Quem o afirma é um auto-confesso optimista, com mais de 45 anos de carreira e espectador de outras recessões e crises graves. Antonio Argandonã, um dos mais reputados especialistas mundiais em ética empresarial, conversou com o VER sobre as várias crises que abalam, em simultâneo, as nossas estruturas económicas e sociais, colocando nas empresas o ónus da recuperação. O Professor da IESE Business School sublinha também que, independentemente da responsabilidade por parte dos organismos internacionais, “continuamos a ser nós, em última análise, os donos das nossas próprias decisões”
POR HELENA OLIVEIRA

.
.
© DR
.

Antonio Argandoña figura entre os três melhores especialistas de ética empresarial a nível mundial. Professor de Economia e de Ética nos Negócios no IESE, virá brevemente a Lisboa, a convite da AESE – Escola de Direcção e Negócios, no âmbito da Cátedra de Ética na Empresa e na Sociedade AESE-EDP, para inaugurar um ciclo de palestras sobre Responsabilidade Social e Sustentabilidade promovida por esta mesma escola.
Em entrevista ao VER, o especialista fala do papel da ética – ou da sua ausência – em várias esferas da actualidade, desde a postura do “vale tudo” ao dinheiro fácil, sem esquecer a crise que assola não só Portugal, como a sua Espanha natal. Questionado sobre o “monstro” do desemprego, particularmente complexo nos dois países em causa, o Professor é peremptório: “não coloco a minha esperança nos governos, mas sim nas empresas”.

Apesar de se ter transformado numa questão aparentemente banalizada, uma das causas frequentemente apontada para a crise financeira de 2008 e a recessão económica que se lhe seguiu é de natureza ética. Mas e a seu ver, o que significa realmente afirmar que grande parte desta crise teve a sua origem em condutas imorais?
Em todas as crises, vêm ao de cima os problemas éticos, porque os comportamentos que desembocam nas crises incluem atitudes de ganância (“greed is good”, dizia-se no filme Wall Street), injustiça, excessiva preocupação com o lucro, imprudência,… Mas, na crise actual, esta realidade foi mais patente, entre outros motivos, porque a sociedade aplaudiu esses comportamentos, encorajando os agentes económicos a actuar de acordo com os mesmos, tendo também contribuído para a eliminação das barreiras sociais que as teriam tornado menos improváveis, ou que teriam reduzido o seu impacto negativo. De algum modo, a culpa foi nossa, de todos.

O Professor tem uma carreira de mais de 45 anos e é apontado como um dos maiores responsáveis por ter integrado a responsabilidade corporativa e a ética nos negócios no core do currículo disponibilizado pela IESE Business School. Numa entrevista recente defendeu que estávamos na altura certa para deixarmos de considerar estas questões apenas como “complementares” a várias disciplinas, mas sim como centrais ao ensino da gestão, encarando a própria gestão profissional do ponto de vista dos valores e com uma visão mais alargada. O desafio é enorme e a austeridade também não ajuda. Que lugar tem a ética e os valores que preconiza neste 2012 tão perturbador, nomeadamente para Portugal e também para a Espanha?
As circunstâncias actuais fazem com que, efectivamente, seja mais difícil convencer as empresas de que uma gestão ética é, não só adequada, como a mais necessária. Mas continuo a pensar que uma gestão ética baseada em valores continua a ser o objectivo de muitas empresas. O facto de, por exemplo, a EDP ter patrocinado a Cátedra Ética na empresa e na sociedade da AESE, constitui para mim uma amostra desta vontade: existem empresas que estão a lutar para fazer da ética uma realidade, seja para elas, seja para os seus mercados e ainda para toda a sociedade.

Os anos que levaram à crise financeira de 2008 foram inebriantes do ponto de vista da fé nos mercados e na sua desregulação. Foi-se a fé, foi-se a confiança. Há esperança para um regresso, a curto prazo, desta confiança perdida e de uma maior independência face aos mercados, cada vez mais omnipresentes na nossa vida quotidiana?
A confiança que se perdeu não é a confiança no comportamento ético das empresas, mas uma outra confiança distinta, que se baseia nas regras do jogo do mercado: a esperança de que uma empresa prefira actuar de acordo com essas regras, porque é do seu próprio interesse. Alan Greenspan expressou esta confiança antes da crise, com uma atitude ingénua, porque todos nós pudemos comprovar que as instituições financeiras não se importaram nada em actuar contra os interesses dos seus clientes, ou dos seus empregados, ou da sociedade, quando aconselhavam os seus interesses económicos de curto prazo. A confiança ética está presente no mercado quando o cliente sabe que, sejam quais forem os objectivos do responsável de uma instituição financeira, nunca irá actuar contra o que é mais conveniente para o seu cliente.

Na reunião de este ano em Davos defendeu que era urgente uma discussão global sobre as regras financeiras e as regulações, envolvendo muitos países diferentes e, em particular, os 27 países da UE. Com os abalos vários que a Europa tem vindo a sofrer, como tornar prioritária a questão da ausência persistente de confiança nos bancos e as mensagens negativas que acabam por enviar aos mercados?
Continuo a pensar que é necessária essa regulação global para os 27 países da União Europeia. Não se pode ter uma moeda única sem duas condições. Uma é um conjunto de regras fiscais comuns, racionais, aceites e cumpridas por todos, algo que está em vias de se aprovar, embora ainda vá dar muito que falar. E a outra é uma regulação comum a todos os países. Num mundo globalizado, com entidades financeiras que efectuam operações arriscadas em muitos mercados diferentes, a ausência de regras comuns é um obstáculo para a eficiência da moeda única.

O efeito multiplicador dos problemas que se continuam a agravar provocados pela crise económica e financeira torna mais difícil às empresas regerem a sua tomada de decisão com critérios éticos, tendo que colocar – como Milton Friedman defendia –, a maximização dos lucros e a responsabilidade para com os accionistas em primeiro lugar? Ou, pode, por outro lado, gerar nas empresas, um aumento de “consciência” e solidariedade para com os seus stakeholders?
Haverá sempre empresas que colocarão objectivos financeiros de curto prazo à frente de todos os outros. Mas as que assim actuam, não são as que obtêm melhores resultados no mercado, sendo sim as que, muitas vezes, têm encabeçado as listas de falências fraudulentas. É precisamente nestas circunstâncias difíceis que se torna patente a necessidade de que uma boa gestão implica ter em conta os impactos das decisões próprias sobre os stakeholders, uma visão ampla do que convém fazer a médio prazo, uma gestão adequada dos riscos (não apenas financeiros), um diálogo aberto com esses stakeholders e uma política de envolvimento desses stakeholders com a empresa.

O desemprego é, neste momento, o mais complexo “monstro” a enfrentar, tanto na sociedade portuguesa, como na espanhola. Que ética e responsabilidade se pode esperar, por parte de governantes altamente pressionados e com pouquíssima margem de manobra, no que respeita a este flagelo?
Não coloco a minha esperança nos governantes, mas nas empresas. São estas que criam emprego, devolvem a confiança aos trabalhadores, abrem novos mercados, inovam e criam oportunidades. Aos governantes devemos pedir que sejam sensíveis às necessidades dos cidadãos e facilitem as mudanças necessárias nas instituições, nas regulações e nas leis. E parece-me que, efectivamente, estamos nessa linha, tanto em Portugal como em Espanha.

Como professor também de economia, que futuro próximo vaticina para a economia ibérica, apesar das diferenças existentes entre os nossos dois países?
Fui sempre optimista, talvez por já ter presenciado algumas recessões e crises graves. E por muita responsabilidade que tenham as autoridades europeias, o Banco Central Europeu, o Fundo Monetário Internacional e todos os organismos internacionais, continuamos a ser nós, em última análise, os donos das nossas próprias decisões. Serão as empresas que nos tirarão desta crise, com a ajuda dos governos, claro, mas, se esta última não for dada, será assim em qualquer dos casos.

É comum afirmar-se que toda a sociedade está a sofrer uma crise de valores. Servirão estes tempos de austeridade para corromper ainda mais estes valores perdidos ou, optimisticamente, poderá servir para os fazer ressurgir?
Bem, os valores de que necessitamos agora, depois da crise financeira e da recessão, são precisamente os valores da austeridade: não gastar o dinheiro que não temos, sermos prudentes nas nossas decisões, saber atender às necessidades dos outros, viver as nossas responsabilidades como cidadãos e como empresários,… E parece-me que é isso o que estamos a fazer. Claro que podemos enganar-nos e tentar regressar aos anos da euforia, do dinheiro fácil e do “vale tudo”. Mas parece-me que as nossas sociedades estão a aprender a lição.

Por último, mas não menos importante, que conselhos daria ou a que exemplos recorreria para que o mundo empresarial se convença que é, mais do que nunca, necessário promover não só a ética na teoria, mas na prática?
Ser ético não é um valor acrescentado para empresas com sucesso, como é o caso, por exemplo, da filantropia ou de acções socialmente responsáveis. É, sim, agir bem. Um gestor ético é um gestor excelente: não existe outra solução. Isto não nos imuniza perante a crise: se os bancos não concederem crédito, ou os clientes não pagarem, a empresa terá um futuro difícil, mesmo que seja muito ética. Mas, inclusivamente nessas situações, o dirigente ético irá descobrir outras realidades, terá em consideração outras alternativas e será capaz de encontrar outras soluções.

Editora Executiva