Antecipando as temáticas que serão discutidas em Janeiro, na habitual reunião de líderes mundiais em Davos, o Fórum Económico Mundial lançou, no início da semana, o Outlook on the Global Agenda 2014, que elege os 10 principais desafios globais para o ano que se avizinha. O VER escreve sobre estas 10 tendências que alertam, acima de tudo, que neste mundo profundamente globalizado, o “bater da asa de uma borboleta” num extremo do globo terrestre pode, realmente, provocar uma tormenta. Mas não necessariamente no extremo oposto Com o contributo de cerca de 1600 especialistas que compõem a Network of Global Agenda Councils (NGAC), uma comunidade global de mais de 80 “conselhos” que representam “líderes do pensamento” de todo o mundo e a partir de uma nova e selectiva ferramenta de inquéritos, o relatório do FEM apresenta as 10 tendências globais – que podem ser igualmente traduzidas como riscos ou desafios – que mais impacto terão no novo ano que se aproxima. De acordo com Klaus Schwab, fundador e presidente do FEM, ao se antecipar tendências, em conjunto com os impactos que infligirão nas suas áreas correspondentes, torna-se mais fácil abordar as respostas possíveis para a sua minimização, um trabalho que foi igualmente realizado pelo FEM, ao pedir à extensa rede de peritos – académicos, líderes empresariais e políticos, especialistas do sector não lucrativo, da tecnologia, saúde, agricultura, finanças ou desenvolvimento – para que divisassem algumas respostas aos principais desafios eleitos. Adicionalmente, o novo estudo do FEM alerta ainda para os principais desafios regionais, entre os quais se destaca a cruzada para de reconciliar o crescimento com o desenvolvimento sustentável. A desigualdade, o desemprego e a corrupção espreitam em todos os cantos do planeta, sendo urgente divisar respostas para os mesmos de acordo com os contextos regionais específicos. De sublinhar igualmente, como o fez Drew Gilpin Faust, presidente da Universidade de Harvard e que assina o prefácio do relatório que, de ano para ano, o grau de acordo com o qual todos estes desafios se encontram interligados é cada vez maior. Sim, sabemos de cor a frase de que vivemos num mundo globalizado, mas são várias as ocasiões em que não vislumbramos ligações menos aparentes entre as grandes questões mundiais. Mas elas existem e cada vez mais. Um dos exemplos desta crescente interdependência focado por Drew Faust reside no facto de já não existirem grandes dúvidas que as alterações climáticas marcarão a agenda de 2014 (e dos anos vindouros) ou que a situação no Médio Oriente se continue a deteriorar. Não é preciso ter uma bola de cristal para o prever. Contudo, são poucos os que notaram que um dos factores que exacerbou a situação na Síria foi uma enorme seca que resultou dos padrões climáticos em profunda mudança. Ou, como alerta a presidente de Harvard, que a expansão das mega-cidades – uma outra tendência do top 10 – está a ser igualmente influenciada pelo aumento dos níveis do mar e outras mudanças climáticas. Ou ainda a questão da dependência energética e o impacto que a exploração de gás natural nos Estados Unidos poderá vir a ter nas políticas do Médio Oriente. A velha teoria do caos que é ilustrada pela história do bater de asas de uma borboleta parece fazer cada vez mais sentido no mundo cada vez mais pequeno e frágil em que vivemos. O VER apresenta as 10 tendências em causa.
1. Aumento das tensões sociais no Médio Oriente e no norte de África Todavia e como é declarado no estudo, os dados recolhidos pelos inquéritos realizados pela rede de especialistas e pela rede de “conselhos” do FEM, permitem igualmente “sentir o pulso” das pessoas que habitam na região, sendo que existem algumas alterações significativas a considerar. Se, no passado, o mundo árabe divergia essencialmente em termos económicos, nesta era “pós-Primavera”, destacam-se outros contextos. Actualmente, 45% dos respondentes afirmam que o maior desafio que enfrentam é a instabilidade política, com apenas 27% a elegerem o desemprego como o principal problema da região em causa. E entre estes pontos de vista ideologicamente distintos, destaca-se a divisão entre aqueles que desejam que o Islão político tenha um lugar cativo na vida pública, ao passo que outros expressam antes o desejo de manter a religião e o governo como entidades bem separadas. A ausência de confiança entre partidos concorrentes, a atmosfera de intolerância na arena pública e a incapacidade para dar mais corpo a transições frágeis constituem os principais sinais e avisos do FEM para o aumentar das tensões na região.
2. Disparidades de rendimentos são cada vez mais significativas A disparidade crescente em termos de riqueza afecta todas as dimensões da vida humana, sem excepção, com impactos profundos na estabilidade social no interior dos países e como uma ameaça em termos de segurança à escala global. E se os especialistas do FEM alertam para a urgência de soluções para as causas e consequências de um mundo crescentemente desigual, com “seguimento” em 2014, a verdade é que a facilidade com que as outrora classes médias estão a cair em situações de pobreza – sendo Portugal um claro exemplo dessa queda – é assustadora. Apesar do robusto crescimento macroeconómico que nos habituámos a ter como dado adquirido, são cada vez maiores os segmentos populacionais, nos denominados países desenvolvidos, que vêem o seu rendimento decrescer para níveis muito próximos da pobreza ou de pobreza efectiva, em alguns casos. De acordo com o relatório do FEM, a desigualdade de rendimentos crescente transformou-se numa ameaça significativa tanto nos países em desenvolvimento como nos desenvolvidos, incluindo a América do Norte, onde esta questão aparece, nos dados trabalhados pelo estudo, como o desafio prioritário. Como se pode ler no relatório “a riqueza impressionante criada ao longo da última década [nos Estados Unidos] tem sido canalizada para uma porção cada vez minoritária da população e a disparidade tem origens cada vez mais comuns às que grassam nos países em desenvolvimento”. De acordo com o inquérito realizado para este estudo, dois terços dos cidadãos americanos acreditam que o actual sistema económico favorece os mais ricos. Todavia, e como tão bem sabemos, em alguns países europeus, “que se encontram ainda a recuperar da crise económica global, com milhares de cidadãos sem emprego”, a percentagem é muito mais elevada [dado que Portugal não consta neste indicador, o melhor exemplo vem da vizinha Espanha onde 89% da população acredita que o sistema económico favorece os ricos]. No que respeita às consequências, estas começam-se logo a fazer sentir no acesso à educação básica e secundária e também nos cuidados de saúde. Dado que a responsável por escrever o capítulo do estudo relativo a esta tendência é norte-americana, os dados que apresenta são muito centrados no seu país de origem. Assim, o que importa reter é que, de acordo com a maioria dos analistas, e dado que o fosso entre ricos e pobres se alarga continuamente, tanto nas métricas nacionais como internacionais, em termos de ameaça o que mais se teme é que as vozes da frustração invadam cada vez mais o espaço público e que a instabilidade social e a segurança global cresçam para níveis perigosos. “Os distúrbios sociais que clamam pela mudança de um líder político para outro consistem numa manifestação das preocupações das pessoas no que respeita às suas necessidades básicas”, pode ler-se no relatório, que sublinha também que são os jovens que mais dispostos estão a participar nestes protestos, visto que “não têm nada a perder”. São muitos os jovens detentores de graus académicos variados que não encontram emprego, sendo que em alguns países as taxas de desemprego jovem são superiores a 50%. Estima-se que ao alongo da próxima década e em particular nos países em desenvolvimento, com elevadas fasquias da sua população a terem menos de 30 anos, a ausência de acesso ao mercado de trabalho irá aumentar os riscos de distúrbios políticos e sociais. Como referiu Ricardo Fuentes, da reconhecida Oxfam, “o principal problema com esta concentração de rendimentos é o facto de ela se autoperpetuar, passando de uma geração para outra e com impactos negativos no acesso à educação ou no acesso a melhores redes de conhecimento”,afirmou. E acrescenta: “esta autoperpetuarão significa que toda a ideia em torno da igualdade de oportunidades cai, simplesmente, por terra”. Para o chefe de pesquisa da Oxfam, este fenómeno leva a que as pessoas acreditem que o esforço e mérito pessoais não conduzem a lado nenhum e que os governos se limitam a ouvir as vozes dos ricos. Para inverter a tendência do aumento da disparidade entre ricos e pobres e de acordo com o relatório, é necessário abordar a pobreza a partir de uma perspectiva integrada e com impacto de longo prazo. É necessário oferecer às pessoas a capacidade necessária de resiliência, de arriscarem e de ganharem competências para um futuro mais próspero. (sim, sim, mas como? – é inevitável perguntar). Mas também ter em conta outras desigualdades sociais como a discriminação de género, na medida em que raparigas e mulheres são desproporcionalmente afectadas pela pobreza. Com vontade política e iniciativas estratégicas, pode ler-se no relatório, será possível evitar que “os nossos vizinhos globais” – escreve a especialista norte-americana – caiam no abismo da pobreza e que, ao invés, sejam dadas oportunidades às novas gerações para que estas possam realizar o seu potencial máximo.
3. Desemprego estrutural persistente O relatório alerta para a criação, por parte dos governos, de estruturas regulatórias que encorajem o emprego e a estabilidade económica, incentivando as empresas a criar postos de trabalho e, de seguida, a investir nos seus trabalhadores. Dado que o emprego para a vida deixou de ter lugar, quem não tem emprego hoje pode, muito provavelmente, ficar fora do mercado de trabalho para sempre. E se as soluções necessárias divergem de região para região – com os Estados Unidos preocupados com uma taxa de desemprego na ordem dos 8,5%, mas com a mesma a ficar-se nos 3.5% no sector tecnológico, por exemplo – o que dizer da Europa, da Ásia e do continente africano? O desemprego e, especificamente o desemprego jovem, consiste no segundo maior problema identificado nos inquéritos elaborados pelo FEM. Na Europa, com 54% de respondentes a identificarem-no como o maior problema, só é ultrapassado pela África subsaariana, com 81%. Mas é seguida de perto pela América do Norte, Médio Oriente e norte de África (53%) e pela Ásia (31%). É na América Latina que o desemprego preocupa menos os cidadãos, com apenas 29% dos respondentes a identificarem-no como a sua principal preocupação.
4. Intensificação das ciber-ameaças Todavia, a resposta proposta pelo relatório no que respeita a minimizar os perigos destes ataques acaba por ser surpreendente. Para o especialista de Harvard, os governos, o sector privado e as ONG devem-se concentrar na resiliência, ou seja, assegurar que não é tão catastrófico ser-se “hacked” em vez de se tentar eliminar todas as formas possíveis de hacking. Ou, por outras palavras, e no que respeita às ciber-ameaças, dando o exemplo da Wikipedia, é melhor ter-se mais editores a consertar o vandalismo e menos vândalos. Se não é possível evitar todo e qualquer ataque, há que investir nas pessoas e nos meios que os consigam gerir depois de ocorrerem.
5. Inacção no que respeita às alterações climáticas Tornar norma este tipo de compromissos é crucial, alerta o relatório. E acrescenta que independentemente do país que estiver em causa, não é possível que os decisores políticos fiquem à espera de uma “política perfeita”, sendo absolutamente inaceitável que aqueles que têm poder dêem a desculpa de estarem à espera “daquele que dará o primeiro passo”. As políticas e as acções têm de progredir lado a lado, proporcionando uma aprendizagem mútua. Adicionalmente, há que deixar claro que a luta contra as alterações climáticas não depende só da responsabilidade dos governos, das oportunidades para o sector privado ou de um exercício académico: todos nós temos de perceber que não se trata apenas de um desafio ambiental e, ainda menos, de um desafio futuro. É, ao invés, um desafio transformacional que temos de abraçar hoje. E não amanhã.
6. A confiança reduzida nas políticas económicas Por outro lado, o fracasso do sistema financeiro serviu de reflexo ao fracasso do ambiente regulatório e a fraqueza da retoma sugere que os decisores políticos ou são displicentes ou isentos de verdadeiro poder. No que respeita aos dados recolhidos pelo relatório, as percentagens ilustram bem a desconfiança dos cidadãos face às políticas económicas em curso: nos Estados Unidos, 65% dos respondentes consideram que a situação económica do país se encontra em mau estado, contra 25% na Alemanha, 83% no Reino Unido e 99% na Grécia. Se o objectivo é restabelecer os níveis de confiança, é necessário aprender com as lições da crise – algo que parece não estar a acontecer – sendo que a primeira destas lições passa pelo reconhecimento do grau mediante o qual a economia global está interligada. O relatório alerta para um papel mais agressivo por parte dos líderes do G20, não só ao nível dos responsáveis pelas finanças, mas também dos próprios chefes de Estado. Reuniões regulares com os chefes de Governo que representam dois terços da população mundial e 85% do PIB – que tiveram alguns efeitos na primeira resposta dada à crise, mas sem continuação efectiva – podem traduzir-se numa potencial forma para restaurar a confiança perdida. Os esforços de cooperação constituem o melhor caminho para se lidar com problemas estreitamente interligados e uma acção decisiva e eficaz dos líderes G20 poderá ser a única forma de a atingir.
7. A ausência de valores na liderança A existência de um conjunto de decisões responsáveis e globais, partilhadas por esses mesmos líderes, consiste no único caminho a trilhar para o desenvolvimento de uma base de conhecimento, que seja globalmente positiva e inclusiva. Existe sempre espaço para novas aprendizagens. “E se os líderes deixarem de aprender, então é o fim”, remata o arcebispo.
8. A expansão da classe média na Ásia Os líderes asiáticos reconhecem que algo tem de ser feito nesta nova arena. Mas, e no que respeita a soluções possíveis, é igualmente importante que os países desenvolvidos possam liderar pelo exemplo. E se o mundo pretende que um gigante como a China se transforme num parceiro responsável e preocupado com o ambiente global, não será com palavras que será convencida, mas sim com actos, assegura também o relatório. Por seu turno, se existe uma forma de estas novas classes médias asiáticas contribuírem para esta dinâmica, será através de uma quantidade inimaginável de “brainpower” que poderá oferecer nos domínios da ciência e da tecnologia. Por exemplo, o nível de eficiência energética do Japão é 10 vezes superior ao da China. Assim e mais uma vez, se existe uma possibilidade de se retirar lições de parceiros bem-sucedidos, estas classes médias crescentes poderão, por exemplo, contribuir para o estudo das tecnologias verdes. E só assim será possível criar um maior crescimento económico, ao mesmo tempo que se reduz a utilização de recursos que, na verdade, se encontram muito perto do esgotamento.
9. A importância crescente das mega-cidades
10. A rápida disseminação da desinformação online Assim sendo, há que sublinhar que a disseminação da desinformação não constitui um desafio digital único. Mas são vários os exemplos recentes deste tipo de desafio, seja o massacre ocorrido em Newton em 2012, o atentado bombista em Boston, os protestos na Turquia e muitos outros “eventos” transmitidos em tempo real, seja via Twitter, Facebook ou mesmo pelos canais de televisão ávidos por audiências e que, com tanta informação a fluir ao mesmo tempo, optam pela não confirmação das fontes, limitando-se a exibir imagens ou palavras descontextualizadas, que geram mais desconhecimento do que informação e, em casos mais graves, rumores e notícias falsas com consequências potencialmente perigosas. É assim imperativo que se sublinhe o volume e a disseminação célere da desinformação online, bem como a ideia de quando se está a lidar com os media sociais se está a lidar com “big data”. A solução reside numa mistura de processamento informático assistido e de doses reforçadas de avaliação humana que consigam contextualizar a informação veiculada. No que respeita à interpretação da desinformação, a avaliação humana permanecerá como crucial para a colocar em contexto. E é exactamente de contexto que se está a falar. |
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Editora Executiva