O projecto Aldeias Artísticas quer criar uma identidade cultural híbrida entre a linguagem artística urbana e o património material e imaterial das zonas rurais. Instalado em quatro aldeias do concelho de Castelo Branco, no âmbito da iniciativa de desenvolvimento local “Há Festa no Campo”, o evento assente numa programação que envolve a população na organização das mais diversas expressões de arte vem demonstrar como as pequenas povoações “têm de fazer parte de um modelo económico e de transformação social, que nos aproxima da sustentabilidade” da aldeia global
POR GABRIELA COSTA

Aldeias Artísticas” é uma iniciativa criada para dar resposta à constatação de que, face ao crescente despovoamento e envelhecimento da população no Interior do País, é imperativo “desafiar a difícil realidade de perda intensificada de pessoas e dos seus costumes culturais” nas comunidades rurais que caracterizam o Portugal profundo.Financiado pelo Programa PARTIS – Práticas Artísticas para Inclusão Social da Fundação Calouste Gulbenkian, o projecto lançado há um ano por um consórcio constituído, numa primeira fase, pelas associações EcoGerminar e Terceira Pessoa, ETEPA – Escola Tecnológica e Profissional Albicastrense e União das Freguesias do Freixial do Campo e Juncal do Campo, no concelho de Castelo Branco, visa promover entre as comunidades locais “um sentimento intergeracional de pertença positiva e de visão sustentável relativa às suas aldeias”.

Como explica ao VER Marco Domingues, especialista  em projectos de Inovação Social e Fundador da EcoGerminar, o verdadeiro desafio é conseguir valorizar as competências e os saberes tradicionais, “que são recuperados através de projectos artísticos promotores de uma revitalização comunitária com base na capacitação da população local”.

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A tradição volta a ser o que era e inova na comunidade

A meta do desenvolvimento local persegue-se, assim, de forma original, através da revitalização das aldeias do Freixial do Campo, Juncal do Campo, Chão da Vã e Barbaído, e ainda de um lugar designado de Camões (área territorial que o projecto “Aldeias Artísticas” envolve), a partir do desenvolvimento de projectos de fusão da arte urbana com a rural.

[pull_quote_left]O projecto ‘Aldeias Artísticas’ promove, entre as comunidades locais, “um sentimento intergeracional de pertença positiva e de visão sustentável”[/pull_quote_left]

Inseridas na iniciativa “Há Festa no Campo”, as “Aldeias Artísticas” vão receber projectos distintos, como fotografia, teatro, artes performativas ou música. Em curso estão já uma Oficina de Fotografia, a cargo do Movimento de Expressão Fotográfica, que traz de Lisboa a estas aldeias o projecto “Diários de um Quotidiano”; a gravação do videoclip da música “Uma Casa no Campo”, cedida pela banda Capicua e Edições Valentim de Carvalho; o Mural Street Art, pintado pelo artista Manoel Jack na antiga escola primária do Juncal do Campo, numa “forte relação de proximidade” com os seus habitantes; a 1ª Mostra do Documentário “Há Festa no Campo”, que revela os contrastes da vida local, a Oficina de Costura Criativa, aberta às comunidades desta União de Freguesias de Castelo Branco; e o “Jornal das Aldeias”, suplemento com publicação trimestral no jornal “Reconquista”, produzido pelas populações das quatro aldeias através da Oficina de Jornalismo e Fotografia do projecto “Há Festa no Campo”, que as capacita com exercícios e técnicas de escrita jornalística e de composição editorial, com o objectivo de reunir um grupo de colaboradores desta edição (onde cabem provérbios, contos, lendas ou cantares do património imaterial das aldeias e artigos sobre a história e os ofícios e tradições locais).

Constituindo “um dos resultados positivos da dinâmica comunitária criada no âmbito do “Há Festa no Campo”, nas palavras de Marco Domingues, as Aldeias Artísticas culminam numa “afirmação local da população”, ao criarem condições de acolhimento de artistas urbanos para o desenvolvimento de projectos que “neste momento já valorizam espaços que eram, até há algum tempo, indiferentes a quem os frequentava”.

Para o especialista em Inovação Social, as Aldeias Artísticas “surgem para criar uma identidade cultural híbrida entre a linguagem artística urbana e o património material e imaterial das aldeias”. Esta proposta “tem mobilizado artistas a quererem desenvolver trabalhos nas aldeias, e o resultado é o contributo e envolvimento de artistas conceituados da arte urbana e música, como Vhils e Capicua, e de tantos outros não menos importantes que, em nome individual ou colectivo, querem dar o seu contributo”.

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Uma equipa da aldeia global que escolheu a aldeia rural

O trabalho desenvolvido conta com a gestão social e comunitária da EcoGerminar e uma gestão artística da Terceira Pessoa, que “tem uma equipa reconhecida pela qualidade dos seus trabalhos: julgo que será difícil encontrar num projecto desta dimensão uma equipa com trabalhos tão bons ao nível da produção, fotografia, áudio e vídeo e design de comunicação”, sublinha Marco Domingues. Na sua opinião, a iniciativa reúne um grupo de trabalho “ao nível dos melhores”, e que poderia estar a trabalhar “em qualquer parte do mundo mas, por opção, está no interior” O que é “uma mensagem extraordinária”.

Recordando que os resultados deste trabalho são já visíveis, através dos projectos referidos, na imprensa, em videoclips e vídeo documental, fotografia, teasers e em toda a comunicação das Aldeias Artísticas, o empreendedor adianta que recebem semanalmente contactos para colaborações – são já mais de 30 os artistas inscritos e mensalmente há também residências artísticas interessadas em colaborar. Mas, dado o tempo e dedicação que cada pedido exige face aos recursos e logística inerentes a uma residência, “acreditamos que as aldeias artísticas estão numa fase embrionária mas a prepararem-se para um crescimento sustentável”, conclui.

[pull_quote_right]“Fará sentido ter cidades sobrelotadas e sem qualidade de vida, ao mesmo tempo que cresce o despovoamento das aldeias?”[/pull_quote_right]

A iniciativa recebe um apoio financeiro anual da Fundação Calouste Gulbenkian e, mais recentemente, também da Fundação EDP, “que alavancou as condições necessárias para avançarmos nesta fase inicial”. Ainda assim, a ambição de lançar um festival de música e artistas de rua está ainda “dependente de apoios para a sua concretização”. Mas a vontade fala mais alto e, por isso, a organização do festival “Aldeias Artísticas – Arte, Sustentabilidade e Comunidade”, já marcou data no calendário: entre 20 e 22 de Junho, todos os cidadãos deverão poder deslocar-se às pequenas localidades albicastrenses para desfrutar, num evento original e gratuito, toda uma programação pensada também pela comunidade local, encarregue de receber os visitantes, e onde se irão incluir inúmeros projectos artísticos, performances de rua e espectáculos de música.

Marco Domingues explica que a proposta “é não descaracterizar as aldeias com infra-estruturas de apoio, mas aproveitar os espaços públicos, que vão desde os tanques das lavadeiras até aos parques infantis”. No dia 20 está previsto um dia reservado a conversas e workshops associados à arte e ao desenvolvimento local, com o apoio das várias entidades parceiras, sendo os dias 21 e 22 de Junho dedicados à divulgação dos projectos artísticos e para usufruir dos espaços da aldeia.

Tratando-se de um festival sem fins lucrativos, o evento necessita de patrocinadores e investidores, pelo que o fundador da EcoGerminar lança o repto a potenciais parceiros empresariais interessados em associar-se a esta iniciativa em prol do desenvolvimento comunitário. Afinal, Aldeias Artísticas dissemina a “ideia de que numa aldeia é possível fazer tudo o que se faz numa cidade”, e “o grande desafio” é precisamente conseguir que a afirmação da arte urbana em pequenas comunidades rurais contrarie a visão generalizada de que as oportunidades estão associadas apenas à agricultura e ao turismo.

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“Para educarmos uma criança é preciso toda uma aldeia”

Nas palavras de Marco Domingues, “relativizando a escala, acreditamos que praticamente é possível fazer tudo aquilo que se faz num grande centro urbano numa aldeia, e é mesmo assim”. Na sua opinião, a ideia de que o mundo rural vive apenas da agricultura e do turismo é falsa, como provam os imigrantes ingleses, alemães e holandeses, entre outros, que residem em aldeias e trabalham à distância para os seus países de origem, exemplifica.

Já o conceito generalizado de que vivemos numa aldeia global, em que podemos trabalhar em qualquer parte do mundo “é verdadeira”, contrapõe, mas por vezes parece não se aplicar às aldeias. Para Marco Domingues, estas “têm de fazer parte de um modelo económico e de transformação social, que nos aproxima de uma maior sustentabilidade global”.

Questionando se fará sentido “ter cidades sobrelotadas onde parte da população não tem qualidade de vida”, ou a ausência “de espaços de trabalho a baixo custo”, ou ainda se fará sentido existirem “pessoas a morrer no Mediterrâneo, à procura de uma segunda oportunidade de vida”, ao mesmo tempo que cresce o abandono e despovoamento das aldeias, o especialista em Inovação Social não tem dúvidas: com a aposta no desenvolvimento local das zonas mais atrasadas, “os problemas de uns seriam as soluções dos outros”. Mas, lamenta, “essa visão ainda não foi atingida”, e a realidade do mundo globalizado é a marginalização de parte das pessoas e das aldeias.

Para contrariar essa realidade, a inclusão de cultura e arte urbana em meio rural é uma estratégia ao mesmo tempo inovadora e promotora da tradição nas comunidades, que contribui não só para combater a desertificação e o consequente envelhecimento da população, como para promover o emprego jovem e a integração sócio-cultural das gerações mais novas nas regiões do Interior do País.

Defendendo que “todas as formas de manifestação artística são expressões de sentimentos e emoções”, o fundador da EcoGerminar acredita que “ao trazermos a arte urbana para um território rural, estamos a aproximar a cultura local com visões artísticas que irão contribuir para uma mensagem comum e partilhada”. Confessando-se “fascinado pela arte urbana, especificamente pelos graffitis, por dar voz a causas”, Marco Domingues explica que a linguagem social “não permite deixar ninguém indiferente, e é essa a mensagem que queremos alcançar com as Aldeias Artísticas”: as pessoas não podem continuar indiferentes às oportunidades que existem nas aldeias, as quais estão “associadas a uma mudança de vida económica e social”.

É esta “visão de comunidade” que o consórcio promotor da iniciativa “Há Festa no Campo” e do projecto Aldeias Artísticas defende “para a sustentabilidade do mundo”, com as aldeias a assumirem-se como “espaços privilegiados de educação das crianças, mas também de educação para um modelo de equilíbrio global”, onde as oportunidades que proporcionam se conciliam com a melhoria de qualidade de vida nos grandes centros urbanos. Até porque, e como diz um “sábio provérbio” citado pelo empreendedor, “para educarmos uma criança é preciso toda uma aldeia”.


Imagens, Fotografia e Design

Associação Terceira Pessoa
Produção: Nuno Leão e Ana Gil
Fotografia / Vídeo: Tiago Moura e Pedro Pires
Design Gráfico: Cátia Santos


Jornalista