Os aspectos comportamentais dos conselhos de administração constituem, no actual clima económico e tendo em conta a crise que deflagrou em 2008, um dos principais desafios identificados num estudo recente sobre corporate governance, realizado pela Heidrick & Struggles em 15 países europeus, Portugal incluído. Seguem-se as principais conclusões
Como afirma António Borges, que assina o prefácio deste estudo, esta é uma altura crítica para se compreender realmente as normas de corporate governance (CG) e as questões relacionadas com a performance, em constante evolução, nas empresas líderes europeias: “a capacidade de responder a um conjunto complexo de questões que incluem os relacionamentos, a diversidade, as compensações, a avaliação, o papel do presidente do conselho de administração e uma cultura ideal poderão constituir a diferença entre florescer ou fracassar à medida que vamos emergindo dos recentes tempos turbulentos”, escreve o director do departamento europeu do FMI. Face à crescente responsabilização e escrutínio, às pressões múltiplas por parte dos media e dos diferentes stakeholders, sem esquecer o activismo accionista, ser-se hoje membro de um conselho de administração (CA) é uma tarefa muito mais árdua do que há 10 anos. Na verdade e antes de o eclodir da crise, o debate sobre o governo das sociedades não ia muito mais além do que simples discussões sobre regras processuais ou de estrutura. E, apesar de alguns progressos que se foram atingindo, nomeadamente através de normas devidamente adoptadas, são muitos os CA, mesmo os pertencentes a grandes e sofisticadas empresas, que pecam ainda por uma falta de vontade expressa para o bom funcionamento destes órgãos. E porquê? De acordo com o relatório e apesar de não existir uma resposta fácil a esta complexa pergunta, os analistas observaram que, apesar dos esforços rigorosos para aumentar as normas de governança, não foi dada a atenção necessária aos desafios comportamentais que estes integram em oposição a aspectos mais técnicos. Há que analisar profundamente o papel em constante evolução e o estilo que se exige de um presidente de CA realmente eficaz, optimizar os delicados e complexos relacionamentos existentes especialmente entre os membros independentes e os executivos, aumentar a diversidade nos mesmos e, acima de tudo, criar uma cultura positiva e próspera nos ambientes que acolhem estes conselhos de administração. Esta é a 7ª vez, em 12 anos, que a consultora Heidrick & Struggles publica um relatório desta natureza. Com base num conjunto alargado de líderes de opinião europeus, o presente estudo tem como base 13 questões chave, sendo os resultados compilados em seis grandes áreas: Disponibilidade, Transparência, Competitividade das Compensações, Avaliação, Independência e Diversidade da Experiência. O VER analisa, de seguida, alguns dos aspectos mais importantes deste relatório, dedicando igualmente duas caixas a dois temas em concreto: as compensações que, pela primeira vez em 12 anos, sofreram um declínio e as características do presidente do conselho de administração do futuro. A performance e o risco da liderança No passado, existia uma visão prevalecente de que o CA não deveria interagir com a equipa de gestão devido a possíveis conflitos de interesse. Actualmente, em vez de um CA distante, apesar de objectivo, estamos a assistir a uma maior participação do mesmo. Há que sublinhar, contudo, que os métodos e níveis de envolvimento diferem de acordo com as estruturas dos CA. Os membros unitários que a eles pertencem estão naturalmente mais próximos da equipa de gestão na medida em que os membros executivos se sentam ao lado dos não-executivos, ou a eles são chamados para determinadas apresentações ou reuniões. Nos países onde a estrutura dualista predomina, os conselhos de administração supervisores monitorizam os outros, em oposição aos que realmente estão comprometidos com o bom governo das sociedades. A função de supervisão dos CA proíbe a interferência com o trabalho quotidiano da equipa de gestão, sendo que os seus membros têm de ser extremamente cuidadosos quando interagem com os comités executivos fora das reuniões. O estudo indica também que, em países como a Dinamarca e a Alemanha, existe a percepção de que os CA deviam aprender mais com o modelo anglo-saxónico, sendo menos formais e “legais” para passarem a ser mais activos, nomeadamente num relacionamento mais próximo com a equipa de gestão que, afinal de contas, é responsável pela execução da estratégia da empresa. Um outro factor de grande importância neste relacionamento entre o CA e a equipa de gestão é a qualidade da relação existente entre o presidente do conselho de administração e o CEO. Apesar de precisarem de trabalhar em conjunto, a estreiteza das suas relações não deverá ser confundida com complacência. Ou seja, há que respeitar o “território” do CEO, delineando-se de forma clara as responsabilidades – os direitos e os deveres – de um e de outro. Ou seja, quando os membros do CA têm acesso aos executivos, existe o risco de se ultrapassar os poderes do CEO. O que consiste numa má prática, na medida em que poderá encorajar jogos políticos, reduzir a eficácia da gestão e diminuir a credibilidade do CEO. Evitar egos insuflados e a tendência para o controlo excessivo Até agora, os conselhos de administração têm vindo a ser dominados por CEOs – e continuarão a sê-lo – mas o relatório sugere uma particular atenção para aqueles que sofrem de egos insuflados, de uma necessidade exacerbada de controlo ou que registem níveis de inteligência emocional limitados. Apesar da extrema importância do conhecimento aprofundado de uma determinada indústria, é igualmente vital que o CEO se sinta desafiado por membros do CA que realmente compreendam a sua função. Quando uma crise ocorre, ou durante períodos de mudanças radicais no interior da organização, é importante que existam membros que possuam o conhecimento aliado à experiência e que já tenham passado por situações similares no passado. A representação de CEOs é, nos conselhos de administração europeus auscultados, um indicador da proporção de generalistas em oposição aos especialistas. Quarenta e três por cento dos membros dos CA são actuais ou antigos CEOs, apesar de a sua representação variar entre as regiões em causa. Ter um passado de CEO é quase um pré-requisito para os CA em França, Holanda e Suécia (66%). Também a Dinamarca, a Finlândia, a Suíça e o Reino Unido têm, como maioria integrante dos seus CA, CEOs, enquanto no pólo oposto se encontram a Polónia, a Espanha e Portugal (com menos de um quarto dos seus membros a ocuparem posição de CEOs). A globalização e as funções mais complexas que agora fazem parte das tarefas dos CEOs, tornaram necessário que os conselhos de administração integrem um conjunto principal de membros com conhecimentos específicos sobre as indústrias em que operam. Um outro resultado do estudo indica também uma maior qualificação dos comités de auditoria comparativamente à que existia há dois anos, sendo que 72% dos conselhos de administração da actualidade incluem um CFO ou um técnico oficial de contas. Na mesma percentagem, e reflectindo os crescentes riscos legais com que as empresas têm de se confrontar, existe pelo menos um especialista em questões legais e tudo indica que esta necessidade venha a crescer. A importância da diversidade e da “confiança profissional” Habituados que estávamos ao padrão tradicional de um conjunto de seniores de idade avançada, com antecedentes similares e experiências partilhadas, e sentados ao redor de uma grande mesa, a verdade é que se começam a notar algumas mudanças que, de acordo com o relatório, devem até ser aceleradas para evitar o denominado “pensamento de grupo”. Desta forma, a composição de um conselho de administração deverá reflectir os valores e a estratégia da empresa, bem como as suas ambições técnicas e geográficas. Todavia, as verdadeiras e mais óbvias lacunas existentes em muitos CA (nomeadamente no que respeita ao género e à nacionalidade) precisam de mais atenção e não somente de boas intenções. Um CA diversificado tem de ser capaz de partilhar as suas convicções e ideias através de uma “linguagem” comum. E, por isso mesmo, ao se optar por membros diversificados, os comités responsáveis pela sua nomeação devem ter em linha de conta a “química”, as influências culturais e os valores partilhados. Se, por um lado, a diversidade no que respeita a estilos pessoais é saudável, por outro, quando existem choques de “química” ou de personalidades, a destruição poderá ser iminente. Assim e na altura em que se está a fazer o recrutamento, é importante ter em linha de conta a base de competências da equipa para ser possível complementá-la da melhor forma possível. E se, por um lado, a dimensão do CA está a aumentar de forma a acomodar as exigências da diversidade e o aumento do conjunto de competências, o estudo aconselha a que o seu número de membros não ultrapasse as 15 pessoas. No que respeita ao papel do presidente do conselho de administração – aquele que deverá definir o tom e orquestrar as interacções dos membros – o factor “confiança” constitui o desafio mais premente para os CA da actualidade. Se, no passado, a questão da confiança residia nas relações pessoais entre os membros, que se conheciam bem entre si e confiavam nos seus quadros de valores comuns, hoje em dia, com a selecção que é feita “fora” da rede dos “velhos rapazes”, os CA precisam de criar aquilo que os autores do relatório denominam como “confiança profissional”. Muitas vezes esquecemo-nos que um conselho de administração é uma entidade viva e, como tal, não integra uma cultura de certo ou errado. Não existe definição possível para um “CA ideal”, dado que a sua natureza depende da especificidade e dependência de determinado mercado e do modelo operacional da empresa. Contudo, existem algumas constantes universais que devem fazer parte integrante de um presidente bem-sucedido. Asaber: forte competência para gerir reuniões; encorajamento de contributos igualitários e equilibrados dos seus membros; saber conter as personalidades dominantes e ter capacidade para obter a participação de membros já reformados; estabelecer as prioridades e sumarizar as competências; ter uma visão comum para o CA e para a empresa; saber misturar, na dose certa, relações formais e informais; conseguir alcançar decisões que sejam apoiadas por um consenso (e não forçosamente por uma maioria); saber estabelecer e pedir contas das responsabilidades afectas a cada membro e, obviamente, saber alinhar a cultura do CA com a cultura prevalecente na empresa.
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Editora Executiva