Apesar da crise ou por causa dela, são cada vez mais as empresas portuguesas que enviam os seus quadros para contextos internacionais. O que pode representar uma excelente oportunidade para uns, pode encerrar más surpresas para outros. Adicionalmente, Portugal está ainda longe do estádio de maturidade no que respeita a áreas específicas da gestão da mobilidade. O VER falou com o consultor Pedro Rocha Silva, que elenca as boas práticas a seguir pelas empresas para que este processo seja bem-sucedido
POR HELENA OLIVEIRA

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Pedro Rocha e Silva é Principal
na Consultora Heidrick &
Struggles
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Sendo a expatriação de quadros e técnicos portugueses um fenómeno em expansão cada vez mais acelerada, é possível afirmar que as empresas portuguesas possuem políticas de expatriação bem estruturadas e definidas?
Diria que ainda não, apesar de as circunstâncias terem vindo a determinar uma forte evolução nos últimos anos. A necessidade imperiosa de internacionalização dos negócios tem feito com que as empresas olhem para esta temática como um processo cada vez mais estruturante e menos numa óptica casuística, como era maioritariamente interpretado até há relativamente pouco tempo.

A presença crescente de empresas nacionais no estrangeiro, em muitos casos suportada na expatriação de quadros nacionais, tem vindo a obrigar as empresas a definir regras mais claras e, em vários casos, tem implicado inclusivamente a criação de áreas específicas de gestão da mobilidade internacional, algo inexistente há alguns anos atrás.

Diria no entanto que, em Portugal, estamos ainda numa fase de aprendizagem e estruturação de processos, longe do estádio de maturidade que nomeadamente as organizações multinacionais demonstram na gestão destes processos.

Afirma-se, muitas vezes, que as empresas cometem alguns “pecados mortais” nos seus processos de mobilidade internacional. Quais são os mais comuns?
Os mais comuns prendem-se normalmente com a abordagem que as empresas fazem relativamente à temática da expatriação, não a assumindo como um vector estratégico de desenvolvimento do negócio. Elencaria os seguintes aspectos:

As principais motivações das empresas para enviar colaboradores para o estrangeiro não terem em conta perspectivas de carreira, mas serem antes uma forma de recompensa, uma forma de se libertarem de recursos conjunturalmente incómodos ou única e simplesmente uma forma de dar resposta a necessidades de negócio imediatas; a não preparação do retorno do colaborador; a mobilidade não ser planeada, mas sim reactiva; a ausência de regras e procedimentos claramente definidos, seja na expatriação seja no regresso; as chefias dificultarem a mobilidade e rotação dos seus quadros-chave; a selecção dos colaboradores errados, não porque não detenham os necessários skills técnicos (geralmente o critério predominante), mas porque demonstram falta de capacidade de adaptação a diferentes costumes, perspectivas e práticas de negócio e, por último, a falta de acompanhamento por parte da organização.

E de que forma podem estes “pecados” afectar negativamente não só a vida do colaborador em causa, mas também a da própria empresa?
Muitas vezes, a consequência é um regresso antecipado do colaborador, significando na prática o fracasso desse processo de expatriação.

Uma experiência negativa provoca em regra custos elevados para a organização (na realocação precipitada, na necessidade de encontrar alternativas válidas, no custo de oportunidade, no tempo necessário à integração de um novo colaborador na estrutura/processos/negócio); a desmotivação e potencial saída dos quadros e a penalização de futuras expatriações, pois quem observa situações de falhanço, reduzirá automaticamente a sua disponibilidade para participação em processos de expatriação, o que compromete as aspirações de crescimento das organizações.

Que tipo de critérios de selecção utilizam as empresas para escolher os futuros expatriados?
Os processos de selecção nem sempre têm em conta os critérios adequados, funcionando ainda muito numa lógica de avaliação das disponibilidades e assentando maioritariamente numa análise das competências hard (de negócio), em detrimento das competências soft (de índole mais comportamental).

Funcionam ainda muito numa lógica de indicação pessoal ou numa lógica de candidatura, não existindo um processo estruturado de identificação e selecção das melhores opções.

Desta forma, as empresas deverão estabelecer processos onde se recolha, de forma regular, qual o grau de disponibilidade/interesse na mobilidade internacional, quais as perspectivas de desenvolvimento de carreira, bem como articular essa informação com os resultados da avaliação de desempenho (que evidenciem o perfil de competências do colaborador), nomeadamente no que respeita à aferição de competências críticas e transversais à situação de expatriação.

É igualmente comum afirmar que a denominada geração “millenial” encara a expatriação como algo natural e que a encaixará naturalmente na sua forma de viver, trabalhar e fazer negócios. Todavia, para a geração que a precede, não é tanto assim. Que principais desafios identificaria para os expatriados mais velhos, com família e com um enraizamento mais forte no seu país de origem?
Sendo verdade que esses expatriados mais velhos possuem um eventual enraizamento mais forte ao país de origem, constata-se que são estes os mais propensos a uma expatriação de maior duração, preferencialmente num único país destino, por oposição à geração “millenial” (nascidos nos anos 80 e 90), que privilegiam a sucessão de experiências diversas.

As gerações anteriores (nascidos até aos anos 70) caracterizam-se fundamentalmente por:

  • Estarem no pico da carreira ou terem já uma boa parte dos objectivos de carreira alcançados;
  • Estarem preocupados em garantir a sua reforma e a educação dos filhos;
  •  Terem necessidade de trabalhar até mais tarde – aumento da esperança média de vida, aumento da idade da reforma;
  • Para aceitar uma expatriação baseada no pacote financeiro, localização e oportunidades;
  • Mercado mais limitado no momento de um eventual retorno;
  • Selectividade na altura de optar por uma oportunidade de expatriação.

Perante este cenário, para estes profissionais verificam-se normalmente processos de expatriação mais longos que requerem maiores recursos no suporte ao processo e onde procurarão projectos criativos e flexíveis para equilibrarem a sua vida profissional-pessoal.

A questão cultural é, talvez, a mais difícil de ultrapassar, especialmente em contextos significativamente diferentes do nosso. Que tipo de formação/preparação devem as empresas oferecer aos seus colaboradores para minimizar estes choques?
O processo de preparação e formação de um colaborador para mobilidade deve ser, tanto quanto possível, cuidado com antecipação e rigor de forma a prevenir quaisquer situações negativas posteriormente.

Os principais pontos a relevar numa fase prévia à expatriação dizem respeito à preparação formativa (línguas, formação inter-cultural, formação nas áreas específicas relacionadas com o desafio em causa) e à preparação processual (aspectos relacionados com saúde, questões remuneratórias e fiscais). Esta preparação deverá ser assegurada ainda no país de origem.

A formação inter-cultural assume aqui um papel relevante, devendo englobar no seu âmbito os aspectos-chave mencionados num ponto anterior, bem como enquadrar aspectos específicos relacionados com o país destino (país, cidade, empresa local, etc.).

A questão da família é outra temática a considerar na gestão de expatriados. Que tipo de acompanhamento é suposto as empresas oferecerem nesta questão em particular (supondo que a família acompanha o colaborador?)
Este é um ponto altamente sensível na gestão dos processos de expatriação, sendo uma das principais causas do seu insucesso, pelo que cada vez mais empresas apostam na criação de condições que garantam estabilidade familiar aos colaboradores expatriados.

Essas condições vão, em regra, desde as condições de alojamento até ao pagamento das escolas das crianças, podendo, em alguns casos, envolver apoio na colocação profissional do cônjuge. Existem, inclusivamente, algumas organizações que apenas permitem a expatriação de colaboradores com família, caso a mesma os acompanhe, o que atesta a importância dada a esta questão. Noutros casos, o número de viagens ao país de origem é outra variável com a qual se joga no sentido de minimizar os impactos na vida pessoal.

Com a experiência própria de uma consultora como a Heidrick & Struggles, como definem uma expatriação bem-sucedida?
Uma expatriação bem-sucedida é, desde logo, uma expatriação que durou o tempo previamente determinado ou que se prolongou por vontade de todas as partes. No entanto, o que de facto determina o sucesso da expatriação é exactamente o mesmo que determina o sucesso de qualquer função ou desafio local: o cumprimento dos objectivos de negócio estabelecidos.

A definição de objectivos e metas claras é fundamental não só para medir o grau de sucesso mas, fundamentalmente, para guiar o desempenho nesse sentido, aumentando, desta forma, as probabilidades de sucesso.

Existe uma “fórmula” que permita medir o retorno desse investimento?
Tal como referi anteriormente, essa fórmula é simples e prende-se com a definição e acordo prévio dos factores representativos de sucesso. O retorno do investimento aprecia-se pelo cumprimento ou não desses desígnios.

Uma coisa parece absolutamente certa: uma expatriação mal sucedida representa custos muito significativos para as empresas, pelo que se torna cada vez mais urgente ter políticas estruturadas na gestão destes processos.

No actual clima económico, qual o posicionamento das empresas em Portugal no que respeita a estas estratégias de mobilidade?
A situação económica tem obrigado as empresas a virarem-se para fora e, nesse contexto, são cada vez mais as empresas que têm sentido a necessidade de estruturar os processos de mobilidade internacional, sendo esse um tema bastante actual na agenda de qualquer director de recursos humanos.

As prioridades e abordagens poderão ser diversas, no entanto, existe um conjunto de factores que são vistos consensualmente como factores críticos de sucesso na gestão destes processos:

  • Focar na criação/difusão de conhecimento;
  • Focar no desenvolvimento de skills globais de liderança;
  • Assegurar que os candidatos têm competências multi-culturais complementares ao know-how técnico;
  • Garantir um acompanhamento adequado durante o período de expatriação, com troca de conhecimentos em duplo sentido;
  • Preparar adequadamente as pessoas para a transição/retorno à empresa de origem;
  • Assegurar a existência de informação actualizada em sistema de informação relevante no processo de selecção de candidatos;
  • Assegurar uma efectiva valorização e promoção da carreira internacional como factor gerador de oportunidades.
A “aventura” além-fronteiras
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Apesar do tipo de competências depender sempre do tipo de desafio que se coloca ao colaborador, existem vários aspectos que devem ser tidos em conta, em qualquer processo de expatriação. Veja se possui as “qualificações” necessárias:

  • Espírito aberto e capaz de abordar outras culturas sem pré-juízos;
  • Flexibilidade mental e comportamental para ajustar-se a situações críticas;
  • Ser capaz de resistir ao stress e a situações de forte tensão ou risco;
  • Evitar tornar-se defensivo em relação a si ou à sua cultura;
  • Disponibilidade e vontade de viajar e de conhecer novos ambientes;
  • Capacidade para aceitar e lidar com críticas, resiliência emocional;
  • Estabilidade emocional e familiar;
  • Responsabilidade e auto-responsabilização;
  • Capacidade relacional e empática;
  • Boa capacidade de trabalho em equipa e liderança;
  • Sensibilidade e capacidade de comunicação em diferentes contextos culturais;
  • Ser capaz de lidar com situações ambíguas;

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