POR HELENA OLIVEIRA
Lançado esta semana, em parceria com o The Boston Consulting Group e, pela primeira vez, também com o Global Compact das Nações Unidas, o já habitual Relatório de Sustentabilidade divulgado anualmente pela MIT Sloan Management Review demonstra que é crescente o número de empresas que está a adoptar as colaborações – com fornecedores, ONGs, associações industriais, governos e até com concorrentes – como via para se tornar mais sustentável.
E se finalmente parecem não existir dúvidas de que a sustentabilidade já faz parte integrante da estratégia “normal” das empresas, a verdade é que novos desafios vão surgindo, obrigando a um ajustar permanente e contínuo para se lidar com esta temática: o ambiente físico está a tornar-se cada vez mais imprevisível, a economia global “interconectada” está a alterar as condições sociais e a inovação tecnológica está a transformar, radicalmente, a natureza do consumo e da produção.
De acordo com a revista do MIT, a sustentabilidade corporativa evoluiu da mera expressão de boas intenções para uma rede complexa de relacionamentos e actividades estratégicas e, ao se tornar mais global, mais facilmente as empresas se apercebem de que não podem trilhar um caminho eficiente sozinhas. E é através destas redes estratégicas que os negócios conseguem ter acesso a recursos “esgotados” ou não renováveis, evitar violações dos direitos humanos nas suas cadeias de valor ou minorar, de alguma forma, os efeitos das alterações climáticas. Assim, a palavra-chave do relatório deste ano é “colaboração” e foi sobre as várias dinâmicas a que se presta que foram inquiridos cerca de 3800 gestores e entrevistados vários especialistas em sustentabilidade espalhados pelos quatro cantos do mundo.
Sem dispensar a leitura na íntegra do relatório em causa [é necessário fazer uma subscrição gratuita para ter acesso ao pdf do mesmo], em conjunto com a partilha de exemplos concretos e de sucesso de que muitas empresas estão a ser palco, o VER sublinha neste artigo a relevância estratégica das colaborações em sustentabilidade.
Problemas complexos exigem perspectivas diferentes
Nos finais da década de 90, e de acordo com o relatório, algumas empresas embarcaram nas suas primeiras incursões em prol da sustentabilidade. Na maioria das vezes através de actividade internas, limitavam-se a aderir a estratégias de minimização dos resíduos causados pelas suas actividades ou a questões de eficiência energética ou, por outras palavras, não indo muito além da mera “redução de custos”. Mas à medida que as questões da sustentabilidade começaram a afectar mais significativamente o próprio negócio – como a instabilidade social, as alterações climáticas ou o esgotamento de recursos – as empresas perceberam que apenas uma acção colectiva poderia fazer frente a estas ameaças, tendo em conta a sua própria protecção enquanto empresas, e também a do planeta.
Como escreve Patrick Hynes, da Clinton Global Initiative “independentemente do facto de se ser uma empresa ou uma organização, parte da sociedade civil ou uma voz do sector público, é unânime a visão de que os problemas complexos exigem as perspectivas dos diferentes constituintes”, acrescentando também que “o número de organizações a trabalhar em conjunto aumentou consideravelmente nos últimos anos, em conjunto com um sentimento de urgência para se colaborar”.
Os dados do relatório realizado pela revista do MIT comprovam essa realidade. Em 2013, cerca de 40% dos respondentes reportaram o facto de as suas organizações estarem a aumentar a colaboração com clientes e fornecedores. Em 2014 (ano a que se refere o relatório), 37% afirmaram que as suas empresas estavam activas em 10 ou mais parcerias e, destes, 10% afirmaram estar envolvidos em mais de 50.
O relatório da Sloan Management Review sublinha os detalhes necessários a ter em conta no que respeita às colaborações em sustentabilidade, nomeadamente o porquê e com quem as empresas estão a estabelecer parcerias e de que forma as abordam.
- O ímpeto estratégico para colaborar
Aumentar a reputação da marca, melhorar a inovação dos produtos e serviços, fomentar as transformações do mercado e mitigar os riscos constituem, de acordo com a pesquisa, os mais importantes estímulos para as colaborações relacionadas com a sustentabilidade.
A reputação da marca ou da empresa é, na maioria das vezes, o motivo mais forte listado pelos inquiridos para as parcerias de sustentabilidade: 78% dos executivos e gestores entrevistados consideram-na como muito relevante. Como seria de esperar, esta resposta é a indicada para alimentar o coro habitual de críticas que reza que as empresas apenas se preocupam com a sustentabilidade enquanto “fachada” em vez de a integrarem verdadeiramente nas suas estratégias. Todavia, e como sublinha Jason Clay, vice-presidente sénior do World Wildlife Fund (WWF), a reputação é muito mais do que uma mera questão de relações públicas: “Nos anos 70, mais de 80% do valor empresarial tinha como base os activos tangíveis. Em 2009, 81% deste valor passou a residir nos activos intangíveis, de que são exemplo a marca e a reputação. (…) Esta equação de valor mais abrangente está a sentar mais empresas à mesa da sustentabilidade”.
“Empresas como a WalMart não conseguem ser sustentáveis contando apenas consigo mesmas”, acrescenta Gregory Unruh, professor na George Mason University. “Para ser sustentável, a Walmart precisa de uma rede de fornecedores sustentável, de uma base de clientes sustentável e até de uma economia sustentável para operar. Para atingir os seus objectivos, as empresas precisam, inevitavelmente, de se tornarem parceiros estratégicos em processos globais de transformação sustentável. Passar um cheque à obra de caridade favorita do patrão já não funciona”.
- Colaboração em acção
Ryan Schuchard, responsável da área de clima e energia do Business For Social Responsibility’s (BSR), afirma que as necessidades estratégicas e transformacionais estão a estimular as parcerias tanto no sector privado como no público. Os objectivos deste tipo de colaboração são variados e incluem o desenvolvimento de normas e a promoção de práticas comuns; a partilha de informação para fomentar novas descobertas e comunicá-las externamente; a criação de uma base consolidada de poder para influenciar, por exemplo, os decisores políticos e os fornecedores e a partilha de investimentos para diminuir custos ou reduzir riscos.
À medida que as estratégias de colaboração se tornam mais comuns, as tensões entre as empresas e as ONG estão a ser suavizadas. A Greenpeace, por exemplo, criticava as práticas da cadeia de fornecedores da Asia Pulp & Paper’s, o que causava o cancelamento de muitas encomendas por parte dos clientes. A empresa, por seu turno, optou por uma jogada estratégica ousada para reinventar o seu modelo de negócio e a forma como adquiria as suas matérias-primas. E, para que esta fosse bem-sucedida, os líderes da empresa acenaram com a bandeira branca e convidaram a Greenpeace a fazer parte do seu conselho de administração para os ajudar a alterar as suas práticas florestais enquanto fontes das matérias-primas necessárias para o negócio.
Um outro bom exemplo de colaboração transformacional é dado pela empresa Netafim, sedeada em Israel, o qual aborda uma questão crítica para a sustentabilidade: a escassez de água. Fundada há 60 anos num pequeno kibbutz, a Netafim transformou-se na maior empresa, a nível mundial, de irrigação gota a gota, transformando um “mercado de água” para pequenos agricultores num outro muito mais abrangente nas economias emergentes. “Introduzimos a irrigação gota a gota na agricultura”, recorda Naty Barak, responsável de sustentabilidade da Netafim. “Na altura, tivemos muitas dificuldades. A água era muito limitada, mas o conceito de irrigação gota a gota – que é muito mais eficiente do que a irrigação por inundação ou por aspersão – era desconhecido e exigia um enorme dispêndio de tempo em formação e consciencialização. Para o atingir, estabelecemos parcerias com autoridades governamentais, universidades e até com uma pequena ONG. Depois da Netafim ter atingido o sucesso em Israel e de ter estabelecido o seu negócio no mundo desenvolvido, virou as suas atenções para os países em desenvolvimento, os quais constituem agora a maior quota-parte do seu negócio. O mercado de maior crescimento da Netafim é a Índia, onde o cliente médio da empresa é detentor de menos de um hectare de terra. “Estamos a falar de pequenos agricultores e não existe forma alguma de chegarmos até eles sem ajuda”, assegura Barak. “Precisamos de parceiros que os conheçam e que estejam familiarizados com a sua cultura, e que nos possam ajudar a vender o nosso serviço e a dar-lhes formação. Para tal, precisamos de parceiros governamentais e de organizações financiadoras como o Banco Mundial ou a IFC [membro do Grupo Banco Mundial, a International Finance Corporation é a maior instituição de desenvolvimento global voltada para o setor privado nos países em desenvolvimento]. Não existe forma alguma de o fazermos sozinhos”.
- O (largo) espectro das parcerias
Cerca de 60% dos inquiridos afiram que as suas colaborações de sustentabilidade incluem outras empresas, seja através de associações industriais, entre indústrias ou no interior da mesma indústria. As colaborações incluem também as universidades (47%) e as ONG (47%), com as entidades governamentais a representarem uma percentagem ligeiramente mais baixa (39%).
O relatório comprovou igualmente que as empresas que mais parcerias estratégicas e transformacionais têm tendem a colaborar com uma gama mais vasta de organizações.
A conhecida empresa de vestuário e acessórios para actividades no exterior, a Timberland, está a trabalhar estreitamente com o Leather Working Group [uma associação que reúne marcas, retalhistas, produtores de couro, fornecedores de químicos e especialistas técnicos que trabalham em conjunto para o desenvolvimento de um protocolo ambiental especificamente criado para a indústria dos produtos de couro] para assegurar que as suas fontes de couro são provenientes de curtumes ambientalmente responsáveis. “Através do nosso trabalho com o grupo, somos capazes de fomentar boas práticas relacionadas com a gestão de energia, de químicos e de água e assegurarmo-nos de que só compramos materiais classificados como ‘prata’ ou ‘ouro’”, afirma Betsy Blaisdell, gestora de sustentabilidade da Timberland.
Um outro exemplo vem do Egipto, mais especificamente da Egypt Junior Business Association (em parceria com o Global Compact das Nações Unidas), a qual tem uma plataforma de acção colectiva onde pequenas e médias empresas assinam um “juramento” para levarem em consideração práticas e políticas robustas e eficazes anticorrupção. De forma similar, as empresas pertencentes ao mesmo sector de actividade reuniram esforços para assegurar que as suas cadeias de valor vão ao encontro dos requisitos fundamentais dos Princípios Orientadores dos Direitos Humanos nos Negócios (também das Nações Unidas). Por exemplo, o Thun Group, um círculo informal que reúne sete bancos internacionais, publicou um paper para ser discutido sobre o enquadramentos destas questões. Um outro grupo de empresas de turismo alemãs e suíças adoptaram uma iniciativa similar que deu origem a um compromisso face às responsabilidades das empresas multinacionais a operar no sector do turismo.
Como sublinha também este relatório, se uma empresa leva a sério o seu compromisso com a sustentabilidade, é muito mais provável que enverede por estas colaborações estratégicas para atingir os seus objectivos nesta área. Por exemplo, as empresas que colocam a sustentabilidade como uma questão prioritária nas suas agendas, são pelo menos duas vezes mais propensas a colaborarem estrategicamente do que as suas congéneres que consideram a sustentabilidade como apenas “mais uma” temática a ter e consideração.
O acesso a conhecimento especializado e a redes de relacionamentos constituem os principais benefícios para as empresas que adoptam a colaboração como estratégia inerente aos seus esforços de sustentabilidade. E, de forma não surpreendente, se as empresas estão abertas a fornecer apoio financeiro para apoiar as suas colaborações, mostram uma propensão muito mais acentuada para beneficiar da influência política dos seus parceiros e da capacidade de gerar impacto positivo na opinião pública.
Editora Executiva
Comentários estão fechados.