POR HELENA OLIVEIRA
“Se mostrarmos às pessoas os problemas e, em simultâneo, as soluções, então elas sentir-se-ão empenhadas em agir”
Bill Gates
Em 2009, um grupo de 28 cientistas internacionalmente reconhecidos identificou e quantificou o primeiro conjunto de nove limites planetários, no interior dos quais a humanidade pode continuar a desenvolver-se e a prosperar, garantindo a habitabilidade futura das gerações vindouras. De acordo com a visão destes cientistas, ultrapassar estes limites poderá gerar alterações ambientais abruptas e irreversíveis, constituindo tarefa dos humanos garantir que estas fronteiras nunca sejam cruzadas.
Seis anos mais tarde, é publicado, na revista Science um novo relatório, da autoria de 18 investigadores, que afirma que quatro destes nove limites foram já ultrapassados, a saber: as alterações climáticas, a perda da integridade da biosfera, as mudanças no sistema de utilização dos solos e a alteração dos ciclos biogeoquímicos (fósforo e nitrogénio).
Destes quatro limites, dois deles são o que os cientistas denominam como uma espécie de “núcleo duro”, na medida em que, quando transgredidos, poderão conduzir o Planeta Terra a um novo (e preocupante) estado. Estamos a falar das alterações climáticas e da integridade da biosfera.
De acordo com um dos cientistas responsável pela actualização do estudo, o Professor Will Steffen, investigador na Australian Natonal University, em Camberra, “a transgressão de um destes limites aumenta, mesmo que inadvertidamente, o risco das actividades humanas conduzir o Sistema da Terra [composto pela atmosfera, pelos oceanos e pelos solos] para um estado muito menos hospitaleiro, prejudicando os esforços para reduzir a pobreza, aumentando a deterioração do bem-estar humano em muitas partes do mundo, incluindo os países ricos”.
Adicionalmente, e também no início do ano, foi igualmente publicado um estudo que traça a “Grande Aceleração” do crescimento humano e da sua actividade desde 1950. Ambos alertam, sem qualquer ambiguidade, para o facto de a civilização humana estar numa gigantesca “zona de perigo” e que seria mais do que prudente encetarem-se esforços para a fazer recuar da beira deste precipício.
Aproveitando a reunião anual de líderes de todo o mundo que decorre, até dia 24, em Davos, no habitual Fórum Económico Mundial, o Professor de Sustentabilidade Global, Johan Rockström, um dos 18 cientistas que contribuiu para a actualização dos nove limites planetários, oferece a sua perspectiva, em conjunto com nove possíveis soluções, que poderão ajudar a mitigar a possibilidade deste “suicídio colectivo involuntário” vir a acontecer. As razões para o seu optimismo prendem-se com dois factos em particular: as mais do que suficientes provas cientificas existentes de que o mundo pode estar à beira da uma catástrofe sem retorno e o momentum político, protagonizado por dois actores mundiais principais, os Estados Unidos e a China, que se mostraram finalmente mais receptivos ao ambicioso acordo climático que poderá ser firmado em Paris, em Dezembro deste ano. O Professor da Universidade de Estocolmo sublinha ainda, relativamente a este paper que será discutido na cimeira de Davos, que também os líderes empresariais estão já a aceitar o facto de que as empresas têm de partilhar uma nova responsabilidade no que respeita à procura de soluções para um planeta em pressão crescente.
- Alterações climáticas: a urgência da descarbonização
O respeito pelos limites climáticos do planeta traduz-se, tão “simplesmente”, na limitação das emissões de carbono. Para os cientistas responsáveis pelo estudo, descarbonizar a economia global nas próximas décadas deverá ser a prioridade número um, o que irá exigir um preço global sobre o carbono. Johan Rockström dá o exemplo do seu próprio país, o qual, em 1991, estabeleceu uma taxa de carbono de 100 dólares por tonelada, a qual encareceu sobremaneira a poluição, ao mesmo tempo que fez diminuir as emissões e florescer a economia. Afirmando que são necessários 1,5 triliões de dólares de investimento em renováveis – com as medidas de eficiência energética a beneficiar toda a população -, o professor sueco defende ainda que este é um ideal alcançável: Copenhaga comprometeu-se a ser a primeira capital neutra em carbono em 2025 e está muito próxima de atingir este objectivo. Por outro lado, o investimento gigantesco da China em renováveis promete uma significativa transformação em termos de fornecimento energético.
- Diminuição do ozono estratosférico – uma razão para celebrar
O buraco do ozono por cima da Antárctica está a estabilizar. A proibição global de clorofluorocarbonetos (CFCs) consiste numa das mais bem-sucedidas medidas na história da política internacional.
- Biodiversidade – educação para um planeta mais inteligente
Alertando que a biodiversidade está a ser perdida a níveis recordistas, com várias extinções em massa, o professor de sustentabilidade global sublinha que o problema não se limita apenas a algumas espécies, mas a habitats inteiros que estão a ser completamente destruídos devido ao desenvolvimento acelerado, incluindo a agricultura. O investigador não tem dúvidas de que chegámos a um ponto em que somos obrigados a cessar a perda da biodiversidade e a salvaguardar os ecossistemas terrestres e marítimos “restantes” que compõem o planeta, sob pena de não existir retorno. Para tal, é urgente que se aposte em novas soluções, como a aposta em sistemas de aquacultura integrados, por exemplo, em que algas, moluscos e peixes são produzidos em conjunto. A aposta em engenharias e soluções agrícolas inovadoras poderá ser uma constante, caso se incorpore, de forma séria, o pensamento dos “limites do planeta” nos sistemas educativos globais.
- Protecção das florestas – empresas têm de liderar
Os satélites e novas ferramentas online permitem que qualquer pessoa possa rastrear a desflorestação em quase todos os locais do mundo. Para Johan Rockström, ligar estas ferramentas à aplicação de leis adequadas consiste no passo seguinte a ser dado para se proteger as florestas que ainda “resistem”. O professor sueco insiste, contudo, que são as grandes empresas, em conjunto com as suas cadeias de fornecedores, que mais devem fazer para evitar a desflorestação. Dando o exemplo da Unilever que compra, anualmente, 3% de todo o óleo de palma produzido no mundo, Rockström saúda o compromisso assumido pelo gigante empresarial de apenas adquirir este produto a partir de fontes sustentáveis. Para o especialista em sustentabilidade, é imperativo que seja crescente o número de empresas que adopte este nível de liderança “progressista”.
- Fertilizantes – pecar por excesso ou por defeito
A poluição provocada pelo nitrogénio e pelo fósforo, em grande parte devida ao excesso de utilização de fertilizantes na agricultura e nas águas residuais, é responsável pela criação desnecessária e intensa de zonas mortas nas zonas costeiras de todo o mundo. Por outro lado e em simultâneo, em África e em algumas regiões da Ásia os fertilizantes não são suficientes, o que contribui também para o sofrimento humano [más colheitas, mais fome]. As novas tecnologias que permitem a utilização de fertilizantes com uma precisão minuciosa fazem parte da denominada “dupla revolução verde” na agricultura.
- Água – o problema regional
Centrar a inovação e o investimento na relação existente entre água, alimentação e energia produzirá, sem qualquer dúvida, recompensas significativas capazes de “arrastar a humanidade para mais longe do precipício”. Apesar de a agricultura ser responsável pela utilização de 70% dos recursos hídricos derivados dos rios e das águas subterrâneas, o limite dedicado à água potável ainda não foi transgredido a nível global. Contudo, alerta o professor sueco, a nível regional, a história é outra e nada bonita de se contar. Para inverter esta tendência, é crucial aumentar o investimento em inovações como os sistemas de captação das águas pluviais ou a irrigação gota a gota, entre outras, as quais são capazes de aumentar a produtividade da água em mais de 50% no sistema alimentar.
- Acidificação dos oceanos e a pressão nos ecossistemas marinhos
Ao longo de muitos anos, os cientistas acreditavam que os oceanos eram simplesmente demasiado “grandes” para serem negativamente afectados pelas actividades humanas. Depois perceberam que o seu pH estava a sofrer alterações rápidas como resultado das emissões de combustíveis fósseis. O aquecimento dos oceanos em conjunto com a eutrofização [a poluição proveniente, em grande parte, dos fertilizantes] e com o excesso de pesca, está a colocar uma gigantesca pressão nos seus ecossistemas. A boa (?) notícia reside no facto de, caso exista uma rápida descarbonização por parte da economia global, este problema poder ser simultaneamente resolvido.
- Poluição atmosférica
Uma em cada oito mortes a nível global é devida à poluição do ar. E não se pense que cidades como Beijing, com níveis de poluição chocantemente elevados, são casos isolados. Para Rockström, este não é, de todo, um mal necessário. Com as tecnologias e políticas adequadas, acredita, é uma situação perfeitamente evitável, sendo que os benefícios são duplos: vidas mais saudáveis e um planeta com mais saúde também, na medida em que os aerossóis poluentes – as ínfimas partículas existentes na atmosfera resultantes das emissões humanas – afectam igualmente o clima. O investigador afirma que é necessária uma “revolução nos fogões domésticos” para reduzir a poluição do ar em recintos fechados, em conjunto com políticas de incentivos para a proibição das indústrias mais poluentes, sem esquecer a diminuição dos incêndios florestais e das queimadas agrícolas. Para o professor, bastava uma revolução social tendo como alvo a poluição dos aerossóis para eliminar esta ameaça rapidamente: em uma década, mais precisamente.
- Inovações com resultados desconhecidos
No início do século XX, o mercado desejava químicos seguros para os frigoríficos e para os ares condicionados. E os CFCs (clorofluorocarbonetos) pareciam a solução ideal. Décadas mais tarde descobriu-se que os mesmos prejudicavam seriamente a camada do ozono. O mesmo está a acontecer com o chamado “progresso” em algumas áreas. Desde as nanopartículas à modificação genética, a capacidade humana para desenvolver novas substâncias, e até para modificar a vida, poderá ser responsável pela criação de efeitos geofísicos e biológicos indesejáveis. A questão mais preocupante, de acordo com Rockström, prende-se com a velocidade mediante a qual estas inovações se propagam no sistema globalmente interconectado em que vivemos e a escala do seu impacto quando multiplicado pela utilização por parte de milhares de milhões de pessoas. O princípio da precaução nunca foi tão importante, na medida em que os riscos são demasiado elevados.
Enquanto cientista e “membro” da equipa responsável por este relatório, Johan Rockström afirma que o mais importante de tudo é “casar as pessoas com o planeta e as políticas com as empresas”. É que só uma liderança política global “concertada” será capaz de regular os limites do planeta, não deixando que estes sejam ultrapassados e transgredidos. Mas aí é que reside o problema.
Nota: Para saber mais sobre este estudo, clique aqui
Editora Executiva