De acordo com os dados do mais recente Edelman Trust Barometer, menos de 20% da população geral expressa confiança no sistema, mais de metade dos respondentes acredita que o capitalismo causa mais mal do que bem e a maioria assume-se pessimista relativamente ao seu futuro, acreditando que não estará melhor num período de cinco anos. As empresas estão na frente dos índices de confiança, apesar de estes serem baixos, mas porque são consideradas como competentes e não como éticas
POR HELENA OLIVEIRA

O Edelman Trust Barometer, que avalia, anualmente, os níveis de confiança global nas diferentes instituições que compõem a sociedade – governo, empresas, media e ONGs – revela, na sua 20ª edição, que os cidadãos desejam que sejam as empresas a liderar a forma como se abordam os mais prementes problemas sociais.

Na verdade, foram as empresas que, mais uma vez, se assumiram como a instituição mais confiável, apesar de os níveis de confiança se manterem baixos. Todavia e mesmo assim, os dados revelam igualmente que os membros do público confiam nas empresas apenas devido ao seu grau de competência, e não porque as consideram como éticas. Para elevar e melhorar o nível de confiança dos cidadãos, as empresas precisam de se concentrar mais na integridade, na fiabilidade e no propósito.

Este é o principal resultado da edição de 2020 deste barómetro de confiança, que inquiriu mais de 34 mil pessoas em 28 mercados, e que afirma que vivemos num paradoxo de confiança. E porquê? Os motivos incluem a era de forte performance económica que estamos a viver, com níveis de desemprego significativamente baixos e o facto de, nas duas últimas décadas, mais de mil milhões de pessoas terem saído da pobreza. As grandes instituições societais – governos, empresas, ONGs e media – deveriam, de acordo com esta realidade, estar a gozar de níveis mais elevados de confiança. Todavia, os resultados do Edelman Trust Barometer demonstram que nenhuma das instituições é verdadeiramente considerada como de confiança pelo público.

Ao longo dos últimos anos, as boas condições económicas pressagiavam níveis ascendentes de confiança e esta relação é mais visível nos mercados em desenvolvimento como a Ásia e o Médio Oriente. Mas no mundo desenvolvido, algumas violações do contrato social – actos ilícitos por parte das empresas, corrupção nos governos e as “fake news” – destruíram esta relação. Nos mercados desenvolvidos, a confiança tornou-se desligada do crescimento do PIB pois as pessoas sentem que não estão a receber a sua quota justa de prosperidade crescente. E a desigualdade de rendimentos nacional é agora o mais importante factor na confiança institucional. Nos mercados com elevada desigualdade de rendimentos, o fosso entre a confiança nos negócios e a confiança nos governos é bastante mais alargado (12 pontos) do que o existente em mercados com baixa desigualdade (quatro pontos) com os responsáveis pelo barómetro a afirmarem que este é um desequilíbrio institucional bastante preocupante.

Por seu turno, o medo continua a asfixiar a esperança, na medida em que pressupostos há muito assumidos sobre os benefícios do trabalho árduo e da cidadania se encontram “corrompidos”. A título de exemplo, 83% dos empregados a nível global estão preocupados com a possível perda do seu emprego graças a inquietudes como a ausência de formação, a concorrência estrangeira mais barata, imigração, a automação e a denominada economia “gig”. Três em quatro entrevistados sentem-se igualmente preocupados que as “fake news” sejam utilizadas como uma arma e seis em 10 temem o ritmo acelerado da mudança tecnológica. Em suma, os cidadãos sentem uma enorme desconfiança generalizada, sentindo que não têm controlo algum do seu destino. O que explica igualmente o aumento de protestos liderados pelos cidadãos e a ascensão do populismo.

Adicionalmente, menos de uma em cada três pessoas acredita que a sua vida esteja melhor num período de cinco anos, menos de 20% da população geral expressa confiança no sistema e 73% estão à procura de mudança. E mais de metade dos respondentes acredita que o capitalismo causa mais mal do que bem e que a democracia está a perder a sua eficácia.

As exigências crescentes dos stakeholders

No que respeita às empresas, o “business as usual” é cada vez menos aceite, em particular no que respeita ao foco exclusivo nos accionistas. As empresas perceberam a necessidade de terem um papel principal na governança global. A decisão tomada pelo Business Roundtable de apoiar uma abordagem multi-stakeholder para as multinacionais americanas, a iniciativa Business for Inclusive Growth com enfoque nos salários justos liderada pelas multinacionais francesas e a assinatura por parte de 177 multinacionais da Business Ambition for 1,5o C constituem passos em frente para o papel essencial das empresas enquanto “veículos” para melhorar a sociedade. De acordo com o Barómetro, estes são desenvolvimentos significativamente positivos, liderados por CEOs que perceberam que o seu mandato está já para além da responsabilidade social corporativa, assumindo agora uma mudança operacional fundamental.

As empresas foram incitadas a agir devido ao reconhecimento de que os stakeholders na actualidade têm novas expectativas para o sector empresarial. Uma esmagadora maioria de respondentes (92%) afirmam esperar que o CEO do seu empregador tenha voz activa em várias questões, desde a desigualdade de rendimentos, passando pela diversidade até à formação para o trabalho do futuro. E 73% esperam que o seu futuro empregador consiga refigurar o futuro da sociedade de forma positiva.

Os consumidores partilham esta determinação: um inquérito igualmente realizado pela Edelman em 2019 intitulado “In Brands We Trust?” demonstrou que quase dois terços dos entrevistados fazem as suas compras tendo como base as suas crenças e 81% concordam que “uma marca em que confio” é um dos principais motivos para as suas aquisições. No Edelman Trust Barometer 2020, os respondentes afirmaram que clientes e empregados são cinco vezes mais importantes para o sucesso de longo prazo de uma empresa comparativamente aos accionistas.

As quatro questões existenciais para a próxima década – desigualdade de rendimentos, sustentabilidade, qualidade da informação e inteligência artificial – irão exigir níveis elevados de cooperação entre todas as instituições auscultadas, mas apenas um terço das pessoas acredita que as empresas fazem um bom trabalho de parceria com as ONGs e com os governos. Como sublinha o Barómetro, actualmente, as empresas e os governos são como crianças de diferentes pesos a brincar num baloiço desequilibrado: o governo, percepcionado como incompetente e não ético, não é capaz de oferecer o necessário reequilíbrio em relação às empresas, as quais são percepcionadas como bastante eficazes mas demasiado amarradas ao seu auto-interesse.

Ainda sobre as empresas, um número significativamente elevado dos inquiridos acredita que é seu dever pagar salários decentes (83%) e fornecer formação e requalificação para os trabalhadores cujos empregos estejam a ser ameaçados pela automação (79%). Mas menos de um terço acredita que tal será uma realidade.

Cepticismo sobre a justiça dos sistemas actuais está a aumentar

Como já anteriormente mencionado, apesar de um ano com uma forte performance económica global, a confiança nas quatro instituições avaliadas pelo Barómetro de Confiança da Edelman – governos, empresas, ONGs e media – está estagnada, com nenhuma das instituições a ascender a território “confiável”. As empresas e as ONGs continuam a ser, pelo terceiro ano consecutivo, as instituições que maior confiança geram (ambas com 58%), seguidas pelos governos e pelos media (ambos com 49%). Só que estes valores são considerados como muito baixos.

O cepticismo sobre a justiça dos sistemas actuais está aumentar e a percepção é a de que as instituições servem, de forma crescente, os interesses de apenas uns poucos e não da totalidade das pessoas. O governo, mais do que qualquer outra instituição, é considerado como o menos justo, com 57% da população geral a afirmar que serve apenas os interesses de uns poucos e 30%, pelo contrário, a afirmar que serve os interesses de todos.

Este ano, o Trust Barometer inquiriu igualmente os participantes relativamente à sua percepção sobre o capitalismo, revelando que 56% das pessoas considera que este faz mais mal do que bem. Setenta e oito por cento concordam que “as elites estão cada vez mais ricas enquanto as pessoas ‘comuns’ se esforçam por pagar as suas contas” e em 15 dos 28 mercados auscultados, a maioria assume-se pessimista relativamente ao seu futuro, acreditando que não estarão melhores num período de cinco anos comparativamente ao presente. Especificamente, 83% dos empregados afirmam recear perder o seu emprego, atribuindo este temor à economia “gig”, a uma iminente recessão, à inexistência de competências adequadas, a concorrentes estrangeiros mais baratos, a imigrantes que trabalharão por menos, à automação e à deslocalização de empregos para outros países.

É visível também uma ausência de confiança nos líderes societais, os guardiões do futuro. Na verdade, as únicas pessoas que merecem confiança por parte dos entrevistados são os cientistas, os concidadãos e os membros da comunidade de cada um, o que deixa os líderes governamentais e religiosos em território não confiável e os CEOs numa zona neutral. E estes resultados são emblemáticos de uma das maiores tendências da confiança ao longo das duas últimas décadas: a mudança da influência do topo para as bases para uma confiança horizontal.

Competência + ética = confiança

Há 20 anos que o Trust Barometer tem vindo a aferir a confiança através da seguinte pergunta: “qual o seu nível de confiança nas instituições para fazerem o que está certo?”. Tendo em conta a escassez de confiança demonstrada pela população no geral em conjunto com um sentimento pronunciado de desigualdade, este ano o Trust Barometer tentou perceber o que significa a ideia dos cidadãos relativamente ao “fazer o que está certo”. A análise identificou que a confiança é construída de acordo com dois factores por excelência: a competência e o comportamento ético. E uma avaliação mais profunda demonstrou que, nos dias de hoje, nenhuma instituição é considerada como competente e ética, o que explica também a estagnação da confiança face a uma performance económica forte.

Das quatro instituições analisadas, apenas as empresas são vistas como competentes e as ONGs como éticas. Estas avaliações apontam para a ausência de confiança na capacidade dos líderes para lidarem com os mais prementes desafios nacionais, com o medo generalizado face ao futuro e com as questões sobre a equidade dos sistemas. E este último sentimento é ainda mais sublinhado pelo facto dos componentes de um comportamento ético – ser honesto, ter visão, ser movido pelo propósito e ser justo – terem um enorme impacto na confiança.

Em particular no que respeita às empresas, e de acordo com dados da unidade de analytics e consultoria da Edelman, que serve para ajudar as empresas globais a avaliar e a gerir o seu capital de confiança, foi confirmado que a competência – ou ser-se bom naquilo que se faz – não é suficiente para ganhar os benefícios de uma vantagem de confiança. Mais de 80% de mais de 600 empresas analisadas obtêm melhores resultados no que se refere à sua competência do que relativamente às dimensões que integram a confiança ética, como a integridade ou o propósito.

Os dados recolhidos revelam que a capacidade de uma empresa – ou seja, o nível de acordo com o qual é vista como competente – explica apenas 24% do seu capital de confiança mensurável. Em comparação, a integridade, o propósito e a fiabilidade são responsáveis por 76% desse mesmo capital, tornando claro que, mais do que a competência, as dimensões relacionadas com a ética impulsionam a parte de leão do capital de confiança de uma empresa.

Este deficit de ética poderá ser parcialmente explicado pela ênfase que as empresas tradicionalmente colocaram em comunicarem a sua performance, competência ou qualidade de produto em detrimento do seu compromisso relativamente à ética e à integridade, ou ao seu propósito e visão para o futuro. Os dados da Edelman demonstram que a proporção de stakeholders que “não sabem o suficiente” para julgarem a ética de uma empresa é significativamente maior do que aqueles que desconhecem a sua competência.

Em simultâneo, as expectativas dos stakeholders cresceram. Os consumidores esperam que as marcas que adquirem reflictam os seus valores e crenças, os empregados desejam que o seu trabalho lhes confira um sentimento de propósito e os investidores estão crescentemente concentrados na sustentabilidade e em outros compromissos éticos que funcionem como sinais de que as empresas tenham saúde operacional e um sucesso de longo prazo.

Como já visto, as empresas são já reconhecidas pela sua capacidade de fazerem as coisas acontecer. Mas para ganharem confiança, têm de assegurar que estão a agir eticamente e a fazer o que está certo. Porque, para os stakeholders da actualidade, a competência não é suficiente.

Editora Executiva