É urgente definir metas climáticas mais ambiciosas para garantir que o aumento da temperatura global se mantém abaixo dos 2ºC no futuro, alertam as Nações Unidas a um mês do aguardado acordo que deverá ser firmado na COP 21, em Paris. O novo compromisso universal sobre o clima, que envolve pela primeira vez países desenvolvidos e em desenvolvimento, ganha relevância acrescida, já no curto prazo, com a crise dos refugiados na Europa
POR GABRIELA COSTA 

O relatório de avaliação realizado pela Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas (UNFCCC, na sigla em inglês) sobre as contribuições nacionais (INDCs) a partir das quais se espera obter um novo acordo universal sobre o clima, na 21ª Conferência das Partes da Convenção (COP 21), fez soar os alarmes ainda antes do aguardado momento, a nível internacional, que terá lugar entre 30 de Novembro e 11 de Dezembro, em Paris.

Face à expectativa de conseguir um acordo juridicamente vinculativo, para vigorar a partir de 2020, envolvendo países ricos e países pobres, e cuja grande meta é manter o aumento da temperatura global abaixo do limite acordado de dois graus Celsius, é urgente definir metas climáticas mais ambiciosas, conclui o documento divulgado a 30 de Outubro.

As Nações Unidas alertam todos os países que precisam de fortalecer as suas metas climáticas actuais, por serem insuficientes, que o façam antes de serem postas em prática, confirmando que os compromissos já alcançados são manifestamente exíguos para impedir os estimados efeitos catastróficos das alterações climáticas.

Um acordo entre ricos e pobres

05112015_SemMetasMaisApesar de praticamente todos os países já terem definido as suas metas sobre esta matéria, na sequência dos inúmeros esforços que vêm obrigando os líderes políticos a aceitar as vantagens de transitar dos combustíveis fósseis para as energias renováveis, as promessas de redução das emissões de gases com efeito de estufa (GEE) não são suficientes.

Já em meados de Outubro, os especialistas que analisaram as propostas apresentadas por 147 países, no período preparatório para as negociações da COP21 (ou Paris 2015) concluíram que estas estão longe de limitar o aquecimento a 2ºC, até ao final do século. Um aumento superior implica consequências catastróficas para a produção de alimentos, a biodiversidade, os desertos ou as reservas de água, significando um perigoso aumento do nível do mar.

A avaliação agora divulgada pela ONU tem por base os planos climáticos de centena e meia de países que representam 86% das emissões mundiais de gases que estão a aquecer o planeta. Até 2030, espera-se um aumento da libertação de CO2 e de outros compostos na ordem dos 37% a 52%, face aos níveis de 1990, ou na ordem dos 11% a 22%, se comparado com 2010. Ainda assim, este aumento será entre 10% a 57% mais lento do que o registado nas últimas duas décadas, concluem os especialistas. E as emissões per capita deverão cair até 9% em 2030, em relação a 1990.

O acordo esperado na conferência de Paris, que sucede ao Protocolo de Quioto – no qual apenas os países desenvolvidos detinham compromissos de redução de emissões -, assume especial relevância dado o seu carácter universal, implicando compromissos de redução de GEE para todas as nações, desenvolvidas e em desenvolvimento. Para tanto, é necessário que os países em desenvolvimento, especialmente os mais pobres, beneficiem de ajuda financeira para investir na acção climática que se desenha a nível global, e concretamente na redução das suas emissões.

Os países desenvolvidos comprometeram-se já a mobilizar um financiamento no montante de 100 mil milhões de USD (cerca de 78 mil milhões de euros) anuais em 2020, para apoiar os países em desenvolvimento, e a União Europeia, maior doador de ajuda pública ao desenvolvimento, deverá ser a principal fonte de financiamento nesta luta contra as alterações climáticas.

Para o Horizonte 2020, a UE estabeleceu como objectivo uma redução de pelo menos 20% das emissões de GEE (40% em 2030), em relação a 1990; uma proporção de energia produzida na UE a partir de fontes renováveis de 20% (27%, em 2030); e o aumento da eficiência energética através de uma redução de 20% do consumo de energia (27% em 2030). Já para 2030, estas percentagens alteram-se para uma redução de 40% das emissões e para aumentos de 27% no consumo de energias limpas e na eficiência energética.

Dois grandes poluidores, EUA e China, também garantem incrementar esforços para reduzir as suas emissões e prometem, respectivamente, uma diminuição de 26% a 28% até 2025, em relação a 2005; e uma diminuição das emissões por unidade do PIB em 60% a 65%, até 2030.

O combate às alterações climáticas ganha novo fôlego em 2015 também através da Agenda Global para o Desenvolvimento Sustentável, aprovada em Setembro com vista a criar uma parceria mundial que reúne países ricos e pobres em torno de 17 Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) e 169 metas, que deverão orientar a acção global até 2030.

A nova agenda 2030 é muito mais abrangente a nível ambiental do que os antecessores Objectivos de Desenvolvimento do Milénio, com vários objectivos a reforçar a importância da sustentabilidade do planeta e dos modelos de desenvolvimento, e concretamente, a necessidade de “tomar medidas urgentes para combater as alterações climáticas e seus impactos”.

Líderes europeus não assumem liderança

05112015_SemMetasMais2Em reacção ao relatório de avaliação da UNFCCC, as organizações membro da CAN Europe, núcleo regional da Climate Action Network International, apelam à UE para que defenda firmemente o início da revisão das actuais metas, imediatamente após a Conferência de Paris. Esta rede de associações de defesa do ambiente pede ainda que essa revisão fique concluída no máximo até 2018, de modo a garantir que as novas metas comecem efectivamente a vigorar em 2020.

Segundo a Quercus, que integra a CAN Europe, este relatório “mostra claramente a urgência de se chegar a um consenso global relativamente a metas climáticas mais ousadas”. E se o documento mostra, pela positiva, que muitos países pobres, “sem qualquer responsabilidade histórica nesta crise climática”, querem aumentar os seus esforços para cortar nas emissões de GEE – em troca de apoio internacional, é certo -, será necessário “acordar um pacote de financiamento climático forte para o período pós-2020”, para os incentivar a apostar em padrões de desenvolvimento sustentável.

Neste contexto, a Associação Nacional de Conservação da Natureza lamenta que os líderes europeus não tenham ainda assumido um papel de destaque, tendo falhado a oportunidade de pedir mais acção climática no último Conselho Europeu antes da cimeira de Paris. Isto apesar do seu “impacto sobre a migração”, sublinha a Quercus, defendendo o reforço da liderança da UE para as negociações internacionais sobre o clima: “o Conselho Europeu não adoptou quaisquer conclusões sobre a posição da UE para Paris, e muito menos fortaleceu a sua ambição”. Tratando-se da última reunião dos chefes de Estado europeus antes da COP 21, estes parecem continuar a “negligenciar a urgência para a acção climática”, já que “não conseguiram enviar o sinal certo e necessário, quer para um acordo mais forte em Paris, quer para enfrentar os desafios da migração que possam surgir no futuro”.

Como sublinha a Quercus, a próxima grande oportunidade para fazer avanços ao nível das discussões preparatórias para a conferência será o conselho de Ministros das Finanças da UE, já a 10 de Novembro, onde a União poderá “encontrar uma proposta abrangente” em termos de financiamento climático.

A par das organizações ambientais, também os líderes religiosos vêm apelando para um acordo global em Paris. Depois da divulgação da encíclica Laudato Si’, do Papa Francisco, e da Declaração da Conferência Inter-religiosa de Nova Iorque (entre outras mensagens de grupos religiosos e espirituais de todo o mundo), há cerca de duas semanas, uma declaração assinada por mais de 150 líderes religiosos e espirituais de diferentes crenças foi entregue à Secretária Executiva do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas da Organização das Nações Unidas, Christiana Figueres, num apelo para um acordo global de redução das emissões. Face ao qual a COP 21 é considerada o momento certo para obter um acordo sobre o clima “justo, ambicioso e aplicável a todos os países”. No documento, os líderes religiosos pedem aos países mais ricos e aos principais emissores de poluentes para agirem neste sentido e proporcionarem o apoio necessário aos restantes países, numa “mensagem inequívoca em prol da acção climática”, em que lembram aos líderes mundiais que “as alterações climáticas constituem uma ameaça efectiva à vida humana”.

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Crise migratória torna acção climática mais urgente

Também para a representação em Portugal do Ano Europeu para o Desenvolvimento (AED), cujo mês de Novembro é dedicado ao Desenvolvimento Sustentável e à Acção Climática, as alterações climáticas são “uma realidade cada vez mais palpável” e ”uma das maiores ameaças ambientais, sociais e económicas que o planeta e a humanidade enfrentam”.

Responder a este fenómeno “é urgente”, e o grande desafio passa por “conseguir promover o desenvolvimento com uma pegada ecológica globalmente sustentável”. Para a presidente do Instituto Camões, que coordena em Portugal o AED, “é necessário reflectir e agir sobre os actuais padrões de produção e consumo”. Ana Paula Laborinho defende que “a alteração destes padrões é necessária para a construção de um futuro sustentável, que exige uma acção global, com a participação activa de todos”.

Na ficha temática que preparou para o tema deste mês de Novembro, o AED em Portugal recorda que o País subscreveu vários compromissos internacionais em matéria de desenvolvimento sustentável e alterações climáticas, adoptando vários instrumentos que constituem a referência estratégica de actuação em matéria de alterações climáticas e cooperação para o desenvolvimento:

. O Quadro Estratégico para a Política Climática, que estabelece a visão e os objectivos da política climática nacional, (incluindo o apoio aos países em desenvolvimento nos domínios da mitigação e adaptação às alterações climáticas), e no âmbito do qual Portugal deverá, no horizonte 2030, limitar o aumento das emissões de GEE entre 30% a 40%, em relação a 2005; reforçar o peso das energias renováveis no consumo final de energia para 40%; e aumentar a eficiência energética através de uma redução de 30% sobre a baseline energética.

. O PNAC – Programa Nacional para as alterações climáticas, que se centra na vertente de mitigação da política climática, englobando todos os sectores da economia nacional e estabelecendo linhas de orientação para políticas, bem como medidas e metas sectoriais, nomeadamente decorrentes do Compromisso para o Crescimento Verde.

. O Conceito Estratégico para a Cooperação Portuguesa 2014-2020, que, por resolução do Conselho de Ministros de Fevereiro do ano passado, estabelece que “a melhoria das condições ambientais, o uso sustentável dos recursos naturais, e o reforço da resiliência em relação aos impactos ambientais e alterações climáticas são essenciais para o sucesso das políticas de desenvolvimento sustentável e do combate à pobreza”, e constituem uma das prioridades da cooperação portuguesa.

O País acompanha pois, na linha da frente, a política climática europeia, comprometendo-se com metas acima da média na UE. E se os especialistas das Nações Unidas concluem que, perante as actuais propostas de acção dos vários países, os termómetros vão mesmo subir acima dos 2ºC no futuro (embora o ritmo das emissões globais de GEE e da poluição climática vá desacelerar consideravelmente, em relação às previsões mais catastróficas), hoje é ainda mais urgente combater as alterações climáticas.

Como já manifestaram diversas associações de defesa do ambiente, a actual crise humanitária instalada na Europa devido à migração de milhares de refugiados deve servir de alerta para combater as alterações climáticas de forma premente. Mais um alerta. É que, sem uma acção imediata e adequada sobre o clima, “a vida das pessoas estará em risco muito elevado, devido aos [seus] impactos”, o que irá aumentar os fluxos de movimento em busca de segurança e de uma vida melhor no futuro”, como divulga a Quercus no âmbito do acompanhamento que vem fazendo das acções para um acordo climático global em 2015.

Fica, pois, o recado: se a UE quiser “evitar o cenário de ter que lidar com sucessivas crises de refugiados”, terá mesmo de aumentar a sua acção climática nos próximos cinco anos. E as organizações ambientais “precisam de ver mais esforços para reduzir as emissões e mais dinheiro a fluir para os países pobres, para ajudá-los a lidar com os impactos mais devastadores”, que obrigam milhares de cidadãos a fugirem dos seus países de origem.

Jornalista