Decorrida no passado dia 20, a cerimónia da entrega de prémios Crystal Awards marcou a abertura do Fórum Económico Mundial, em Davos, reconhecendo Yao Chen, Leonardo DiCaprio, Olafur Eliasson e will.i.am como personalidades da cultura que têm desenvolvido acções extraordinárias para melhorar o estado do planeta. Um excelente reconhecimento para a importância das artes (tantas vezes menosprezadas) como veículos importantes para mudar o mundo, resolvendo alguns dos seus maiores problemas
POR
MÁRIA POMBO

O Fórum Económico Mundial (FEM) reúne, pelo 46º ano consecutivo, em Davos, a habitual “super-elite” composta por mais de 2500 líderes mundiais, juntando políticos, especialistas de várias áreas, executivos, representantes de organizações não-governamentais e outras personalidades de relevo (e dinheiro). Com os olhos postos na 4ª Revolução Industrial (sobre a qual o VER escreveu recentemente), os principais líderes mundiais analisam, como todos os anos, os problemas globais que o planeta enfrenta, bem como algumas formas possíveis de os resolver. Considerando que vivemos num mundo em constante evolução e cada vez mais interligado, onde as tecnologias revolucionárias e as transformações demográficas e políticas originam diversas consequências socioeconómicas, todo o tempo é valioso para descobrir e encontrar os mais eficientes meios de conduzir o planeta rumo a um futuro melhor. E, como também já é habitual, a reunião anual de Davos “exige” doses extra de criatividade e o envolvimento activo dos participantes na criação de programas a nível global, regional e industrial.

A sessão de abertura do encontro foi dedicada à cultura, celebrada através da cerimónia da entrega de prémios Crystal Awards. Estes prémios reconhecem o compromisso de melhorar o estado do planeta assumido por alguns representantes das mais variadas áreas da cultura. A presidente do Conselho de Administração do Fórum Mundial das Artes do Fórum Económico Mundial, Hilde Schwab, revelou que o propósito da criação deste prémio, em 1995, era “distinguir artistas que inspiravam e promoviam a compreensão intercultural e a confiança entre nações”. No entanto, e considerando as mudanças que o mundo tem vindo a sofrer, o objectivo deste galardão tem também ele evoluído, pretendendo actualmente “enaltecer os artistas excepcionais que lidam com alguns dos maiores problemas a nível global, como o ambiente, a inclusão social, a saúde, a educação, a segurança alimentar e as questões relacionadas com a paz”, como explica Hilde Schwab, mulher do fundador e presidente do FEM, e participante activa no mesmo desde a sua criação em 1971.

© WORLD ECONOMIC FORUM
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Yao Chen, Leonardo DiCaprio, Olafur Eliasson e will.i.am foram os galardoados deste ano, cuja distinção teve por base as suas acções relacionadas com problemáticas complexas como a dos refugiados, as alterações climáticas, a inclusão social e a educação para todos. Yao Chen é uma famosa actriz de nacionalidade chinesa, conhecida como a rainha do Weibo (uma plataforma semelhante ao Twitter) e que utiliza a sua “fama” para alertar a opinião pública para questões como a poluição ambiental e a segurança alimentar. Todavia, e nos últimos anos, a sua acção tem-se concentrado essencialmente no apoio aos refugiados: enquanto representante da China na Agência das Nações Unidas para os Refugiados, Yao Chen visita regularmente campos nas Filipinas, Tailândia, Etiópia, Líbano e Paquistão. Segundo a actriz, “ajudar os outros também colmata as necessidades de quem ajuda”, crente na máxima de que “só conseguimos sobreviver porque precisamos e dependemos uns dos outros”.

[pull_quote_left]“Ar e água limpos e um clima estável são direitos humanos inalienáveis” – Leonardo DiCaprio[/pull_quote_left]

Reconhecido em todo o mundo, Leonardo DiCaprio tem dado provas da sua competência, não só enquanto actor e produtor – será este ano que ganha o tão almejado Óscar? – mas também no que respeita ao combate das crises climáticas e à promoção da sustentabilidade ambiental. Através da sua Fundação, criada em 1998, o actor tem desempenhado um papel bastante activo, por exemplo, na protecção de algumas espécies em perigo, como os tubarões da Califórnia, os tigres da Ásia e os elefantes de África. Por todos estes motivos, foi designado em 2014 pela ONU como “mensageiro da paz” com especial atenção para a questão das alterações climáticas. Para DiCaprio, “ar e água limpos e um clima estável são direitos humanos inalienáveis, e combater as crises não é uma questão política, mas sim de sobrevivência”. Na cerimónia de entrega dos prémios, o actor reforçou que “todos juntos, conseguimos lutar para preservar o clima frágil de danos irreversíveis e de destruição com proporções impensáveis”.

Um outro premiado nos Crystal Awards foi will.i.am, o músico, actor, produtor e entertainer cuja fama teve início nos Black Eyed Peas, mas cujos talentos vão muito além dos seus atributos artísticos. Inspirar crianças e mostrar-lhes a importância de seguirem os estudos para se tornarem os líderes de amanhã é um dos grandes compromissos que will.i.am assumiu com o mundo e que tem vindo a desenvolver na Fundação i.am.angel, criada pelo próprio. A iniciativa i.am.STEAM (Science, Tecnology, Engeneering, Arts and Maths) promove a educação junto das populações mais necessitadas, dando às crianças a oportunidade de aprender e interagir na sala de aula e fora da mesma. O músico e criativo acredita que “as capacidades STEAM permitem a qualquer cidadão ter uma carreira (e não apenas um emprego) e construir empresas e riqueza, beneficiando comunidades inteiras, e não apenas uma minoria”. Na cerimónia, will.i.am explicou, de forma séria mas muito simples, que pretende incentivar as crianças “a sonhar como o Steve Jobs, e não como o Stevie Wonder”.

Por fim, mas não menos importante, a plateia pôde aplaudir Olafur Eliasson, o designer impulsionador de comunidades inclusivas para quem “a arte representa um dos poucos lugares na sociedade onde as pessoas com diversos backgrounds conseguem conviver e partilhar experiências, mesmo tendo opiniões divergentes”. Entre os diversos projectos que tem vindo a abraçar desde há vários anos, o Little Sun é um dos mais ambiciosos. Com base na ideia de que “luz é vida”, este negócio social de energia solar pretende demonstrar a importância da luz, promovendo a sua geração a partir de fontes sustentáveis, para que a mesma possa chegar às comunidades onde ainda não existe. O dinamarquês acredita que a electricidade potencia o emprego e a geração de riqueza e oportunidades a nível local.

Arte: antónimo de apatia e sinónimo de acção

Olafur Eliasson © WORLD ECONOMIC FORUM
Olafur Eliasson
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Se é quase certo que em tempos de crise (económica, política e social) a cultura tende a ficar esquecida e a ser encarada como um “bem não essencial”, os Crystal Awards servem para reconhecer a sua importância, enquanto ferramenta capaz de motivar as pessoas, levando-as transformar os pensamentos em acção.

Num artigo escrito na primeira pessoa, o galardoado Olafur Eliasson demonstra como, independentemente de ser sob a forma de música, poema, pintura ou outra, a arte tem mesmo o poder de mudar o mundo.

O artista escreve que, de um modo generalizado, muitas pessoas não se sentem sensibilizadas com as questões mais globais, como as alterações climáticas, nem tão pouco com os problemas de terceiros, mesmo quando podem facilmente ajudar, o que origina (e é resultado de) um forte sentimento de “não pertença” a uma comunidade global. E é precisamente neste ponto que a arte pode fazer a diferença, tendo em conta que “não revela o que se tem de fazer, mas tem a capacidade de estabelecer a ligação entre o corpo, a mente e os sentidos”.

[pull_quote_left]Will.i.am incentiva as crianças “a sonhar como o Steve Jobs, e não como o Stevie Wonder”[/pull_quote_left]

Eliasson acredita com veemência que os artistas têm uma grande responsabilidade de ajudar as pessoas, não só a conhecer e a compreender, mas também a sentir emocional e fisicamente, alguma coisa. Para o dinamarquês não existem dúvidas: “quando nos sentimos tocados, emocionados e abalados, somos transportados para um novo lugar que é fortemente pautado por experiências físicas. E é esta experiência transformativa que a arte procura constantemente”. A arte e a cultura encorajam a intuição, a incerteza e a criatividade, e também a procura constante de novas ideias e de caminhos diferentes daqueles que, até então, foram desbravados.

O envolvimento do ser humano com a arte não surge, na opinião deste designer, como um evento solitário, mas sim como um espaço de partilha de experiências diferentes e de opiniões divergentes, encaradas como um ingrediente essencial na construção de um mundo melhor. É neste sentido que uma comunidade criada com base na arte e na cultura é uma excelente fonte de inspiração para políticos e activistas que pretendem ultrapassar o populismo polarizador e a estigmatização de pessoas e visões diferentes.

[pull_quote_left]“Ajudar os outros também colmata as necessidades de quem ajuda” – Yao Chen[/pull_quote_left]

Por todos os motivos referidos, e considerando a sua experiência de terreno, Olafur Eliasson acredita que a arte consegue tornar o mundo mais tolerante em relação à diferença, por estimular o reconhecimento da existência do ‘outro’, permitindo que cada ser humano ganhe uma maior consciência de comunidade, que o leva, por sua vez, a agir.

No encontro que juntou os mais poderosos líderes mundiais, foram mais de 40 os representantes de diversas áreas da cultura que fizeram questão de estar presentes. Ligados à arquitectura, ao cinema, à fotografia ou à moda, entre outras áreas, estes líderes culturais – como Bono ou Peter Gabriel, por exemplo – participaram em diversas sessões onde foi analisado o papel da cultura e da arte na nossa sociedade. O planeta ficará, certamente, a ganhar.

Jornalista