua obtenção. A China comprometeu-se a começar a reduzir as suas emissões de CO2 a partir de 2030, senão antes. E os EUA prometeram reduzir as emissões entre 26% e 28% até 2025, tendo como nível de referência o ano de 2005 (uma evolução face ao corte de 17% até 2020, anteriormente proposto pelo governo norte-americano).
O acordo, que será negociado durante a Cimeira de Paris (COP 21), em Dezembro de 2015, foi anunciado poucas semanas depois de os líderes europeus terem chegado a um entendimento sobre o ‘pacote energia-clima’.
O documento negociado pelos chefes de Estado e de Governo da União Europeia, a 24 de Outubro, prevê metas vinculativas de redução das emissões de gases com efeito de estufa na ordem dos 40% (em relação ao nível de 1990) e de incorporação de energias renováveis até, pelo menos 27%, até 2030. O compromisso alcançado pelos 28 contempla ainda o objectivo de aumentar em 27% a eficiência energética e em 15% as interconexões, com vista à criação um mercado energético eficaz na União Europeia.
Jornalista