O relatório “Global Risks 2013”, publicado esta semana pelo Fórum Económico Mundial, pinta o Planeta Terra em tons carregados. O aumento das desigualdades na distribuição da riqueza e as dívidas públicas insustentáveis surgem no topo dos riscos com maior tendência para se agudizarem na próxima década. E se a persistente debilidade económica incapacita os líderes para abordarem seriamente as alterações climáticas, outros riscos existem, menos mediatizados, que ameaçam profundamente a nossa existência Todos os anos, em Janeiro, líderes mundiais de diferentes esferas da sociedade, juntam-se em Davos, nos Alpes suíços, sob a égide do Fórum Económico Mundial (FEM) e com o objectivo de analisar e debater as principais problemáticas que assolam o planeta, tendo como mote um grande tema. “Dinamismo Resiliente” foi o tema escolhido para a reunião deste ano, que terá lugar entre 23 e 27 de Janeiro, e o mesmo espírito – o da resiliência – dá igualmente o tom ao relatório “Global Risks 2013”, divulgado na passada terça-feira pelo próprio FEM. Com base numa pesquisa intensa e extensa que envolve mais de 1000 especialistas de todos os cantos do mundo e de variados sectores da sociedade, o relatório – que vai já na sua 8ª edição – tem como objectivo informar e servir de bússola orientadora aos decisores mundiais, sendo complementado com vários recursos digitais, no site do FEM, entre os quais se destaca a denominada Risk Response Network, uma plataforma colaborativa que ajuda líderes do sector público e do privado a mapear, mitigar, monitorizar e melhorar a sua resiliência nacional aos riscos globais. De sublinhar no entanto, e tal como é afirmado no próprio relatório, que o seu objectivo não é aumentar os níveis de ansiedade para valores ainda mais preocupantes, mas para veicular o necessário debate entre diversos stakeholders de forma a poderem trabalhar em conjunto para divisar as soluções necessárias e urgentes para abordar esta nova constelação de riscos. Uma outra novidade para a edição de 2013 sobre os Riscos Globais advém de uma parceria editorial que o FEM realizou com a prestigiada revista Nature e que identificou os “Factores X” (v. Caixa), ou seja, um conjunto de preocupações emergentes de importância futura possível e com consequências desconhecidas. A ideia é “olhar mais além” e identificar riscos futuros de forma a poder antecipá-los e não a agir de forma reactiva depois de eclodirem. Estes factores X são questões sérias, baseadas nas mais recentes investigações científicas, mas de alguma forma consideradas como remotas quando comparadas com preocupações mais imediatas como os Estados falhados, os eventos climáticos extremos, a fome, a instabilidade macroeconómica ou os conflitos armados.
Tempestade económica e ambiental No que respeita a outros riscos que, supostamente, terão um impacto significativo na comunidade global, de destacar a possibilidade de um fracasso financeiro sistémico e uma crise no fornecimento de água potável, seguidos por desequilíbrios fiscais crónicos, escassez alimentar e a disseminação de armas de destruição massiva. Para Howell, o facto de os riscos identificados para 2013 serem os mesmos eleitos na edição anterior, reflecte o fracasso dos decisores políticos para lidar com estas ameaças. “Existe um forte sentimento de que não estamos a fazer progressos”, afirmou no dia em que o relatório foi apresentado, acrescentando que “as lideranças não estão a fazer o necessário para abordar estas temáticas”. O FEM afirma igualmente que os desafios imediatos para se lidar com os problemas económicos estão a contribuir para que os governos se sintam relutantes em abordar a ameaça de longo prazo provocada pelas alterações climáticas. E, como se pode ler no relatório, “o stress contínuo no sistema económico global está a absorver a atenção dos líderes no que respeita ao futuro próximo. E, entretanto, o sistema ambiental da Terra está, em simultâneo, sob um stress crescente. Os dois choques futuros e em simultâneo de ambos os sistemas poderá desencadear ‘a tempestade perfeita’ com consequências potencialmente insuperáveis”. “Na frente económica, a resiliência global está a ser testada pelas políticas fiscais de austeridade. Na frente ambiental, a resiliência da Terra está a ser testada pelo aumento das temperaturas globais, sendo que eventos climáticos extremos serão tendencialmente cada vez mais frequentes e severos. Um colapso súbito e massivo em uma das frentes irá, certamente, condenar as hipóteses da outra frente no que respeita ao desenvolvimento de uma solução eficaz e de longo prazo”, alerta também o relatório. Todos os anos, e como já foi anteriormente referido, o FEM pede a um painel de especialistas que faça a compilação dos 50 riscos globais. O estudo de 2013 demonstra a alteração de visões desde que a crise deflagrou em meados de 2007. No início desse ano, os cinco riscos mais frequentemente citados eram a ruptura da infra-estrutura de informações críticas, as doenças crónicas nos países desenvolvidos, o choque do preço do petróleo, a conjuntura na China e um colapso no preço dos activos. Em cinco anos, o mundo realmente mudou e, com ele, os seus principais riscos.
Os perigos da arrogância na saúde humana A Humanidade esteve sempre sob a ameaça constante proveniente das doenças infecciosas. Globalmente, e como se pode ler no relatório, existe uma melhoria significativa na monitorização dos sinais de uma crise relacionada com a saúde, com repercussões nos sistemas de alerta – ou seja, existem hoje muito menos mortes relacionadas com pandemias, ao mesmo tempo que a medicina moderna está constantemente a ir ao encontro de novas doenças com novos tratamentos, como demonstram os progressos relativos ao HIV desde os anos 1980. Todavia, questiona o relatório, será que estes progressos médicos modernos não demonstram uma confiança demasiado excessiva de que a ciência tudo resolve? Os desafios impostos à saúde humana não param de evoluir. E apesar de as recentes pandemias terem sido contidas, fica igualmente demonstrado o quão facilmente vírus mortíferos podem sofrer mutações e “saltar” de outras espécies para a nossa. Apesar de todos os sucessos, nunca estamos longe da catástrofe, dado que as novas mutações biológicas estarão sempre um passo à frente da inovação humana. De acordo com o relatório em causa, o maior perigo para a saúde humana provém das bactérias resistentes aos antibióticos. Para o painel de inquiridos, este risco global está ainda relacionado com a vulnerabilidade às pandemias, com o fracasso do regime internacional referente à propriedade intelectual, das taxas crescentes de doenças crónicas e das consequências inesperadas das novas tecnologias das ciências da vida. No que respeita a este último ponto, o relatório aponta para os esforços que têm vindo a ser investidos nas novas ciências da vida e que incluem a genómica, a nano-engenharia e a biologia sintética sem, contudo, ter existido um investimento prévio na abordagem dos tratamentos das doenças bacteriológicas. Uma das consequências não intencionais desta aposta reside no facto de a atenção dos investigadores ter sido desviada das abordagens tradicionais relacionadas com a descoberta de compostos naturais para matar as bactérias, algo que está a ser cada vez mais difícil de se conseguir. Para os autores do relatório, os grandes progressos efectuados na área da saúde acabaram por deixar o mundo num estado de complacência perigosa. A crescente resistência aos antibióticos poderá levar os sistemas de saúde já sobrecarregados ao desastre, enquanto o mundo “hiper-conectado” permite uma maior disseminação das pandemias. É assim recomendada uma colaboração internacional mais concertada e agressiva, para facilitar melhorias na recolha de dados e para permitir uma monitorização contínua e rigorosa da disseminação global das bactérias resistentes aos antibióticos. O relatório aponta a experiência da Europa ao longo da última década, a qual demonstra que se a existência de dados sobre a utilização e resistência dos antibióticos estiver publicamente disponível e se as políticas nacionais coordenadas com a prevenção e controlo destas bactérias forem implementadas e reforçadas, uma redução significativa na utilização dos antibióticos poderá ser alcançada na medicina humana. A laureada com o Nobel das Ciências Económicas, entretanto falecida, Elinor Ostrom, comparou a questão das bactérias resistentes aos antibióticos à das alterações climáticas, “no sentido em que ambos os fenómenos envolvem recursos globais não renováveis, ambos são causados pela actividade humana e intrinsecamente ligados ao nosso comportamento. O problema só pode ser abordado através da cooperação internacional”.
Os indesejados efeitos da “propagação” digital Recordando que sempre foi difícil prever as formas mediante as quais as novas tecnologias moldam a sociedade, o relatório alerta também para a escala e velocidade da criação e transferência de informação no mundo “hiper-conectado” da actualidade, fenómeno que não tem qualquer paralelo histórico. O Facebook alcançou mais de mil milhões de utilizadores em menos de uma década de existência, enquanto o Twitter atraiu mais de 500 milhões de utilizadores activos em sete anos. A cada minuto que passa, cerca de 48 horas de conteúdos são carregados no YouTube. Ora, da mesma forma que as novas tecnologias podem ser uma força para o bem, a ameaça de serem usadas para o mal é cada vez mais real. Um falso rumor que se espalhe de forma viral através das redes sociais pode ter um efeito devastador antes de ser desmentido, da mesma forma que a publicação de um conteúdo ofensivo ou mal interpretado poderá despoletar crises inimagináveis. Este risco aborda, de forma particular, o sistema global do qual muitos de nós depende: a Internet. A conectividade transformou as formas mediante as quais conduzimos os negócios e as relações pessoais. Quase um terço da população mundial está online e a interligação de “coisas” – desde camas de hospital a contadores domésticos de electricidade – está a aumentar a um ritmo vertiginoso. Mas a verdade é que compreendemos muito melhor os benefícios do que os riscos. O “lado negro” da conectividade considera que o terrorismo potencial, o crime e a guerra no mundo virtual possam vir a ser tão mortíferos e disruptivos quanto os seus equivalentes no mundo físico. A Stuxnet, uma ciber-arma ou worm altamente sofisticado que se espalhou pelo Irão, Indonésia e Índia e que terá sido especificamente criado para destruir as operações de um alvo em concreto – o reactor nuclear iraniano Bushehr – constitui um bom exemplo do que é possível ser feito. Os mesmos tipos de sistemas automatizados que atacou podem ser utilizados para controlar quase tudo, desde os reactores nucleares até às condutas de gás, sem esquecer tratamentos químicos das águas potáveis ou as portas de segurança das prisões. Os governos de todo o mundo estão a debater se a existência de leis que limitam a liberdade de expressão, por razões de incitamento à violência ou ao pânico, podem ser aplicadas a actividades online. Mas o estabelecimento de limites razoáveis às liberdades legais da expressão online é extremamente complexo devido ao facto de os media sociais serem um fenómeno recente e as normas sociais digitais não estarem ainda adequadamente estabelecidas. Todavia, a verdade é que este risco foi considerado potencialmente perigoso pelo painel entrevistado, principalmente no que respeita à veiculação de informação que pode perturbar irremediavelmente as empresas e até os Estados.
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Editora Executiva