POR GABRIELA COSTA
De que modo a revista Sinergias – Diálogos Educativos para a Transformação Social se pretende afirmar enquanto plataforma internacional de discussão e reflexão sobre a Educação para o Desenvolvimento, através da partilha de conhecimento nesta área?
A Revista pretende afirmar-se como um espaço de diálogo entre diversas perspectivas, entendimentos e práticas no que respeita aos processos de aprendizagem que têm por foco a transformação social. Esta é uma área com um crescente interesse por parte da academia e uma crescente produção ao nível da investigação, em diferentes partes do mundo, que urge colocar em diálogo, confrontar e debater. Apesar de quase sempre o objectivo final ser o mesmo – a transformação social com vista à construção de uma sociedade mais justa e solidária – as perspectivas e os entendimentos sobre o(s) tema(s), as abordagens e as metodologias são muitas vezes diferentes. A revista Sinergias pretende ser um contributo facilitador deste diálogo de perspectivas e entendimentos, quer numa perspectiva de confronto, quer numa perspectiva de complementaridade, dando corpo à própria noção de transformação social que a rege. Para além deste “diálogo entre diferentes”, pretende-se também promover o “diálogo entre iguais”, numa perspectiva de aprofundamento constante de uma temática que é, em si, muito complexa, e que admite sempre mais e melhor reflexão, profundidade e fundamento.
Tomaram-se algumas opções estratégicas que visam facilitar este diálogo, como sejam a possibilidade de submissão e publicação de artigos em três línguas (português, inglês e espanhol), a constituição de um Conselho Científico que comporta uma diversidade grande de membros, não só ao nível das suas nacionalidades e locais de trabalho, mas também no que respeita às suas áreas de investigação e intervenção, e a adopção de uma linha editorial que valoriza a diversidade de visões e de reflexões, bem como o debate e o contraditório.
Com que objectivos dedicam a edição de lançamento desta que é a primeira revista científica especializada na área à “aproximação ao(s) conceito(s) e caminho(s) da ED”[Educação para o Desenvolvimento], através do olhar crítico de diversos especialistas sobre os modelos e acção na ED, reunido em artigos científicos, recensões críticas e resumos de teses?
Sendo o principal objectivo da ED a transformação social com vista à construção de uma sociedade mais justa e solidária, existem diferentes entendimentos, metodologias e práticas sobre ela. Se a ED pretende ser uma resposta aos desafios do mundo actual, desafios esses que mudam constantemente, os seus conceitos e práticas não poderiam ser algo fixo e fechado.
Em Portugal, a ED tem tido, nos últimos anos, uma relevante evolução, nomeadamente pela mão das Organizações da Sociedade Civil (OSC). Tendo sido reconhecida como prioridade sectorial da política nacional de cooperação pela primeira vez em 2005, através do documento “Uma Visão Estratégica para a Cooperação Portuguesa”, em 2008 inicia-se o processo de elaboração da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento (ENED), que viria a ser promulgada a 26 de Novembro de 2009. Este processo, da iniciativa do então Instituto Português de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), actual Camões, Instituto da Cooperação e da Língua, e com a colaboração de outras instituições, públicas e da sociedade civil, foi já uma aprendizagem para os actores envolvidos, criando as bases de um alinhamento nacional sobre as temáticas da ED em Portugal.
[pull_quote_left]“Foi considerado pertinente um primeiro número da revista com uma matriz teórica, de identificação e clarificação dos conceitos, de confronto de diferentes entendimentos do que é a ED e de apresentação da realidade da ED em Portugal”[/pull_quote_left]
No entanto, em 2012, aquando da publicação do primeiro Relatório de Acompanhamento da ENED, relativo aos anos de 2010 e 2011, apercebemo-nos da necessidade de se reforçar a promoção da investigação na área de ED e a reflexão sobre as suas actividades. Efectivamente, parece haver ainda uma falta de ligação entre a investigação e a acção em ED, em Portugal. Esta conclusão sublinha uma série de constrangimentos nesta área: por um lado, uma relativa “fragilidade” conceptual no que concerne à ED e ao seu papel no processo de desenvolvimento (tema agora em destaque na comemoração do Ano Europeu para o Desenvolvimento), por outro, verifica-se uma escassa sistematização e aprofundamento das experiências de terreno e do trabalho em ED, aliada a uma evidente dificuldade em aceder a bases teóricas fortes e sólidas para o planeamento, implementação e avaliação de acções em ED. O projecto Sinergias ED: Conhecer para melhor Agir – promoção da investigação sobre a acção em ED em Portugal, a partir do qual surge esta Revista, pretende contribuir para ultrapassar estas dificuldades, procurando promover a valorização da ED em Portugal e a qualidade da sua intervenção.
Foi, pois, neste sentido que se considerou pertinente um primeiro número da revista com uma matriz teórica, de identificação e clarificação dos conceitos, de confronto de diferentes entendimentos do que é a ED e de apresentação da realidade da ED em Portugal, com algum destaque para a Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento. Este é o nosso entendimento da ‘aproximação ao(s) conceito(s) e caminho(s) da ED”, na compilação de diversas rubricas de análise e reflexão crítica sobre a ED.
Em que medida contribui o reconhecimento da “diversidade e apropriação da área” de Educação para o Desenvolvimento “em contextos dentro e fora da Europa” para a qualidade dos processos de transformação social, locais e globais?
Na medida em que a ED é, em si mesma, promotora de processos de transformação social com base na facilitação de processos conducentes a uma maior consciencialização acerca do mundo que nos rodeia, bem como de um espírito crítico e reflexivo mais atento e aguçado em relação a diferentes situações de injustiça e violência estrutural, é urgente uma intervenção cidadã, quer a nível pessoal, quer a nível colectivo, mais determinada e substancial. Pelo seu enfoque político assente numa base ética bem explícita e que parte das noções fundamentais de justiça, equidade e solidariedade, a ED propõe-se pensar, debater e actuar sobre as causas estruturais que impedem a vivência destes valores no dia-a-dia das pessoas de todo o mundo, pelo que é potenciadora de processos de transformação social que sejam realmente estruturais e promotores de um mundo mais justo e solidário.
E que relevância assume, para esse objectivo, “um maior envolvimento da área académica e uma melhor articulação entre práticas e investigação”, como defende Liam Wegimont, membro do Conselho Científico da revista?
A maior consciencialização dos cidadãos sobre os problemas do mundo actual só pode ser resultado de processos concertados entre diferentes actores – falamos aqui de processos de aprendizagem formais, não formais e mesmo informais – que decorrem ao longo de toda a vida e fruto de um espírito atento, curioso, crítico, interventivo, comprometido. Estes processos, para serem potenciados, necessitam de diversas abordagens, metodologias e produção de conhecimento. É, para nós, indiscutível, que a produção de conhecimento necessita de um processo que envolva as práticas e as teorias, a acção e a reflexão. Só desta forma se obterá um olhar mais aprofundado sobre a realidade, um olhar que permita mais e melhor conhecimento que poderá enformar mais e melhores práticas. Temos sentido que, não só em Portugal mas também a nível internacional, os atores têm expressado a necessidade de reflexão sobre os conceitos que enformam as práticas de ED, mesmo que muitas vezes sejam as práticas a enformar os conceitos.
[pull_quote_right]“Efectivamente, parece haver ainda uma falta de ligação entre a investigação e a acção em ED em Portugal”[/pull_quote_right]
Em Portugal, a ED teve um grande impulso e desenvolvimento pela mão das OSC, mas a academia, também pela multiplicação de atores que se movem nos dois universos, tem vindo a envolver-se cada vez mais na promoção e valorização da qualidade da ED.
Por esse motivo, considera-se urgente uma maior e melhor articulação entre a investigação e a acção, para a criação de um processo de aprendizagem colaborativo, com vista a criar dinâmicas de diálogo e cooperação institucional que permitam potenciar as sinergias e complementaridades em torno da investigação e da acção na área da ED. Ao mesmo tempo, tem-se em vista uma preocupação concreta com o reforço da capacitação em ED destes atores e a sua interligação com bases conceptuais e teóricas.
Como se situa actualmente Portugal no panorama internacional da ED, e como avaliam a execução da Estratégia Nacional de Educação para o Desenvolvimento, adoptada em 2009, (e cujo Relatório de Acompanhamento 2012 reflecte, precisamente, essa lacuna entre a investigação e a acção)?
Em Portugal, a ED está a começar a ocupar algum lugar de destaque nas agendas ligadas ao Desenvolvimento. Ao fim destes quase cinco anos da ENED, cremos poder salientar os seguintes pontos positivos: o mapeamento regular de actividades/projectos realizados, através dos Relatórios de Acompanhamento; o estreitamento de relações entre as entidades subscritoras do Plano de Acção da Estratégia, que se comprometeram a colocá-la em prática, as ONGD inscritas na Plataforma nacional e as Escolas Superiores de Educação; a discussão conceptual e o processo formativo fomentados por encontros entre diversos atores e a maior apropriação da estratégia por parte dos atores envolvidos. O projecto Sinergias ED, nomeadamente, tem tido um papel importante no estabelecimento de uma comunidade de reflexão e de prática, na concertação de esforços e na criação de uma rede de interessados nestas temáticas.
[pull_quote_left]“A maior consciencialização dos cidadãos sobre os problemas do mundo actual só pode ser resultado de processos concertados entre diferentes actores”[/pull_quote_left]
De salientar, ainda, a nível nacional, a organização de momentos de encontro alargado e de reflexão sobre a ED: as 3 edições das Jornadas de ED (2011, 2012 e 2013) e a realização do I Fórum de ED (2014) em Portugal.
No entanto, reconhecemos que ainda persistem alguns desafios, nomeadamente, a necessidade de reforço das tipologias de acção que se têm revelado menos cobertas – a promoção de actividades envolvendo estabelecimentos de ensino e actores de ED, a promoção da investigação, a formação de agentes e as acções de influência política, por exemplo; a necessidade de diversificação dos financiamentos disponíveis para a concretização da Estratégia, de uma distribuição territorial mais equilibrada das acções, através do trabalho em rede entre actores de ED de diferentes regiões do país, e do alargamento do âmbito do relatório às questões da qualidade dos projectos.
Relativamente à participação de Portugal no panorama internacional, cremos ser importante salientar a participação de Portugal no Global Education Network Europe (GENE), as diversas referências ao processo participativo da elaboração da ENED e do seu processo de acompanhamento como caso bem-sucedido (quer ao nível da Comissão Europeia, do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa, da OCDE e da UNESCO) e, mais recentemente, a organização e participação no processo de Peer Review do Global Education Network Europe (GENE) que revelou as potencialidades da ED em Portugal. De reforçar ainda a participação de atores portugueses em grupos de investigação europeus, nomeadamente com o centro HEGOA (País Basco, Espanha) e no âmbito do projecto DEEEP, dinamizado pelo grupo de ED da Plataforma Europeia de ONGD (DARE Fórum – CONCORD).
Para além da nova revista científica, o “Sinergias ED: Conhecer para melhor agir – promoção da investigação sobre a acção em ED” disponibiliza documentos estratégicos, bibliografia de referência e estudos sobre ED, informação sobre eventos nacionais e internacionais relevantes para a investigação na área da ED e, ainda, as colaborações já estabelecidas entre as Organizações da Sociedade Civil (OSC) e as Instituições de Ensino Superior (EIS).
. Que balanço fazem do primeiro ano de actuação deste projecto online, no que diz respeito à sua prioridade: responder à necessidade crescente de ligação entre investigação e acção neste campo?
. Que perspectivas têm para o desenvolvimento do projecto em 2015?
Importa notar que o “Sinergias ED” tem, de facto, uma plataforma online de suporte, mas que o projecto em si se desenrola no terreno através, entre outras actividades, da promoção de encontros entre IES e OSC.
Deste 1º ano do projecto fazemos um balanço muito positivo. Não só porque em termos quantitativos se realizaram todas as actividades previstas, mas também porque o nível de adesão a essas actividades superou as nossas melhores expectativas, quer no que respeita ao desafio de trabalho conjunto lançado às IES e às OSC, quer no que toca à participação nacional e internacional neste 1º número da revista científica e ainda à adesão registada até ao momento. Em duas semanas, a totalidade da Revista já foi descarregada cerca de 550 vezes e já ultrapassámos as 1.000 visitas ao site, onde também é possível ler a Revista sem necessidade de a descarregar.
[pull_quote_right]“Em Portugal, a ED teve um grande impulso e desenvolvimento pela mão das OSC, mas a academia, também pela multiplicação de atores que se movem nos dois universos, tem vindo a envolver-se cada vez mais na promoção e valorização da qualidade da ED”[/pull_quote_right]
Em particular no que respeita ao objectivo de criar dinâmicas de diálogo e de cooperação institucional entre OSC e IES (um dos principais focos do projecto), ligando-as a partir da realização de encontros e da proposta de realização de trabalhos conjuntos ao nível da reflexão, sistematização e investigação em ED, a dinâmica criada entre as instituições revelou-se muito positiva e com grande potencial, na medida em que o sucesso desta iniciativa dependia em larga medida da adesão e interesse dos participantes e o resultado final tem vindo a superar as expectativas. Tínhamos previsto envolver 6 OSC e 6 IES neste processo, sendo que a receptividade à ideia foi tão grande que se conseguiram envolver quase o dobro das instituições inicialmente previstas. Igualmente, estava prevista a realização de 2 encontros entre estes actores, um em cada ano do projecto, e só neste 1º ano já se realizaram 3 encontros, sendo que a decisão de aumentar o número de encontros partiu das próprias instituições envolvidas. Para além disso, a elevada motivação das instituições neste processo tem levado a que esta proposta, inicialmente centrada na promoção de relações bilaterais, se tenha tornado ponto de partida para o surgimento de uma (ainda pequena) comunidade de interesse nesta matéria. Estes dados e a qualidade da participação das instituições até ao momento leva-nos a crer que o projecto resulta, de facto, de um bom diagnóstico e que veio preencher um espaço em branco ao nível do potencial de ligação entre investigação e acção na área de ED no nosso país.
Para 2015, as perspectivas são, por um lado, fortalecer o que já se iniciou e, por outro, avançar com novas propostas. Concretamente, para além de mais 2 números da revista e de todo um trabalho de divulgação e difusão da mesma, o qual incluirá a realização de sessões de apresentação e discussão temática em algumas das IES associadas do projecto, neste ano espera-se que o trabalho conjunto entre IES e OSC produza um conjunto de estudos realizados colaborativamente. Entre outras actividades de carácter mais de continuidade (como, por exemplo, a actualização do website), destacamos a construção e experimentação de referenciais de formação para capacitação das OSC e das IES, com base no processo de trabalho conjunto deste 1º ano, bem como de toda a produção de conhecimento derivada das actividades do projecto, em especial o estudo sobre percepções e relevância da ED em Portugal (actualmente em fase de finalização). Pretende-se ainda que o projecto termine com uma Conferência Internacional de 2/3 dias com uma presença significativa de investigadores e outros atores relevantes da ED a nível nacional e internacional, incluindo-se no seu programa, para além da apresentação dos principais resultados do projecto e da realização de painéis temáticos, a atribuição do prémio “Melhores artigos em ED” e um encontro paralelo entre responsáveis de revistas científicas especializadas em ED.
A Revista Sinergias pode ser consultada em www.sinergiased.org
Jornalista