A observação e monitorização dos oceanos a partir do espaço e in-situ permite planear actividades como infra-estruturas de exploração de energia e prever fenómenos naturais como as alterações climáticas, fornecendo “informação de referência” sobre os ecossistemas marinhos “que pode ser aplicada a inúmeros cenários práticos”. Perante o enorme potencial da economia azul em Portugal, o grande desafio está precisamente na aplicação, por universidades e empresas, dos complexos sistemas tecnológicos já disponíveis, como explica em entrevista ao VER, a respeito do encontro de especialistas mundiais que está a decorrer em Lisboa, o director do Centro de Ciência e Tecnologia do Ambiente e do Mar do IST, Ramiro Neves
POR GABRIELA COSTA

Cerca de uma centena de especialistas mundiais em monitorização do ambiente marinho estão reunidos em Lisboa, num encontro organizado pelo MARETEC, o Centro de Ciência e Tecnologia do Ambiente e do Mar do Instituto Superior Técnico. O Copernicus Marine Service User & Training Workshop, destinado a actuais ou potenciais utilizadores do Serviço Europeu de Monitorização do Ambiente Marinho Copernicus (CMEMS) que cubram a Plataforma Oceânica Sudoeste Atlântico Europeu, é o primeiro do género a dar formação – entre 10 e 11 de Dezembro, no IST – a estes utilizadores com interesse em produtos relacionados com o oceano, seja como fornecedores de serviços, para investigação ou para negócios.

10122015_ComAmonitorizacao2Copernicus: os olhos da Europa sobre a Terra

O programa europeu de observação e monitorização da Terra Copernicus opera em diferentes serviços – marítimo, atmosférico, superfície (land) e monitorização de alterações climáticas, suporte para serviços de segurança e de emergência -, através de uma estrutura de observação a partir do espaço e in-situ, com capacidade autónoma e operacional.

Os típicos clientes da informação gerada a partir das medições da rede gerida por este programa incluem pescadores, autoridades portuárias, empresas de exploração petrolífera off-shore, entidades que combatem a poluição marinha e organizações que estudam alterações climáticas, para além de qualquer empresa ligada directa ou indirectamente à denominada economia azul, ou dos oceanos.

Recolhendo informação sobre os oceanos à escala global através de satélites, sobretudo para leituras à superfície, e de sistemas in-situ, para complementar a informação através de leituras de profundidade, o Copernicus tem vindo a construir, paralelamente, ferramentas de modelação matemática para filtrar e interpolar os dados de forma a oferecer um conjunto de informação, incluindo previsão, “extremamente completo e capaz de ser usado num leque alargado de cenários práticos”.

No final de 2014, a Comissão Europeia e a Mercator Ocean (o centro francês de informação e previsão oceânica) estabeleceram um Acordo de Delegação para implementar e gerir o serviço europeu de monitorização do ambiente marinho, o qual disponibiliza, desde Maio deste ano, informação de referência regular e sistemática do estado físico e dos ecossistemas marinhos para os oceanos globais e nos mares regionais da Europa – incluindo temperatura, correntes, salinidade, altura da camada superficial, gelo marinho, ópticas marinhas, nutrientes, etc.

Em entrevista ao VER, o director do MARETEC, centro de investigação vocacionado para o ambiente e para a modelação matemática, sublinha a importância da aplicação no terreno da informação obtida por estes sofisticados sistemas tecnológicos, por parte de universidades e empresas especializadas, “frequentemente spin-offs de grupos de investigação, que estão mais vocacionadas para a prestação de serviços”. Na opinião de Ramiro Neves, o mercado para estes utilizadores intermédios “é sustentável se tiverem matéria-prima de qualidade e de baixo custo e se existirem utilizadores finais”.

Qual é a relevância de promover uma abordagem do CMEMS a nível regional e em função de necessidades e interesses comuns, com vista a tornar útil, a nível local, a informação recolhida à escala global pelo Copernicus?

Ramiro neves, Director do MARETEC, Investigador Sénior e Professor Associado do IST
Ramiro neves, Director do MARETEC, Investigador Sénior e Professor Associado do IST

O CMEMS fornece produtos obtidos a partir de sensores instalados em satélites e de sensores instalados no mar e produtos obtidos a partir de modelos matemáticos. Ambos os produtos são de escala global, cobrindo todo o oceano.

Os satélites medem propriedades da superfície do oceano a partir de sensores ópticos ou de radar, com resolução que vai melhorando com o tempo. Por conseguinte, não podem descrever a coluna de água (ou seja, todas as características em profundidade), e medem um número limitado de parâmetros (temperatura, cor, salinidade, nível e velocidades).

Os modelos matemáticos descrevem a coluna de água, têm capacidade de prever a evolução do mar a partir das condições actuais e podem simular propriedades que não são mensuráveis a partir de satélite (nem a partir de sensores colocados no mar), mas precisam de dados para validação dos resultados e a resolução espacial está limitada pela capacidade de cálculo actual.

A combinação de dados de satélite e de sensores colocados no mar e de modelos matemáticos permite obter informação para todo o oceano numa malha da ordem dos quilómetros, na horizontal, e da dezena de metros, na vertical, e permite prever a sua evolução à escala da semana.

[pull_quote_left]A combinação de dados de satélite e de sensores colocados no mar com modelos matemáticos permite obter informação para todo o oceano e prever a sua evolução à escala da semana[/pull_quote_left]

A informação fornecida pelo CMEMS é normalmente demasiado grosseira para permitir a resolução dos dados suficientes para suprir as necessidades dos utilizadores locais, que estão localizados nas zonas costeiras, e principalmente em estuários, e têm que ser objecto de processos de refinamento downscaling levados a cabo pelos chamados utilizadores intermédios. Estes utilizadores começaram por ser universidades e institutos de investigação e gradualmente a tecnologia vai sendo transferida para empresas especializadas (frequentemente spin-offs de grupos de investigação) que estão mais vocacionadas para a prestação de serviços.

Portugal é utilizador dos serviços do CMEMS através do processo de downscaling. As tecnologias desenvolvidas para águas portuguesas poderão posteriormente ser utilizadas em qualquer parte do mundo e por isso criam oportunidades para as empresas portuguesas à escala global. No passado as grandes oportunidades de trabalho no mar eram sobretudo para as grandes instituições de grandes países, que tinham capacidade para trabalharem à escala global. Actualmente, com o programa CMEMS, pequenas empresas com capacidade tecnológica podem actuar à escala global.

Defende que “os custos destas soluções [que envolvem entidades como a NASA e a ESA na recolha da informação por redes de satélite] são os do desenvolvimento do conhecimento e da tecnologia, não o dos dados propriamente ditos”. O que mais pode e deve ser feito para criar um mercado consistente de utilizadores intermédios?

O mercado para utilizadores intermédios é sustentável se tiverem matéria-prima de qualidade e de baixo custo e se existirem utilizadores finais. Na Europa, a Agência Espacial Europeia tem vindo a desenvolver novos satélites, oferecendo cada vez mais produtos a baixo custo e por isso a matéria-prima está assegurada.

O programa Copernicus e o Horizonte 2020 têm promovido o desenvolvimento de tecnologia e de projectos de demonstração para os utilizadores finais e portanto o mercado está a crescer. A implementação da Directiva Quadro da Estratégia Marinha em países como Portugal, com águas territoriais muito extensas, vai também necessitar destes produtos e por isso vai contribuir para a validação e demonstração da qualidade destas tecnologias.

Que serviços do programa Copernicus são mais relevantes a nível europeu na actual fase de desenvolvimento deste sector da economia, e face a complexos desafios globais como as alterações climáticas, na agenda mundial?

Os produtos derivados do CMEMS são úteis para o planeamento e operação de actividades no mar. Estes produtos permitem reconstituir o estado do mar nos últimos anos e como tal ajudam a dar a conhecer a adequabilidade de um local para colocar uma infra-estrutura (por exemplo, de exploração de energia, aquicultura ou para exploração de petróleo, gás ou minérios), mesmo que não existam dados medidos no local. Também fornecem dados em tempo quasi-real e permitem fazer previsão e, por isso, são muito úteis para gerir operações no mar.

Para além de todas estas actividades, os produtos CMEMS são também úteis para apoio à navegação e ao combate à poluição, nomeadamente na identificação de derrames e na previsão do seu deslocamento. Estes serviços são ainda importantes para a previsão da qualidade da água, quer no caso das águas balneares, quer no planeamento e monitorização de descargas de águas residuais no mar.

“Sentinel-1A" - © ESA
“Sentinel-1A” – © ESA

Este programa “demonstra o que pode acontecer quando se cria uma ‘tempestade perfeita’ entre financiamento público, conhecimento criado nas universidades e iniciativa privada”. Em Portugal, qual é o  nível de utilização do CMEMS para investigação e para negócios, e que aposta existe na criação de valor partilhado entre empresas e universidades para esta área?

As universidades e os Laboratórios de Estado Portugueses têm acompanhado o processo de desenvolvimento tecnológico subjacente ao programa CMEMS e à utilização dos seus produtos.

[pull_quote_left]A plataforma + Atlântico irá promover, a partir de 2016, a tecnologia nacional à escala do Atlântico, através da criação de programas de colaboração com instituições da América Latina, África e EUA[/pull_quote_left]

No workshop que decorre no IST nos dias 10 e 11 são apresentados casos de estudos por três empresas portuguesas (Hidromod, Action Modulers e Edisoft), pelo LNEC e pelo IST (MARETEC). As tecnologias foram desenvolvidas no âmbito de projectos com financiamento europeu e nacional, tendo os projectos de demonstração financiados pela ESA, depois da adesão de Portugal a esta Agência, desempenhado também um papel importante no desenvolvimento tecnológico.

No âmbito da actuação do MARETEC foram já criadas duas spinf-offs do IST que trabalham à escala global sobre os dados do Copernicus. Qual é a relevância da aplicação útil, na sociedade, da tecnologia de ponta desenvolvida nas universidades?

 © ESA
© ESA

O MARETEC é um centro de investigação vocacionado para o ambiente e para a modelação matemática. O modelo matemático MOHID vem sendo desenvolvido há cerca de três décadas e inclui o conhecimento produzido numa quinzena de teses de doutoramento. O modelo é de domínio público e de código aberto, podendo ser descarregado e utilizado por qualquer pessoa, de qualquer instituição, quer para investigação, quer para fins comerciais.

Este modelo, os estudantes formados ao longo destes anos e a existência de mercado constituem os ingredientes necessários para a criação de spin-offs. As duas spin-offs do MARETEC directamente relacionadas com o CMEMS (Hidromod e Action Modulers) utilizam estes dois ingredientes (modelo e pessoas) e a ligação a outras empresas, que ajudaram no acesso ao mercado.

Os antigos estudantes do MARETEC formaram-se em grande medida no contexto de projectos internacionais e por isso as spin-offs têm a internacionalização na sua informação genética. Por conseguinte estas empresas estão particularmente vocacionadas para aproveitarem as oportunidades criadas pelo CMEMS.

O projecto + Atlântico, que terá início em 2016, e que inclui financiamento da FCT, da Galp e da LusoTechnip e envolve três centros de investigação do IST (MARETEC, IN+ e ISR) e ainda o ISQ, o Wavec e a Action Modulers, será também um grande utilizador de produtos CMEMS e uma plataforma de promoção da tecnologia nacional à escala do Atlântico, através da criação de programas de colaboração entre estas instituições e da América Latina (com ênfase para o Brasil) e ainda de instituições Africanas e  da universidade de Carnegie Mellon, dos Estados Unidos.

Jornalista